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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

11
Jul16

298 - Pérolas e diamantes: liberdade de escolha

João Madureira

 

 

Há dias assim. Hoje não me importa o tema. Hoje tanto se me dá. Não sei se vou falar de literatura, ou de política, ou de vida mundana, ou do dia de ontem, ou do de hoje, ou mesmo do dia de amanhã.

 

Sei que os dramas da História, e das histórias, são sempre deslumbrantes quando vistos de longe, pois são constituídos pelos mesmos elementos que compõem as nossas obscuras existências diárias. Mesmo as estrelas mais remotas possuem a mesma composição que os nossos ossos que um dia serão pó e repousarão ao lado dos dos nossos pais.

 

Somos pó de estrelas.

 

Descobrimos que as coisas que nos circundam estão enlaçadas pela beleza que reside no mero facto de existirem e de serem simplesmente aquilo que são.

 

Para mal dos nossos pecados, os homens que tentaram implementar as grandes ideias acabaram por amontoar à sua volta apenas ruínas.

 

Uma coisa sei ao certo: o ponto culminante dos nossos dias mais partilhados não é o momento em que nos vestimos para as pessoas, mas o momento em que nos despimos para a pessoa que amamos.

 

Sim, bem sei, ler Proust dá nisto. Eu avisei logo no início.

 

Bem, meus amigos, há um provérbio que diz que quem se põe a gozar com um touro acaba por levar com o corno. Mas também sabemos que depois de levar com o corno, os provérbios não servem lá para grande coisa.

 

É a vida.

 

Na vida há dois tipos de jogadores: os bons e os outros. Os maus jogadores são muito parecidos com os que se entretêm a jogar snooker aos fins de semana. Andam sempre a “dizer raios partam o bilhar” e sempre a colocar giz nos tacos e a abanar a cabeça, pois as bolas teimam em não entrar no sítio certo. 

 

Ao nível dos sentimentos também há dois tipos de pessoas: as parecidas com os gatos e as semelhantes aos cães.

 

Os gatos não se apegam a ninguém. Ninguém lhes conhece os sentimentos. Está demonstrado cientificamente que não conseguem sentir afeto.

 

Isso de se esfregarem nas nossas pernas e de se contorcerem é neles apenas uma forma de nos marcarem com o seu cheiro porque, para eles, somos uma espécie de comida ou um lugar onde podem descansar porque lhes pertence. Não são animais sociais.

 

Para os gatos, nós somos uma espécie de cobertor elétrico para os dias frios.

 

E os cães? Bem, os cães são outra coisa. A sua amizade e a sua lealdade não têm limites.

 

Depois existem as verdadeiras personalidades. Eu aprendi a apreciar a que mais é do agrado de todos. Ou quase. A princípio custou-me até porque era contra os meus princípios.

 

É do género que adia a necessidade de qualquer tipo de resposta minha contando-me a minha versão da minha história.

 

Fazem-me lembrar Hegel que achava que a transcendência é absorção.

 

Mas eu confesso, Hegel continua a provocar-me urticária. Apesar dos anti-histamínicos.

 

Prefiro David Foster Wallace que defende que “o homem que conhece as suas limitações não tem nenhuma”.

 

Por vezes até eu acredito em coisas em que não sabia que acreditava até me saírem da boca.

 

Essas coisas são como certos aromas da infância que, apesar de nos serem familiares, nos parecem inexplicavelmente tristes.

 

Há sempre aquele tipo pessoas que nunca simpatizarão com outra faça ela o que fizer. Mas também não se tem de gostar de uma pessoa para aprender com ela.

 

As pessoas más nunca acham que são más, mas que todos os outros o são.

 

Na verdade vos digo: É possível aprender coisas importantes com pessoas estúpidas.

 

Uma coisa tenho como certa: Não pode haver liberdade de escolha se não se aprender a escolher.

