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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

10
Nov14

214 - Pérolas e diamantes: no melhor pano cai a nódoa

João Madureira

 

O poeta W. H. Auden compôs uma quadra com estes versos premonitórios: “Eu e o público sabemos / O que na escola toda a criança aprende: / Aqueles a quem se faz mal / Fazendo o mal retribuem.” Podemos dizer que é uma lei da vida.

 

Outra sua lei é a de que apenas a traição é intemporal.

 

Só que a verdade é como uma ave de rapina: dá sempre muitas voltas antes de bicar.

 

Mas nunca nenhuma batalha foi ganha por aqueles que se limitam a ser espectadores.

 

Todos os políticos são inseguros, anseiam que os admirem. Por isso quando fazem algum elogio é porque estão à espera que lho retribuam com outro.

 

Mas todos sabemos que a política, como muito bem costuma dizer baixinho o superagente Smiley: Não se pode comer, não se pode vender nem se pode dormir com ela.

 

Já Goethe dizia que “no princípio era a ação”. Essa também é a minha filosofia: O que pensa um homem é problema dele. O que verdadeiramente interessa é aquilo que ele faz.

 

Serve este pequeno naco de filosofia da treta como prelúdio para o que se segue. 

 

O jornal i noticiou que “o secretário de Estado do Desenvolvimento Regional decidiu em agosto contrariar a Agência para o Desenvolvimento e Coesão (ADC) de escolher apenas uma empresa para selecionar futuros gestores dos fundos europeus”.

 

A princípio, a agência tinha decidido adjudicar todo o trabalho à empresa que apresentasse a melhor proposta. Concorreram três, ganhou apenas uma, de acordo com a lei. O problema foi que a empresa que ganhou o concurso não foi a esperada. Pelo menos pelo senhor secretário de Estado. Ele apostava numa empresa de um ex-autarca do PSD do Porto.

 

Vai daí, o governante decidiu contrariar o modelo escolhido e mudou as regras estabelecidas, dando indicações para que se contratassem as empresas que haviam ficado de fora, porque, voltamos a lembrar, tinham apresentado preços mais altos.

 

Ou seja, adjudicou-se o mesmo serviço não só à empresa com o serviço mais barato, como decidido pela agência, mas também a todas as que participaram no concurso, onde estava a tal do ex-autarca do PSD.

 

Uma delas mostrou-se desde logo indisponível para participar, mas não foi a do citado militante do PSD.

 

Ficaram assim duas entidades a executar o mesmo serviço. E o Estado, em vez de pagar cerca de 40 mil euros à que ganhou o concurso, passou a ter de remunerar mais 60 mil euros à empresa excluída à partida. 

 

O curioso é que o senhor secretário de Estado mantém desde há alguns anos ligações políticas com o ex-autarca do Porto e, mais curioso ainda, não é que em 2005, o agora secretário de Estado foi indicado pelo ex-autarca do PSD, então dirigente da Junta Metropolitana do Porto, para ocupar um dos lugares cimeiros daquela instituição!

 

O visado, contactado pelo citado jornal, não respondeu a qualquer questão colocada.

 

Talvez porque, no seu douto critério, “a comunicação social tem sido um dos responsáveis da degradação do regime democrático”.

 

Ou dito de forma mais explícita, por Alberto João Jardim: “Há aqui uns bastardos na comunicação social. Digo bastardos para não dizer filhos da puta.”

 

 

PS – Péricles escreveu: O segredo da felicidade é a liberdade; o segredo da liberdade é a coragem. Por isso, senhor presidente da Câmara de Chaves, mais uma vez o desafiamos, a si e aos seus distintos vereadores, a aprovarem uma auditoria independente às contas da nossa autarquia, pois quem não deve não teme e à mulher de César não lhe basta ser séria, tem de parecê-lo.

 

Com essa sua gentileza, com toda a certeza que passaríamos todos a dormir um pouquinho mais tranquilos.

