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Em mim se guardam os teus espaços. Alargo-me dentro do teu olhar. A minha solidão é imensa como o mar. Habito agora nas terras ermas dos meus antepassados. Por aqui os ventos são vastos. Junto aos mosteiros descansam as almas cingidas pela extensão do esquecimento. Caminho por trilhos que mais ninguém conhece. Sou como um cego em busca da luz que de nada lhe servirá. As árvores exaltam os seus frutos. Antigamente, junto a elas, as donzelas elevavam os seus cânticos de amor e pesar. Dos seus troncos construíam-se alaúdes. Os rapazes faziam-se homens e contavam às mulheres as angústias que não conseguiam expulsar. Os olhos contemplavam o eterno passado. Não havia futuro. Construíram-se casas já velhas. O sol pouco alumiava no inverno. No verão o calor entrava por todo o lado. Os deuses eram adorados com a ardência do lume. As mulheres sentiam os corações a ruborescer. No céu, os anjos passavam como se fossem bandos de estorninhos. As aves, assustadas, comiam os frutos ainda verdes. Todas as épocas possuem a sua praga. O tempo era então uma forma de riqueza que se podia esbanjar à vontade. A pobreza vestia-se sob a forma de fatos e vestidos puídos, passajados e engomados. Todos admiravam as vestes dos bispos. Isso aquecia-lhes a alma. O êxtase existia em forma de campo arado. Eram trigueiras as primaveras, as moças e os rouxinóis. Nos mais velhos, as alegrias morriam pouco a pouco. Ninguém dava conta. Ninguém se importava. Os casais mais fecundos, que eram quase todos, caminhavam pelos prados com as flores atrás das orelhas, ou entre os lábios, e falavam de si e de como a alegria se aplicava à natureza e tudo em volta se excitava até todos ficarem com os corações límpidos. A luz do dia era cada vez mais funda, os sorrisos cresciam nos rostos das crianças, quase todas magras e descalças. Amaduravam a história da sua infância. Quando as crianças cantavam, nos ninhos dos pássaros fazia-se silêncio. Os irmãos gritavam com as irmãs. As irmãs vociferavam com os irmãos. E os pais praguejavam com ambos, mesmo sabendo que era pecado. Na primavera, as canções espalhavam-se como o pólen. Realizavam-se muitos casamentos. As mulheres fechavam os olhos como se fossem gomos de rosas. As noites de amor pousavam nos leitos ásperos e eram grandiosas dentro da sua extraordinária velocidade. Os animais ficavam em silêncio. Os filhos faziam que dormiam. Até a Imaculada Conceição brilhava mais, pálida dentro do seu corpo e adornada com a sua alma de santa. As fêmeas davam fruto. As sementes, enterradas nos solos férteis, aqueciam interiormente e cresciam. Depois, os sonhos começaram a voar para longe. Muito longe. Cada vez mais longe. A vida afundou-se devagar no meio das flores, da erva e finalmente nos tojos. Chegou então o sossego e a serenidade dos cabelos brancos. Os invernos começaram a ficar doridos. A saudade tomou conta dos caminhos. As portas das casas fecharam dentro de si a vida no seu mistério mais fundo. As pessoas começaram a falar em silêncio. A escurecerem dentro do seu inverno. A procurarem o tempo que lhes restava nos braços dos anjos. As imagens quedaram quietas, impassíveis. Os espelhos ficaram escuros. Começou então a contagem finita das noites. A vida transformou-se em som. Escuto continuamente a voz de pedra do tempo até adormecer.
João Vieira Pereira, diretor-adjunto do “Expresso”, na habitual coluna semanal que assina no suplemento de economia, acusou o PS de “falta de coragem”, após a leitura do relatório “Uma Década para Portugal”.
Perplexo pelo que leu, escreveu que “nada como pedir a uns independentes que façam umas contas que não comprometem ninguém. Se correr bem, o partido tinha razão. Se correr mal, eram apenas umas ideias loucas de uns economistas bem-intencionados”.
Essa “falta de coragem”, na perspetiva de JVP, “é a mesma que levou Sampaio da Nóvoa a avançar sozinho. Uma espécie de «vai andando que eu já lá vou ter». A política do tubo de ensaio. Cheia de falta de coragem e reveladora da ausência de pensamento político consistente.”