07
Jul16

Poema Infinito (310): nova organização das aparências

João Madureira

 

 

Todos os homens têm os mesmos pensamentos, mesmo parecendo diferentes. Todos os homens são enigmas e a solução dos próprios enigmas. Os murmúrios são idênticos. A timidez é a mesma. O assombro, esse, é sempre diferente. Submergir no amor é um desígnio complicado. Os aguaceiros de abril surpreendem-nos, permanentemente. É nessas noites que faço confidências. Aí estou eu exuberante, místico, ansioso. Perdido. Os primeiros meses do ano chegaram vazios. Os dias lamentam-se. Está escrito que o universo é um fluxo contínuo de aflições. A sua falta de sentido é indestrutível. As crianças desaparecem no fogo. As leis elementares nunca pedem relevação. A vida apoia-se nas chamas do aniquilamento. O tempo amplia-se. Os poetas traduzem os poemas para uma nova língua. Os enxertos rebentam. As mulheres cantam a expansão do seu orgulho. As sombras compridas matizam a corrente do rio. O sol desaparece por detrás das montanhas e dos seus cumes brumosos. A noite possui o mar. Os sorrisos dos amantes parecem flores de macieira. Aconchego-me na suavidade da tua ondulação. Elaboro a longa lista das memórias e dos objetos a que se prendem. Omito a casa, a bondade, a virtude e o vício. O mal impele-nos para a conversão e esta para a indiferença. As atitudes crescem dentro de nós como raízes. Alguém se equilibra na verdade e no seu oposto. Alguém mergulha na doutrina estável do passado, no desdobramento infinito das palavras esquecidas, no prodígio místico do silêncio e do vazio. Os gramáticos entretêm-se com o léxico das antigas inscrições. Desaparafusam as fechaduras das arcas à procura da modéstia, do toque divino, da inspiração e do seu índex. Descobrem então uma torrente interminável de vozes emudecidas, a conceção perfeita e infindável de heróis, heroínas, prisioneiros e escravos, vários ciclos de gestação e desenvolvimento, os fios que ligam as estrelas ao firmamento, a simplicidade, a idiotice e o desprezo. Sentem os filamentos do trigo, a timidez rápida e aflita das aves, o gotejo da seiva das árvores. Observam a exaltação, o assombro da beleza, a suavidade iluminada dos órgãos sexuais, o ócio, a vibração dos orgasmos, a metafísica dos livros e os limites do amor quotidiano. Perdemo-nos na interpretação da vida e do mundo porque acreditamos demasiado no valor das palavras. As trevas estão sempre protegidas pela geada. O dia e a noite possuem os seus próprios sons. Os jovens conversam e riem alto. As estações têm a sua própria música. Dá o vento nas glicínias, as paisagens começam a arder por dentro, os animais entram nos espaços uns dos outros. E gemem. A ironia torna-se lenta. A paciência devasta os símbolos. As nossas experiências resultaram na voracidade dos fragmentos. Recusámos deliberadamente as conceções habituais. A memória obriga-nos a organizar as aparências de outra forma. Tudo fica implícito no tempo: os desejos, as metáforas interditas, as imagens mais frágeis, a representação da eternidade, a religião dos grandes livros, os desenhos mais banais, as maldições mais frequentes. A alegria transforma-se em assombro. O teu retrato fica mais conciso. As flores dão passagem à nossa ausência. Escolhemos a parte mais fria do dia para nos amarmos. Os gestos tropeçam no desejo. Se morrermos neste instante ressuscitaremos inclinados um sobre o outro. O tempo apoia-se no seu próprio movimento.

04
Jul16

330 - Pérolas e diamantes: epístola aos néscios ou o princípio da pena

João Madureira

 

 

 

Dá pena observar os templos e as praças religiosas transformados em armazéns de venda de fancaria e pechisbeque. Tudo isso supostamente abençoado por Deus. Está visto que os vendilhões do templo nunca o abandonaram. Limitaram-se a esconder-se por detrás de algum altar.

