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Entardece devagar, devagarinho. Como quem se refresca em pleno verão com uma brisa vinda do Brunheiro, leio no jornal que o João Teixeira, o João Freitas e o João Alves, os três alunos do Agrupamento de Escolas António Granjo, tiraram vinte valores no exame nacional de matemática.
O segredo reside, segundo estes jovens, no muito trabalho que fazem ao longo do ano, no esforço e na dedicação. No entanto, continuaram a fazer o que faziam nos seus tempos livres.
Como se isto não fosse proeza bastante, leio noutra edição d’A Voz de Chaves que a Bruna, a Célia e a Laura, também alunas do Agrupamento de Escolas António Granjo, conseguiram a mesma proeza: alcançaram nota 20 no exame nacional de matemática.
Por vezes as coisas fazem sentido. Os mitos também se abatem e os preconceitos também se desfazem.
O sol esconde-se por detrás dos pinheiros e dos carvalhos. As sombras nos bosques estendem-se pelos caminhos. Por fim param e desaparecem. Os raios de luz penetram no arvoredo e são filtrados através da folhagem, inundando os troncos com uma luz morna. Por cima de nós ergue-se o céu azul já pálido do crepúsculo. Algumas aves voam alto. O vento parou por completo.
Beberrico o meu gim tónico Nordés (versão leve) com água tónica Nordic, muito gelo, bagas de zimbro, casca de lima e um pedaço de folha de louro.
Tudo isto é bonito. Eu continuo entregue aos meus devaneios, ora amargos e por vezes doces (daí eu apreciar gim), próprios, segundo os escritores românticos, dos espíritos solitários.
Por vezes gosto de sonhar com a vida no campo. Lembro-me bem de um tio meu que parecia saído de um romance de Ivan Turguéniev, pois possuía um olhar doce, tinha os lábios enrugados, amava a natureza, especialmente de verão, pois era muito friorento, e era homem para expressar-se com toda a vulgaridade do mundo, dizendo coisas como esta: “Adoro ver cada abelhinha a transportar no seu corpinho, de flor em flor, o seu grãozinho de pólen…”
Conhecia quase todas as frases bempostas com que se socializava na época. Por isso acompanhava, com alguma perseverança, a evolução da literatura. Quase toda de cordel, por certo.
Gostava, no entanto, de se mostrar um leitor prático. Ouvi-lhe muitas vezes dizer que não se consegue alimentar um pintassilgo com cançonetas.
Também eu, qual Vassíli Ivánovitch, me vejo a trabalhar no meu jardinzinho, com árvores plantadas por mim, com frutos e bagas e flores e ervas medicinais.
Não me hei de despedir por hoje sem vos citar o velho médico militar russo reformado que, virando-se para os senhores jovens, lhes dá conta das suas cogitações.
“Como sabeis, deixei a prática, mas duas vezes por semana tenho que recordar os velhos tempos. Vêm-me consultar e eu não os posso pôr na rua. Acontece que os pobres me vêm pedir ajuda. E por aqui não há médicos. Há um vizinho, um major reformado, imagina, que também dá consultas. Eu pergunto: estudou medicina? Respondem-me: não estudou, não, ele é mais por filantropia… Ah-ah, por filantropia! Hem? Vejam só. Ah-ah! Ah-ah!”
Para homenagear quem devo, aqui fica a expressão latina suum cuique, que em português de lei podemos traduzir por a cada um o seu. E voilà tout.
O erotismo pode ser como uma lâmina. As novas interpretações da vida levam-nos em sentido contrário ao desejo do contacto. As manchas do tempo anunciam maldade. Planeamos os dias seguintes como quem arranja um relógio. Baseamo-nos em sistemas mentais semelhantes. O sucesso baseia-se numa meticulosa invenção do futuro. Homens demasiado curiosos perturbam tudo aquilo que é explícito. Reproduzem com evidente magnanimidade tudo aquilo que não existe. São maus desenhadores do presente. Todos os pressentimentos estão dentro dos indivíduos. A inveja mantém-se intacta. Vinda do lado invisível da realidade, a proficiência domestica o prazer. Distinguem-se mal os rostos, mas, no entanto, apreendemos a beleza dos gestos rápidos. Desaconselham-nos a ironia, pois vivemos tempos urgentes. A matemática ensina-nos a reconstruir as ruínas. Fugimos do medo em repetidas circunferências. Combatemos o tempo e tropeçamos uns nos outros. Este é o sentido da vida. O mundo não seria mundo se não respeitássemos o sentido obrigatório da existência. Por isso continuamos a habitar este nosso armazém metafísico. Todos pensamos em vingança depois da fuga, logo após recuperarmos a respiração. Desgastamo-nos com a excitação, pensando pertencer ao tempo gasto na luta física. O hábito da posse é sedutor. Os homens e as mulheres sonham em alcançar um sítio onde serão felizes até à redundância. Melhor seria anular esse campo da sua imaginação. Adicionar coisas iguais é como subtraí-las. O pudor das nossas memórias encheu-nos a infância do mais belo erotismo das primas. Quanto mais prima mais se lhe arrima. A realidade encheu as cidades de obras intermináveis e de melhoramentos constantes. Por isso protelamos a explícita satisfação do desejo. Pomo-nos a imaginar a geometria dos corpos, a filosofia dos