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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

10
Ago15

251 - Pérolas e diamantes: os substitutos de Deus

João Madureira

 

 

 

A leitura do livro Os Ricos, de John Kampfner, é no mínimo enriquecedora. Nele tenta-se explicar de alguma forma como é que as pessoas se tornam ricas. Como todos sabemos, fazem-no por meios honestos e desonestos, através do empreendedorismo, da apropriação de bens e também por herança. São eles que fazem e manipulam os mercados, combatendo e derrotando a concorrência, ou mesmo eliminando-a. Quando já se encontram lá no alto da pirâmide, obtêm ainda mais influência no seio da liderança política, aliando-se, ou corrompendo, as elites culturais e sociais.

 

Depois começam a comparar-se entre si, o que quase sempre os leva a que se sintam insatisfeitos com o muito que possuem, passando a acreditar que ainda não são suficientemente ricos ou poderosos.

 

Quando obrigados, retribuem ao Estado o mínimo de impostos que conseguem pagar sem serem apanhados.

 

Cada rico reforça as convicções profundas dos outros ricos, convencendo-se de que pelo facto de terem obtido riqueza, e de gastarem alguma parte dela em obras de caridade, isso os alivia de se sentirem culpados e de ocuparem o lugar que lhes é devido no topo da lista dos caridosos, ou nos grupos de influência mundial que tomam as decisões e por isso são moralmente superiores.

 

John Kampfner conta a determinada altura que Lloyd Blanfkein, o presidente e diretor-executivo da Goldman Sachs, falou em nome de muitos membros deste grupo quando fez o célebre comentário sarcástico de que estava a “fazer o trabalho de Deus”.

 

O autor conta-nos que os ricos, na sua maioria, “são compulsivamente competitivos – a ganhar dinheiro e a gastá-lo”.

 

À fase de deslumbramento e de aquisição de riqueza, segue-se a da ostentação. A opulência atualmente manifesta-se de forma diferente do passado, mas a base psicológica é a mesma. Os escravos, as barregãs, o ouro e os castelos da Antiguidade e da Idade Média foram substituídos pelos jatos particulares, pela compra de ilhas paradisíacas e pela aquisição de clubes de futebol.

 

Os mais tímidos ficam-se por aqui. Fogem das luzes da ribalta, escondem-se atrás das elevadas muralhas das suas mansões, entregando-se, em ameno convívio com os seus séquitos de amigos e parasitas, ao usufruto do luxo circunspecto.

 

Kampfner , relata, com sentida ironia, que “numa fase precoce, intervêm as leis da gravidade. Quanto mais rico se é, mas rico se fica. Do mesmo modo que, quanto mais pobre se é, mais fácil é cair ainda mais baixo”.

 

Os entendidos na matéria dizem que a tarefa mais difícil é ganhar os primeiros 10 milhões. A partir daí, “os regimes fiscais benévolos, os advogados e os reguladores farão o resto por si. Os melhores cérebros vão sempre atrás do dinheiro e, por isso, os reguladores que ganham uma fração dos seus salários não são adversários à altura. Os plutocratas exortam o Estado a deixá-los em paz mas, quando as coisas se tornam difíceis, o Estado é invariavelmente o seu melhor amigo, resgatando bancos e outras instituições consideradas «demasiado grandes para falirem». Os lucros são privatizados, as dívidas socializadas.

 

Joseph Stiglitz, o célebre economista americano, tem razão quando afirma que a maior parte da desigualdade atual resulta da “manipulação do sistema financeiro, tornada possível pela alteração das regras que foram compradas e pagas pela própria indústria financeira – um dos melhores investimentos de sempre.”

 

Mas será que está tudo perdido? O autor é suficientemente sarcástico a responder: “Inúmeras figuras do mundo da banca regressaram como assessores de Presidentes e primeiros-ministros. Quanto à opinião pública, a História sugere que também ela amansará à medida que as economias recuperarem e as recordações se esfumarem. Independentemente do delito, os ricos costumam conseguir garantir a reabilitação… se se dedicarem a isso com afinco suficiente.”

