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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

20
Nov14

Poema Infinito (225): origens múltiplas

João Madureira

 

Dirijo o meu olhar para os passos do teu espírito. Os teus pensamentos são como rochedos sagrados. Um dia iremos a Jerusalém para ver o amor transformar-se em paciência e deixarmos de lado as falsas crenças e as enganadoras narrativas. Mas vamos à história da origem da origem. Todos os heróis se perderam nos labirintos do tempo quando demandaram o Santo Graal. Aí encontraram a sua ambivalente imortalidade. Aí abriram buracos para descobrirem o centro do universo. As crianças redentoras nasceram em grutas e percorreram os caminhos das florestas encantadas. Tiveram visões lá no alto das montanhas onde praticaram a arte milagrosa do jejum. Depois elevaram-se nos ares e cantaram. Sonharam então com longas viagens onde pretenderam amainar os elementos, abençoar todos os nomes e escrevê-los nas tábuas da fantasia. Foram elas que imaginaram e desenharam as pirâmides de Gizé e as suas múltiplas passagens secretas para poderem brincar lá dentro e para que os homens que lá entrassem não tivessem possibilidade de fuga. A sua juventude eterna, possibilitada pela água que beberam da fonte milagrosa, envelheceu como ideia. Depois sucederam acontecimentos terríveis que a todos surpreendeu: as pedras dos templos tornaram-se exatas, os milagres transformaram-se em ruínas, vieram os terramotos e os maremotos e os ciclones e os tufões, os incêndios e as inundações. Os crentes transformaram-se em pintores de grutas retratando nas suas paredes presépios ameaçadores. Os profetas começaram a apregoar a hostilidade e a defender a sabedoria do esquecimento. O mundo tornou-se demasiado comprido. A verdade transformou-se num gesto vago de desalento. Os homens começaram a manifestar o desejo de matar para salvar o Criador e a sua criação. As parábolas ficaram planas como o olhar dos cegos. O amor ficou neutro como os ventos desenhados. As tempestades ficaram frágeis como o papel. Os animais deixaram de acreditar na natureza. Os homens dividiram-se em duas metades imperfeitas e deixaram de confiar uns nos outros. Os amantes começaram a ter medo do amor e do seu corpo e do seu sexo. Especializaram-se em particularidades instantâneas. A pretensa beleza de Deus cegou-os. Alguns começaram a contar histórias mirabolantes para se aperceberem da realidade e tentarem compreendê-la, mas perderam a capacidade de medirem os seus dias e o seu tempo de vida. Os deuses começaram a atuar como se os homens não existissem verdadeiramente, como se fossem uma sua criação animada para experimentarem a eficácia. A bondade e a maldade misturaram-se como o sal e a água dos dilúvios divinos. Tudo o que era divino ficou incompetente. Tudo no universo se desorganizou. Os deuses começaram a ironizar as suas próprias catástrofes e principiaram a utilizar os velhos métodos da distância. Quanta mais distância, mais obediência. Os homens surpreenderam-se com a sua súbita sabedoria primária. A linguagem transformou-se numa bússola sem pontos cardeais. A invenção antiga do destino tornou-se incompetente. Os homens passaram a evitar as frases explícitas e os sentimentos concretos. Tudo ficou um pouco mais longe da verdade. Todas as coisas perderam a sua própria fisionomia. Todas as infâncias se transformaram em ruas que eram parábolas e terminavam em florestas. Os homens decidiram nunca mais olhar para cima. Os seus olhos ficaram com a expressão planeada dos mapas. As flores ficaram nervosas e por isso perderam a cor e o perfume. A natureza ficou definitivamente ao nível do nosso olhar. No meio deste caos nasceu, por fim, o paraíso, que antecipou a natureza e, por fim, moldou o homem e a sua natureza de barro.

17
Nov14

215 - Pérolas e diamantes: mensagem numa garrafa

João Madureira

 

Jorge Luis Borges disse que somos feitos de tempo. Que o tempo é um rio que nos leva. Que nós somos esse rio. 

 

Martin Amis afirmou que a escrita é liberdade, por isso é que ela é tremendamente sensível a qualquer coisa que a ameace.

 

Por aqui continuam os sinais de sempre. Por aqui não ascende quem é reto e competente, mas aqueles que sabem quais as botas que devem engraxar e, sobretudo, como conspirar e intrigar para dessa maneira afastar os que se podem atravessar no caminho. Pois que lhes faça bom proveito. Fiquem descansados, eu já me fui embora. Metaforicamente falando, claro. Eu já dei para esse peditório. Que a inveja, a intriga e a maledicência, vos seja leve.

 

Além disso, eu já não consigo acreditar em vitórias. Basta-me olhar para os “vitoriosos” para me dar conta de que nunca ganharam nada de verdadeiramente consistente e importante na vida. Além das palmadinhas das costas, o que esses “triunfadores” conseguiram foi o direito à indiferença e ao desdém. Deles nada mais sobra do que as bandeiras eleitorais que guardam como recordação na despensa lá de casa ou na garagem. São uns pobres coitados trajados de futilidades.

 

Grande parte da gente que está na política apenas se preocupa com o almoço ou com a merenda. São os políticos da flatulência e do embuste. E são tão bons nisso que até conseguem fazer-se eleger vereadores camarários.

 

Eu, caros “vitoriosos”, não preciso de poder. Apenas necessito de descanso. Vós é que precisais de tachos, potes e panelas. Para vós e para os vossos filhos, netos, sobrinhos ou afilhados. Por isso sois os verdadeiros artistas da falsidade, da mentira e da intriga. E apenas conspirais nas costas das pessoas sérias e livres. Possuis a verticalidade dos répteis e a frontalidade das toupeiras.

