279 - Pérolas e diamantes: as sombras eternas
Aprendi com Sir Kenneth Sefton Boyd, o amigo do espião perfeito, que não podemos perder o que não temos, nem sentir falta do que nos é indiferente, nem podemos vender aquilo que não é nosso.
Bagão Félix garante que não vai voltar à política porque não gosta de “correr na pista dos interesses”. Desinteressou-se. Já não gosta das elites. Talvez porque, na sua perspetiva, pertence à “elite dos valores”. Elite que se encontra em perigo de extinção como o lince da Serra da Malcata, o lobo Ibérico ou o burro Mirandês.
Em Portugal, afirma Bagão Félix, “as nossas elites são as elites dos interesses”. São do género a que pertencia um bom cabo britânico de Argylls que, logo após a 2ª Guerra Mundial, quando os russos lhe ofereceram baldes de madeira cheios de caviar, em troca dos seus plum puddings, se queixou, no início do jantar ao seu oficial, que a compota lhe sabia a peixe. Pudera!
Contentamo-nos com existir. Existimos a duzentos à hora, mas a vida interior está parada.
Alberto João Jardim afirmou recentemente que Passos Coelho acha prestigiante andar debaixo das saias da sra. Merkel. E até confessou que votou sempre no PSD menos nas últimas eleições. E bem lhe custou. Magoou-o lá dentro. Pudera!
São Paulo, segundo Teixeira de Pascoaes, foi o intérprete de Deus, por divina graça do remorso. O remorso foi transmitido a Judas, companheiro íntimo de Jesus, tão íntimo que o traiu. Pedro, o eleito, negou-o. Pedro sobreviveu. Judas, mais humilde, enforcou-se numa figueira.
Teixeira de Pascoaes acha que o remorso do suposto traidor se converteu em autodestruição. Judas não pôde emendar a iniquidade, como Pedro. “Ofertou a sua vida ao grande crime e o seu nome à inconsciência malévola do mundo. Aquele beijo traidor arde ainda na sombra da noite em que prenderam Jesus.”
Foi também Teixeira de Pascoaes que nos avisou que nem a ilusão tem nada de ilusório, nem a realidade tem nada de real. Mais vale assim. Desta maneira ninguém se magoa.
Por isso é que Alberto João se atreveu a afirmar que se Pedro Passos Coelho ficar no PSD “leva outra banhada”.
Pesaroso, confessou que saiu de bem com o povo e mal com o partido. Acontece sempre assim. “As sociedades secretas estavam interessadas na minha substituição.” Pois!
Sensibilizados, citamos-lhe São Paulo: “Se Cristo não ressuscitou é vã a nossa fé.” Quem não sonha está morto. O mundo, assim como está, não vale nada. É preciso estarmos conforme a nossa fantasia.
Rui Moreira, o presidente da Câmara do Porto, diz-se cansado do centralismo de uma persistente mentalidade colonial. Na sua opinião existe “uma certa intelligentsia lisboeta constituída por parolos da província que acampam na capital e que, para mostrarem serviço, têm de parecer mais centralistas.” O seu avô, que era lisboeta, queixava-se sempre disso. Rui Moreira não disse nada sobre outra certa intelligentsia portuense que também despreza o resto do Norte de Portugal.
Ele, montado no seu rocinante, não cede à tentação de trocar os bês pelo vês, como talvez preferissem os tais de Lisboa, para quem os autarcas cá do Norte são uns tipos vagamente barrigudos, que fumam charuto, dizem disparates e querem inaugurar um mictório público.
Nós, que somos o Norte do Norte, já vimos fazer isso, ou ainda melhor.
Mas cá continuamos a viver e a resistir, pois, como os santos, baixamos os olhos para continuarmos a suportar o sol. Não o escondemos com uma peneira.
Não podemos terminar por hoje sem uma pitada de cultura. Ou melhor, muito melhor, vamos falar do ministro da Cultura, João Soares. O Expresso definiu-o como europeísta, maçon, agnóstico, apaixonado por poesia e fã das forças armadas. Reparem bem: fã das forças armadas.
Durante os últimos anos trabalhou no quadro parlamentar ligado às questões de Defesa e a nível internacional com a OSCE, organização ligada à segurança e cooperação europeia. António Costa, olhando para o seu impressionante currículo, nomeou-o… ministro da cultura.
Como escreveu Teixeira de Pascoaes, as sombras parecem eternas… ao luar.