A leitura do livro Os Ricos, de John Kampfner, é no mínimo enriquecedora. Nele tenta-se explicar de alguma forma como é que as pessoas se tornam ricas. Como todos sabemos, fazem-no por meios honestos e desonestos, através do empreendedorismo, da apropriação de bens e também por herança. São eles que fazem e manipulam os mercados, combatendo e derrotando a concorrência, ou mesmo eliminando-a. Quando já se encontram lá no alto da pirâmide, obtêm ainda mais influência no seio da liderança política, aliando-se, ou corrompendo, as elites culturais e sociais.
Depois começam a comparar-se entre si, o que quase sempre os leva a que se sintam insatisfeitos com o muito que possuem, passando a acreditar que ainda não são suficientemente ricos ou poderosos.
Quando obrigados, retribuem ao Estado o mínimo de impostos que conseguem pagar sem serem apanhados.
Cada rico reforça as convicções profundas dos outros ricos, convencendo-se de que pelo facto de terem obtido riqueza, e de gastarem alguma parte dela em obras de caridade, isso os alivia de se sentirem culpados e de ocuparem o lugar que lhes é devido no topo da lista dos caridosos, ou nos grupos de influência mundial que tomam as decisões e por isso são moralmente superiores.
John Kampfner conta a determinada altura que Lloyd Blanfkein, o presidente e diretor-executivo da Goldman Sachs, falou em nome de muitos membros deste grupo quando fez o célebre comentário sarcástico de que estava a “fazer o trabalho de Deus”.
O autor conta-nos que os ricos, na sua maioria, “são compulsivamente competitivos – a ganhar dinheiro e a gastá-lo”.
À fase de deslumbramento e de aquisição de riqueza, segue-se a da ostentação. A opulência atualmente manifesta-se de forma diferente do passado, mas a base psicológica é a mesma. Os escravos, as barregãs, o ouro e os castelos da Antiguidade e da Idade Média foram substituídos pelos jatos particulares, pela compra de ilhas paradisíacas e pela aquisição de clubes de futebol.
Os mais tímidos ficam-se por aqui. Fogem das luzes da ribalta, escondem-se atrás das elevadas muralhas das suas mansões, entregando-se, em ameno convívio com os seus séquitos de amigos e parasitas, ao usufruto do luxo circunspecto.
Kampfner , relata, com sentida ironia, que “numa fase precoce, intervêm as leis da gravidade. Quanto mais rico se é, mas rico se fica. Do mesmo modo que, quanto mais pobre se é, mais fácil é cair ainda mais baixo”.
Os entendidos na matéria dizem que a tarefa mais difícil é ganhar os primeiros 10 milhões. A partir daí, “os regimes fiscais benévolos, os advogados e os reguladores farão o resto por si. Os melhores cérebros vão sempre atrás do dinheiro e, por isso, os reguladores que ganham uma fração dos seus salários não são adversários à altura. Os plutocratas exortam o Estado a deixá-los em paz mas, quando as coisas se tornam difíceis, o Estado é invariavelmente o seu melhor amigo, resgatando bancos e outras instituições consideradas «demasiado grandes para falirem». Os lucros são privatizados, as dívidas socializadas.
Joseph Stiglitz, o célebre economista americano, tem razão quando afirma que a maior parte da desigualdade atual resulta da “manipulação do sistema financeiro, tornada possível pela alteração das regras que foram compradas e pagas pela própria indústria financeira – um dos melhores investimentos de sempre.”
Mas será que está tudo perdido? O autor é suficientemente sarcástico a responder: “Inúmeras figuras do mundo da banca regressaram como assessores de Presidentes e primeiros-ministros. Quanto à opinião pública, a História sugere que também ela amansará à medida que as economias recuperarem e as recordações se esfumarem. Independentemente do delito, os ricos costumam conseguir garantir a reabilitação… se se dedicarem a isso com afinco suficiente.”
Numa interessante entrevista à LER, José Matoso pôs o dedo na ferida: “O nosso tempo foi sempre escravo da economia. Em países onde se percebeu que a racionalidade era mais eficaz do que a ideologia, a religião ou a magia, e onde, por isso, a sociedade se organizou a partir da técnica, a economia pôde, até certo ponto, respeitar e proteger a cultura. São as nações civilizadas do nosso tempo. Mas o que liberta a sociedade da economia não é a racionalidade nem a técnica, mas o amor, todas as artes, a compaixão pelos que sofrem, a solidariedade, o diálogo, a conjugação das diferenças.”
Tal como o historiador, também eu não sei, nem ninguém sabe, como será o dia de amanhã. No entanto todos temos a esperança que não seja tão mau como se teme.
“Há mal que vi debaixo do Sol, e atrai enfermidades: as riquezas que os seus donos guardam, para seu próprio dano.” (Livro do Eclesiastes, 5, 13)