 

Todos vós vos endividastes com o crédito da liberdade, da fraternidade e da igualdade. Mas uma coisa vos digo: As dívidas devem ser pagas. Por isso, aqui fica o desafio: Pagai o que deveis, para verdes aquilo que vos resta.

 

Existem várias formas de fazer política. Mas para os “vitoriosos” da nossa urbe o que importa é manter as aparências. E por isso elas são mantidas. Pois por aqui o poder mantém as aparências e a oposição tradicional faz o mesmo.

 

Para as terras pequenas basta um louco. Dois são muitos. E três demais. Por isso é que por aqui a política é uma brincadeira.

 

Mas outra coisa vos digo: As águias voam sós, os carneiros andam em rebanho.

 

O povo, como todos sabemos, exterioriza ruidosamente os seus afetos. Afinal que outra coisa podem fazer os pobres? Aplaudir não custa dinheiro.

 

 

PS – Seriamente inquieto e preocupado com o que vejo ocorrer de norte a sul de Portugal, incluindo necessariamente as ilhas, relativamente às contas autárquicas, às dos bancos e às do governo do país, venho, em nome de, pelo menos, mais de metade dos eleitores flavienses que votaram nesse sentido, solicitar ao senhor presidente António Cabeleira, e demais vereadores, que aprovem uma auditoria independente às contas da nossa autarquia. Quem não deve não teme. E à mulher de César não lhe basta ser séria, tem de parecê-lo. Assim poderemos todos dormir um pouco mais descansados.

 

PS 2 – E, já agora senhor presidente, talvez fosse boa ideia aprovar conjuntamente uma auditoria externa às contas da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, da qual foi digno presidente, até 2013, o atual vereador João Neves (ex-MAI e presentemente do PSD), pois quem não deve não teme; certos de que aquele que tão intrepidamente reclamou, durante toda a campanha eleitoral, uma auditoria às contas da Câmara de Chaves, com toda a certeza verá com bons olhos, e até aclamará de pé, uma auditoria realizada às contas do seu próprio mandato.

13
Nov14

Poema Infinito (224): o traço fino da loucura

João Madureira

 

Fomos amaldiçoados pela loucura. Sobre nós desceu a luz dos encontros. E as primeiras palavras que invadiram o mundo acenderam-se como cigarros. Fugimos do medo. O firmamento ficou escuro como acontece antes da queda das estrelas. Emergiu o tempo para outras visões. Os nossos olhos ficaram impregnados de uma estranha coloração oblíqua. O nosso amor foi cavado com as mãos em concha e iluminado pelo brilho dos nossos olhos. Daí as nossas mãos possuírem memória, daí os nossos sonhos terem cores insubstituíveis, daí as elevadíssimas temperaturas dos delírios. As cicatrizes do tempo tornaram-se audíveis. O passado é agora uma ferramenta artesanal. A nossa serenidade encheu-se interiormente com cores invulgares. As aves enviam-nos os seus ínfimos acenos. Tudo à nossa volta estremece. As paisagens são agora líquidas como o ventre das mães. Lembramos o momento exato quando começámos a desobedecer à eletricidade do destino possuídos pela liberdade radical das estruturas divinatórias. A sua clareza perturbou a nossa aparente imobilidade. Aprendemos a adormecer contemplando a luz e o som das chamas e dos seus reflexos primários. Aceleravam-se então os nossos corações. À velocidade das alucinações sucedia a clareza das metamorfoses de Deus. Os seus olhos eram como topázios radioativos. A divindade transbordava de eletricidade estática e acelerava o destino das estrelas. A sua pele apenas podia ser riscada com diamante. Os rostos maquilhados dos santos sugeriam a eterna perseguição do repouso do inferno. A metamorfose dos labirintos refletia as casas perturbadas pela sua eterna imobilidade. Por isso Deus é um templo. Por isso o paraíso está em chamas. Os anjos e as anjas complacentes entretêm-se a arrumar as palavras em prateleiras pequenas porque Deus lhes ordenou o silêncio branco da eterna obediência. Deus é agora uma palavra única e indestrutível. Não o Verbo, mas o Nome. O desespero emerge das pedras. A divindade transformou-se num útero andrógino, apesar de a sua matriz ser masculina. É agora uma catedral de pernas abertas por onde penetra o tempo e a sua inexorável decadência. Os jardins são terreiros de guerra. Os arcanjos vingativos são guerreiros totalitariamente imperfeitos. Por isso invadem os céus e desejam destruir os séculos e a sua arquitetura simbólica. Todas as suas horas são violentas. Os seus olhos são como imagens cruciformes. O seu desejo é uma combustão interna. A sua verdade levanta-se como uma montanha de negação. Os falos reprodutores do passado que lhe deram origem foram por si decepados. Por isso se transformaram em enormes sombras sem voz e tão frias como glaciares. As suas noites são escuras como o fundo do mar. Todos nasceram da vagina das suas mães a arder, em dias sem sol, sem chuva e sem céu. Por vezes são estátuas que nutrem uma paixão prodigiosa pelo movimento das tempestades e que mantêm um imenso desejo em sucumbir. Desejam, definitivamente, apagar a memória dos seus insólitos nascimentos. Nunca adormecem. São a morte da própria morte. Por vezes erguem-se na noite como se fossem pirâmides ruidosas. As suas asas são como gadanhas e com elas alimentam o voo noturno do tempo. São eles quem imagina o frio, quem faz sangrar o mundo, quem nos condenou à eternidade da morte. São eles os inoculadores dos pesadelos… Por favor, deixem-me acordar. Abram as janelas para entrar a luz. Onde estão os teus olhos? Onde está a sua luz? Onde estás tu?

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