Poema Infinito (231): a loucura das borboletas
Tenho um nenúfar no fundo da cabeça que apenas se pode observar de forma resplandecente. O seu perfume é frio e por isso enche o ar de memória. À sua volta ecoam vozes feitas de moléculas que brilham. As crianças rompem cravos e espalham o hidrogénio penduradas de cabeça para baixo. As suas mães, cuidadosas como são, fecham-lhes a torrente de átomos para não se constiparem. Houve tempos em que se estrangulavam duendes por eles se alimentarem de rosas raiadas com as cores do arco-íris. A beleza não pode ser destruída, diziam os executores no momento de lhes apertarem os pescoços. De noite tinham pesadelos que lhes queimavam a razão. E falavam alto. E alteravam as vozes como se o mundo fosse um lugar feio habitado por gente aprazível. As crianças alimentavam-se de matéria radiosa. Brincavam banhando os seus sexos impúberes nos lagos de água imponderável como a respiração dos passarinhos. O dom das crianças transtornava os adultos que ficavam em agonia. No fundo das cabeças nasciam-lhes cardos misteriosos. Decidiram então cortar o ténue cordão que ligava o corpo das crianças aos sonhos. Desde então as suas fantasias transformaram-se em raízes floridas e em laços feitos de madeira negra. Os seus retratos revelam agora uma luz lenta feita de sono e mármore. O mundo ascendeu-lhes à cabeça. Por isso se abraçam como loucos, como se não houvesse esperança de salvação. A Terra passou a mover-se como um asteroide. As crianças, desiludidas, limparam o sal do batismo dos seus lábios. O tempo começou a rasgar-se como se fosse feito de alabastro. Os adultos sopraram promessas de opulência. As suas entranhas ficaram de cor púrpura. Instalou-se o caos materno na utopia das crianças. Sentiram-se exacerbadas. Únicas. À beira do ar, caminhando por cima das cores mais prodigiosas. As imagens do tempo ficaram estelares, de um vermelho extremo como se fossem as cicatrizes eternas de Deus. Os adultos embebedam-se com licores de favos escuros repletos da loucura triste das suas infâncias. Dentro das suas casas profundas, as moléculas divinas aguardam pela demonstração da sua humanidade. Deus espera que lhe demonstrem a sua eternidade através de um teorema perfeito. O princípio divino começa numa estrela materna. A água parada começa a iluminar-se por dentro. Os adultos soluçam pressentindo o momento em que a eternidade os vai devorar. Ouvem-se vozes ardentes. Durante a noite, o sono das crianças fica transparente. Deus transmuta-se em ciência. As suas mãos são agora facas. Os seus dedos separam os planetas pelas fendas. As crianças transformam-se em luas escuras, que guardam diamantes nos olhos. As palavras ficam cintilantes. O tempo arranca as pedras das ruas e constrói novas pirâmides. Deus escreve os tratados da ciência em letra unânime. Os animais ficam vermelhos como fogo e depois transformam-se em ouro. Os bárbaros vão à caça. Esse é o seu símbolo de vida. A água invade a noite. Deus inscreve de novo as crianças na cabeça dos adultos como se fossem rosas reluzentes. No fundo da minha cabeça nasce um extraordinário arco-íris que dobro com muito cuidado e, com ele entre os dedos, volto à loucura da minha infância, sonhando beber a inocência como se ela fosse transparente.