entusiasmos, a ironia dos bordéis, a lentidão dos prédios antigos, a ânsia das campainhas, a malícia dos gestos do dedo indicador, as ligações elétricas da virgindade, os determinantes das frases pornográficas proferidas na intimidade e o mecanismo da divindade. Os homens ficam sempre mais angustiados quando abandonam a ironia. Apercebem-se então que são distintos uns dos outros, que são inimigos. Por isso inventaram a compaixão e aprenderam que o tempo não é destino nenhum. A natureza nunca adia a sua chegada. É tão certa como a luz que a acompanha. A sua imagem ocupa perpetuamente o lado correto do nosso olhar. O infinito é sempre mais além. Por vezes começa dentro de uma casa, como a biografia de uma mentira, como uma tragédia falsa. O infinito engole tudo: os objetos pessoais, as fotografias, as paredes das casas, a decoração do seu interior, a sintaxe dos móveis, as primeiras masturbações, tudo aquilo que é contemporâneo, toda a cultura e os seus problemas fundamentais, todas as zonas industrializadas, toda a excelência daquilo que é humano e a diferença principal entre os homens e as divindades. Nas mãos do infinito, a humanidade é como um livro de receitas culinárias, veste-se a seus olhos com a mesma inutilidade completa. A grande questão filosófica está em saber se devemos abrir a boca antes de a fechar ou fechá-la antes de a abrir. A organização do universo a isso nos obriga. A nossa infância ou termina numa floresta escura ou numa rua que se bifurca. Sabemos agora que os deuses atuam como se não existissem.
Eu costumo dizer que os lugares-comuns ganham o estatuto de lugares-comuns por serem tão evidentemente verdadeiros.
A Geringonça cada vez se parece mais com uma rosa mecânica feita e comemorada por céticos, cínicos, celebrados, celerados e alguns alucinados. Por vezes desorganiza-se mas volta a reorganizar-se segundo outros moldes.
Atualmente assemelha-se a um carro de bois onde as rodas rangem porque lhe falta o sebo e começa a estalar como um móvel construído com madeira húmida.
Todos começamos a sentir que sem dinheiro as coisas não avançam e quase todo o dinheiro disponível já se gastou. Quando não se é suficientemente prático, o mais normal é enganarem-nos.
Por vezes também nos enganamos a nós próprios.
É muito difícil haver liberdade de escolha se não se aprendeu a escolher.
Os portugueses assemelham-se a tentilhões que não se cansam de piar, enclausurados em gaiolas presas ao teto por longos cordões que baloiçam e estremecem continuamente com os seus saltos.
Temos de ser sóbrios depois da bebedeira experimentada durante os anos repletos de subsídios comunitários. A sobriedade tem de nos centrar de novo num discurso político justo e verbalmente honesto, sem nos preocuparmos em demasia com a maneira como a Europa nos ouve ou como vai reagir perante o que se lhe está a dizer. E isso é bem mais difícil de fazer do que parece à primeira vista.
Convém no entanto saber que atribuições ocasionais como, por exemplo, a ironia, resultam na morte da linguagem do compromisso. E a parvoíce também costuma não render grandes benefícios.
Dizem os filósofos que gostam do desporto que a vida é como o ténis, os que servem melhor normalmente ganham.
Dizem os céticos que a verdade é aquilo que nos torna livres, depois de ter acabado connosco.
A realidade costuma ser incómoda e motivadora de desconforto. É como se existisse uma regra que afirma que as coisas reais só podem ser referidas se todas as pessoas se puserem a piscar os olhos e a sorrir sem estarem felizes.
Os ratos também se costumam enfiar nas searas de trigo para fugirem à perseguição de que costumam ser alvo.
Sente-se que os distintos executivos nacionais, mais do que nos governarem, entretêm-nos.
Não há melhor música para a infelicidade do que o fado e não existe melhor melodia para o engano do que os hinos partidários.
A política em Portugal, por muito que nos custe, faz-se em passeios de iate, em encontros realizados às escondidas, onde se abatem bancos, empresas e postos de trabalho. E onde se financiam as campanhas dos que têm de ganhar.
Os políticos são animais anfíbios.
Eles sabem que o ontem já se foi e que o amanhã tem que tardar a chegar.
Em cada início de ciclo governativo, os primeiros-ministros procedem como os imperadores incas que matavam os cronistas do seu predecessor, para dessa maneira cada novo imperador escrever a história segundo as suas conveniências.
No topo das estruturas partidárias já quase só encontramos gente sem escrúpulos. São aqueles que tiveram de trepar para subir e se revelam estranhamente maus quando se veem lá no cimo.
São os mesmos que vemos dirigirem-se para as entradas envidraçadas das instituições que tutelam, com um vago sentimento de culpa e uma certa perplexidade que os assalta, ignorando um antigo amigo ou colega mal vestido, ou com aspeto de necessitado, ou doente, ou infeliz. Ou…
A todos eles devemos lembrar que as portas do poder são giratórias.
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