 

PS 2 – E, já agora senhor presidente, talvez fosse boa ideia aprovar conjuntamente uma auditoria externa às contas da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, da qual foi digno presidente, até 2013, o simpático vereador João Neves (ex-MAI e atualmente do PSD), pois quem não deve não teme; certos de que aquele que tão garbosamente exigiu, durante toda a campanha eleitoral, uma auditoria às contas da Câmara de Chaves, com toda a certeza verá com bons olhos, e até aclamará efusivamente, uma auditoria realizada às contas do seu próprio virtuoso mandato.

06
Nov14

Poema Infinito (223): os limites da tragédia

João Madureira

 

Mulheres histéricas afirmam que a cidade foi arrasada. Bombas esféricas tombam sobre os nossos olhos. Os poetas representam a sua própria tragédia. A sua antiga alegria caiu-lhe aos pés. As mulheres histéricas abandonam as suas deixas e fenecem incorporando os papéis desempenhados. E choram, transfigurando a antiga alegria em susto. Os homens, que tudo ansiaram, destroem tudo o que já foi seu. A tragédia tem os seus limites. O céu desfalece. As suas cabeças estão em chamas. As hordas dos bárbaros vieram a pé ou em barcos enfurecidos pelas tempestades. Novas civilizações são passadas à espada. A sabedoria dos antigos desfaz-se em névoa. Nessas noites de angústia, os ventos marinhos varrem as esquinas. Cai o pano. A história passa a ser outra. Os novos guerreiros reconstroem os dias felizes. Esculpem-nos em lápis-lazúli. As casas enchem-se de perfume. Os homens deliciam-se a imaginarem as mulheres sentadas o observar as montanhas e o céu. Os dedos habilidosos dos pastores tocam melodias dolentes. Os olhos das mulheres mais idosas brilham entre as muitas rugas. A sua antiguidade é alegre. Nas encostas, os ramos das ameixoeiras e das cerejeiras cobrem-se de flores. As raparigas dançam seguindo o movimento do relvado macio do jardim. Uma brisa fresca levanta algumas folhas do chão. As raparigas fogem da sua juventude amarga. E libertam-se no meio da multidão. As nuvens negras afastam-se. Os homens sentem-se estranhos em casa. Sentem-se felizes. Por vezes enlouquecem. Mesmo assim, deixam terminar as danças. E amam as bailarinas como se fossem livros permanentemente lidos. E admiram a delicada força que se esvai dos seus corpos. A sua tentação é serena. E suspiram enquanto dormem. O seu espírito é afagado pelo crepúsculo. O seu tempo é circular. E escutam as flores. E sentem-se felizes porque a chuva cai sobre os campos. As manhãs são como auroras. Nos seus olhos espalham-se imagens tranquilas de aves esmaltadas. As horas são agora um pouco mais tranquilas. A eternidade aguarda-os com a sua silenciosa indiferença. O seu amor cresce calmo. O tempo adormece. Cai de novo o pano. A história passa a ser outra. As mulheres sonham com a sua beleza passada. Com os seus lábios vermelhos. Com o seu desolado orgulho. Com a esperança em novos prodígios. E acariciam as almas dos homens que vacilam e beijam os seus rostos solitários. O mundo é uma estrada verde que elas percorrem com os seus pés errantes. No entanto não saem do sítio. E desesperam. E vacilam. E cedem. Lembram-se de escutar cantos de amor sem nunca repousar no seu verdadeiro significado. Lembram-se de adormecer ao lado da lareira acesa. Lembram-se da sua sombra silenciosa. Lembram-se do riso nos seus lábios tristes e do júbilo vadio das estrelas e da beleza entristecida das suas mães e do seu destino incolor. Querem erguer-se. E partir. Casaram-se com meteoros. Depois eles fugiram e extinguiram-se. Os lírios consumiram-se nos jardins. Os pássaros brancos foram morrer longe das mãos amigas. É esse o seu triste destino. Os camponeses abandonam a sua solidão e gravam nas cruzes de madeira as lamentações. As suas meditações transformam-se em memórias. Cai pela última vez o pano. O tempo deixa de existir. Tudo fica perfeito como a sombra de Deus.