 

Na Bíblia diz-se que os fariseus afirmavam existir um grande perigo em substituir um Deus no coração pelo coração de Deus. Os vendilhões invocam agora o Espírito Santo para apregoarem a sua mercadoria. Uns pensam que basta trazer ao peito um santinho para ganharem o céu. Outros consideram que o alcançam confessando-se, para depois irem tomar a hóstia com os olhos fechados e o coração momentaneamente apertadinho. Mas nada nesses atos tem algo a ver com o amor. É apenas rotina. Pensam salvar-se pela rotina.

 

Não vejo no olhar dos fariseus a doçura dos santinhos que marcavam as páginas do meu catecismo.

 

Os fariseus aparecem agora como os salvadores do mundo, mas são gente perigosa porque se especializaram em abstrações.

 

Estamos a embrutecer, meu Deus, estamos a embrutecer sem nos darmos conta. A impaciência cresce dentro de nós. Os amigos esfumam-se ou disfarçam-se. Por isso é que cada um de nós necessita de um inimigo em quem confiar.

 

A voz dos fariseus redime-os. Possuem uma voz funda e conveniente, regulada, uma voz treinada para mentir com elegância e convicção, exercitada para conquistar os adversários pela ilusória limpidez dos propósitos.

 

Os militantes da política cada vez se parecem mais com os religiosos sem Deus. Andam sempre a escolher o caminho às apalpadelas, sem revelar vontade própria, sem um princípio orientador. Sem um desígnio nobre.

 

Estão sempre a falar das razões pelas quais o seu partido tem razão antes mesmo de nos apercebermos de que a não tem.

 

Há demasiadas imagens deles a circular por aí, mas que funcionam ao contrário, em vez de os fortalecer, enfraquece-os. Pensam que melhoram como pessoas se se deixarem assessorar.

 

Sorrio. Só nos resta sorrir. Um bom sorriso é a melhor arma em qualquer lugar.

 

Depois olhamos para o que se passa no mundo e pensamos como é revoltante a atitude da maioria das pessoas que vivem na Europa e dizem sentir-se frustradas por não desfrutarem ainda do último modelo de telemóvel, por não vestirem a roupa de marca que está na moda ou de o seu carro não estar tão artilhado como o do vizinho.

 

Por mais que me esforce não consigo distinguir entre a violência “legítima” praticada pelos denominados governos legais e a violência “ilegítima” exercida pelos grupos insurretos. Todas as bombas mutilam e matam da mesma maneira. Não acredito na violência como argumento, nem na paz imposta pelas armas.

 

Não creio na razão da força. Acredito na força da razão.

 

Só após dedicar longas horas à leitura de textos das três religiões monoteístas é que me dei conta que possuem muitas coisas em comum. Apesar disso, judeus, muçulmanos e cristãos andam há mais de quinze séculos a matarem-se uns aos outros. Mesmo o Alcorão, que muitos apelidam de violento, afirma-se um livro da revelação que começou com Abraão e integra nos textos fragmentos, personagens e episódios da Bíblia e do Talmude.

 

Num dos seus contos iniciáticos, o Mullah Nasruddin narra que um dia apareceu no mercado um homem generoso que – vendo-o ridicularizado por, de cada vez que alguém lhe oferecia uma esmola, mostrando-lhe sempre duas moedas, uma dez vezes mais valiosa do que a outra, e pedindo-lhe que escolhesse a que preferia, Nasruddin escolhia invariavelmente a de menor valor –, lhe disse: “De cada vez que te ofereçam duas moedas, escolhe a de maior valor. Assim terás mais dinheiro e os outros não te vão considerar idiota.” Então o sábio Mullah respondeu: “O senhor parece ter razão. Mas se eu escolho a moeda maior, as pessoas vão deixar de me dar dinheiro para provarem que sou mais idiota do que eles. Não imagina a quantidade de dinheiro que já ganhei usando este truque. Não há mal em fazer-se passar por tonto se na realidade se está a ser inteligente.”

 

Um antigo provérbio árabe diz: “Tenta alcançar a Lua com uma pedra… Nunca conseguirás, mas acabarás por manejar a funda melhor do que ninguém.”

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