Na noite do 25 de Abril, entre vivas à liberdade (e entre elas à liberdade de imprensa, estamos em crer) e outras “boutades” pronunciadas religiosamente nesta data, o líder do PS (que se diz um dos paladinos da dita) resolveu escrever, e enviar, um SMS a JVP dando-lhe conta do seu espírito democrático e, sobretudo, republicano, laico e socialista.
Ei-lo, o SMS: “Senhor João Vieira Pereira. Saberá que, em tempos, o jornalismo foi uma profissão de gente séria, informada, que informava, culta, que comentava. Hoje, a coberto da confusão entre liberdade de opinar e a imunidade de insultar, essa profissão respeitável é degradada por desqualificados, incapazes de terem uma opinião e discutirem as dos outros, que têm de recorrer ao insulto reles e cobarde para preencherem as colunas que lhes estão reservadas. Quem se julga para se arrogar a legitimidade de julgar o carácter de quem não conhece? Como não vale a pena processá-lo, envio-lhe este SMS para que não tenha a ilusão que lhe admito julgamentos de caráter, nem tenha dúvidas sobre o que penso a seu respeito.”
Nem José Sócrates escreveria tão bem uma resposta a estes jornalistas “incultos” e “irresponsáveis”, que “têm a ousadia” de escrever sobre as “maravilhosas propostas” do PS que nos farão sair do atoleiro da crise. (O que está entre aspas neste parágrafo é da nossa inteira responsabilidade).
Na crónica seguinte, JVP publicou a crónica intitulada “É a liberdade, António Costa”, da qual aqui reproduzimos alguns excertos, com a devida vénia e com a correspondente solidariedade.
Convém realçar que JVP apenas publicou o SMS que recebeu de António Costa, após consultar os seus camaradas de direção do “Expresso”, cujo diretor é Ricardo Costa, o irmão do líder do PS.
Ei-la, a resposta: “Nunca fui atacado ou me senti tão condicionado por alguém com responsabilidades políticas ou públicas. Nem à esquerda nem à direita. Nunca um secretário de Estado, um ministro ou um primeiro-ministro me dirigiu tais palavras.”
“Denunciar esta situação é a forma mais transparente que encontro para que todos possam julgar e criticar as ideias que defendo, que sempre defendi e continuarei a defender.”
“Peço desculpa pelo incómodo de ser jornalista.”
O bom humor, a descontração e o apego à liberdade por parte de António Costa é (era?) um dos trunfos (medalhas?) do PS. Outra era (é?) a solidariedade e o respeito pelos camaradas do partido, como o demonstra “a facada nas costas” a António José Seguro.
Depois deste episódio começou a fazer sentido no meu espírito a tal legislação que queria impor a “lei da rolha” na cobertura das campanhas eleitorais, da autoria do PSD, do CDS e do PS. Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és?
Termino por hoje citando as palavras de Michelle Obama: “Não baseie o seu voto no medo, mas nas possibilidades. Oiça. O jogo da política passa por fazê-lo sentir medo para que deixe de pensar. Aquilo de que precisamos não é de retórica política, não é de jogos. Precisamos de liderança.”
PS – Porque pensamos que existe uma situação paradoxal entre o declínio da nossa cidade (o seu empobrecimento e a desgraça crescente do comércio local e da classe média) e a enorme dívida contraída pela CMC, mais uma vez solicitamos ao senhor presidente e aos seus distintos vereadores, que aprovem uma auditoria independente às contas da nossa autarquia. Tchékhov dizia que “a arrogância é uma qualidade que fica bem aos perus” (ou talvez aos pavões que são aves de cauda mais vistosa). Quem não deve não teme.
PS 2 – Em nome da transparência, já agora senhor presidente, talvez fosse boa ideia aprovar conjuntamente uma auditoria externa às contas da JF de Santa Maria Maior.
PS 3 – Era um ato de coragem redentora, o senhor presidente deixar-se de desculpas de mau pagador e pôr fim ao deplorável espetáculo dos esgotos a céu aberto em Vale de Salgueiro – Outeiro Seco.
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