03
Nov14

213 - Pérolas e diamantes: o absurdo do disfarce

João Madureira

 

Quando penso no enorme embuste programático e na imensa insensibilidade social do governo da nação e na enorme falta de coragem da Câmara presidida por António Cabeleira em assumir uma auditoria externa às suas contas, há uma frase de François de La Rochefoucauld que me vem logo à memória: “Estamos tão acostumados a disfarçarmo-nos perante os outros que acabamos por nos disfarçarmos a nós próprios.”

 

Podemos dizer que as duas atitudes têm quase um caráter absurdo. Mas, como escreveu Camus, “o absurdo não liberta, prende”.

 

E já que estou com a mão na massa, deixem que, e tendo por pontos de referência os dois exemplos indicados, cite o poeta Arthur Rimbaud: “Quando somos mais fortes – quem recua? Mais alegres – quem cai a rir? Quando somos muito maus – o que nos podem fazer?”

 

Por vezes também me lembro do convento descrito por Alejo Carpentier (Os Passos Perdidos), que possuía altares barrocos, magníficos tetos de caixotões e, ainda, uma sala onde os mestres se flagelavam, ao pé de um Cristo negro, frente à horripilante relíquia da língua de um bispo, conservada em álcool para lembrança da sua eloquência.

 

Antigamente a simbologia era muito forte. Hoje é apenas residual. Ou inexistente. Como Carpentier escreveu: “A consciência da nossa própria consciência impede-nos de gestos tão metafóricos.”

 

Mas a pergunta impõe-se, para lembrança da eloquência – e da sua verdade apregoada aos quatro ventos –, dos nossos políticos de hoje que relíquia deles guardaríamos em álcool?

 

Todos vamos tendo cada vez mais saudades de outros tempos, onde existia retidão nos procedimentos, existia respeito absoluto pela palavra dada, pela honra e pelo cumprimento das obrigações que enobreciam. A fidelidade a esses valores era eterna e impossível de ignorar,  excluindo qualquer possibilidade de discussão.

 

A este fenómeno está associado um outro: o rápido desaparecimento da cultura, no sentido que tradicionalmente se deu a essa palavra.

 

Todos nos transformámos em consumidores de ilusões.

 

Juan, um personagem do romance de Torrente Ballester “Os Prazeres e as Sombras”, talvez não deixe de ter razão sobre o destino dos que teimaram em ficar nas suas terrinhas: “Àquele que fica por lá vedam-se-lhe os caminhos, menos a mediocridade e a bebedeira.” “Este país é o país da inveja e do esquecimento; se te descuidas, esmagam-te; se não produzes, de hoje para amanhã ninguém se lembra de ti. É como viver em pé de guerra.”

 

O mesmo Juan se dá conta do enorme embuste que representa a política, sobretudo a provinciana, quando pergunta: “Que mentiras tem que contar um homem para que confiem nele?”

 

 

 

PS – Afinal o que seria a nossa vida sem o inalterável fluxo de obrigações desagradáveis, de compromissos vagos e de vocações frustradas.

 

Um personagem do livro de Alberto Manguel, Todos os Homens São Mentirosos, distinguia entre o falso verdadeiro e o verdadeiro falso, sendo que o primeiro lhe parecia mais real.

 

Da pluma de Berens, outro personagem do livro de Manguel, presenteamos o senhor presidente da CMC, mais a sua distinta vereação, com esta «citação grátis»: “Sempre  pode haver um trevo / entre a erva selvagem / que embora igual na terra / difere pela sua coragem.”

 

Certos de sermos compreendidos nesta nossa mensagem, mais uma vez reiteramos o pedido de aprovação de uma auditoria externa às contas da nossa autarquia, pois quem não deve não teme e etc.

 

PS 2 – E, já agora senhor presidente, talvez fosse boa ideia aprovar conjuntamente uma auditoria externa às contas da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, da qual foi digno presidente, até 2013, o agora vereador João Neves (ex-MAI e presentemente do PSD), pois quem não deve não teme; certos de que aquele que tão garbosamente solicitou, durante toda a campanha eleitoral, uma auditoria às contas da Câmara de Chaves, com toda a certeza verá com bons olhos, e até aplaudirá de pé, uma auditoria realizada às contas do seu próprio mandato.

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