 

Numa interessante entrevista à LER, José Matoso pôs o dedo na ferida: “O nosso tempo foi sempre escravo da economia. Em países onde se percebeu que a racionalidade era mais eficaz do que a ideologia, a religião ou a magia, e onde, por isso, a sociedade se organizou a partir da técnica, a economia pôde, até certo ponto, respeitar e proteger a cultura. São as nações civilizadas do nosso tempo. Mas o que liberta a sociedade da economia não é a racionalidade nem a técnica, mas o amor, todas as artes, a compaixão pelos que sofrem, a solidariedade, o diálogo, a conjugação das diferenças.”

 

Tal como o historiador, também eu não sei, nem ninguém sabe, como será o dia de amanhã. No entanto todos temos a esperança que não seja tão mau como se teme.

 

“Há mal que vi debaixo do Sol, e atrai enfermidades: as riquezas que os seus donos guardam, para seu próprio dano.” (Livro do Eclesiastes, 5, 13)

06
Ago15

Poema Infinito (262): o princípio da solidão

João Madureira

 

 

A solidão é uma palavra que come as outras palavras e transforma os nomes em feridas. O vento produz-nos uma rara sensação de embriaguez. Os jardins estão alerta. Os leões de pedra disfarçam-se de blocos zoológicos e dos seus olhos ferozes caem lágrimas botânicas. Os insetos brilham como se fossem gotas de sangue. A terra também possui vários plurais. E segredos. Os braços apertam as estrelas. Trememos propagando várias ondas sísmicas. Primeiro sentimos o medo. Depois o delírio. A beleza constrói-se através de um trabalho sombrio, com a paciência do oleiro que apenas usa a visão elementar das coisas. Os frutos nas árvores nascem de forma instantânea, interiormente modificados pela nossa visão de terra. O tempo demora a uni-los. Constelações de vento conquistam a casa. Um incêndio perpétuo trabalha as imagens do apocalipse. O sono devora a zona selvagem do conhecimento. De dentro de nós saem suspiros e pesadelos ébrios, como se o mundo inteiro cedesse ao peso simples do pavor das coisas que cintilam. Estátuas brotam da terra carregadas de símbolos que celebram a tensão do granito. Depois abraçam as estrelas inquietas. O chão transpira possuído pela sua ancestral potência astronómica. O tempo vibra. A carne treme. O desejo é como uma vara tensa e verde que bate na carne vermelha à procura do buraco aberto da exaltação. As ribeiras atravessam os campos sentindo o peso em que se apoia a delicadeza, o frio e a luz. No céu, os cometas giram em busca da sua própria cauda. Os teus olhos têm luz própria, atravessam as trevas como se fossem animais de coração delicado, ébrios de oxigénio. Os abraços engrandecem tudo, são como barragens de solidariedade. As palavras sobem à tona da água como se fossem bolhas de desalento. Nome a nome, preenchem os espaços bravios e desabrocham como estrelas florais. A loucura do tempo transforma as casas vivas em besouros altivos. A água encharca as terras que dormem. Os pássaros cantam uma espécie de canção ultramarina. A tua imagem torna o mundo inocente. As almas que cintilam ao longe ficam de repente húmidas. Soletro-as como se fossem palavras mágicas em busca de sentido. De todos os sítios do meu sonho saem imagens exaltadas que se transformam em estátuas vibrantes e se inclinam dentro do escuro. Apenas os seus olhos brancos brilham e iluminam a boca e os dedos que fecharam a noite como se fosse uma selva química. As estátuas são lentas como buracos negros. Um clarão surge nas suas bocas. Surgem depois as mulheres sombrias, cheias de leite e sal. As suas mágoas transbordam e espantam a luz. São outra vez crianças brancas que procuram nos muros as silvas e as amoras. De novo os seus rostos ficam obscuros com a textura da seda e do esquecimento. Os seus dedos medem as bilhas da água, as porcelanas na mesa, as labaredas da fogueira, os girassóis, as paisagens, os cereais, as roupas que secam ao sol, o leite que nasce dentro dos seus seios, a inclinação triste dos rostos dos filhos, os precipícios da noite, a vertigem das manhãs. As suas mãos pensam tanto como o seu cérebro. A sua ciência baseia-se numa memória sumptuosa. Tenho medo de tocar nos objetos inesperados. As mãos que escrevem ainda não conseguiram encontrar a forma de acabar com a solidão das palavras.

03
Ago15

250 - Pérolas e diamantes: mudar de direção

João Madureira

 

 

Está provado que uma oportunidade leva diretamente a outra, assim como o risco atrai mais risco, a morte origina mais morte e a vida gera mais vida.

 

E como sabemos que uma coisa está viva? Pois vemos se respira.

 

Como a maior parte das desgraças, também a europeia começou com uma espécie de felicidade aparente.

 

A sorte continua a ser o requisito final das coisas verdadeiramente interessantes.

 

Mas jamais podemos cair no erro grego de, enquanto cordeiros, entregar a faca ao açougueiro europeu.

 

Portugal tem de acordar do sonho mau, não acordar para um, substituindo as trevas pela obscuridade, trocando simplesmente Passos Coelho por António Costa.

 

Uma coisa são as promessas destes senhores e dos respetivos partidos, outra bem diferente é o seu cumprimento. O que eles dizem e a realidade costumam ser duas coisas completamente diferentes.

 

Adriano Moreira tem razão quando afirma a sua convicção, que partilho, de que é necessário cada organização política rever a sua definição formal, para ver se a definição ideológica de cada partido ainda é aquela que orienta a sua intervenção atual. Pois estou em crer que nem o CDS é democrata-cristão, nem o PS é socialista e muito menos o PSD é social-democrata.

 

A reforma do Estado tem de se iniciar nos partidos. Temos de contrariar a inércia reinante.

 

Por essa europa fora diminui todos os dias a relação que existia entre as sociedades civis e os respetivos governos. Esse facto é medido pelo nível da abstenção em todas as eleições que se efetuam. A Europa trocou a crença dos valores pela confiança dos mercados.

 

Não é bonito vermos os nossos governantes discutirem nas instituições europeias com os empregados das organizações.

 

Nos últimos quatro anos empobrecemos enormemente.

 

O problema político a que temos de dar resposta é fácil de enunciar: é necessário restituir o pão na mesa e o trabalho aos portugueses.

 

O trágico é que estamos a sofrer as consequências das decisões europeias sem termos participado nelas. Os portugueses sentem o seu país mais exíguo, com uma relação desigual entre objetivos e recursos. 

 

O nosso voto tem de ser confiado a quem tenha uma visão, uma estratégia e uma ambição para o país. A alguém que nos apresente ideias mobilizadoras e que consiga congregar os cidadãos da República. Que faça emergir nos portugueses o seu melhor.

 

Que nos faça sentir o orgulho em ser portugueses. Que não transija em matéria de ética e de corrupção. E que o afirme sem rodeios nem tibiezas. Uma pessoa, que defenda a justiça social e a repartição, que seja impiedoso com os corruptos e seja fiel aos princípios democráticos e republicanos.

 

Que nos liberte definitivamente da condição porque passou Bocage de “sucinto almoço, ceia casual e jantar incerto”.

 

Para terminar, deixo aqui a Fábula Curta de Kafka para que a sua leitura sirva de exemplo aos distraídos.

 

"Ai de mim!", disse o rato, – "o mundo vai ficando dia a dia mais estreito". – "Outrora, tão grande era que ganhei medo e corri, corri até que finalmente fiquei contente por ver aparecerem muros de ambos os lados do horizonte, mas estes altos muros correm tão rapidamente um ao encontro do outro que eis-me já no fim do percurso, vendo ao fundo a ratoeira em que irei cair". "– Mas o que tens a fazer é mudar de direção", disse o gato, devorando-o.

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