No Barroso
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O campo impõe-me o redemoinho infinito do desassossego. Todo o fim contém a sua porta de entrada. Também o Éden possui o seu portão secreto. As fontes do futuro alimentam o tempo enquanto os galos anunciam a alba. Os ventos mais capazes acariciam as flores. Continuamos a sentir o apocalipse das emoções. Tentamos medir a paixão, o deslumbramento das estimativas, o difícil fascínio da devastação. Todos os deuses são desconhecidos, todas as palavras respiram, todas as palavras amam e as mais certeiras podem mesmo chegar a matar. Os céticos contentam-se com radiografar os sentimentos e babá-los com promessas. A terra move-se desde antes de Galileu. Interpõe-se agora a noite com o seu silêncio frio, com a sua verdade espiralada, com a sua quinta dimensão. O esplendor cresce no meio das nossas mãos dadas. Desenhamos os gestos e as metáforas como outrora o fazíamos: a gratidão como um caminho retilíneo, a claridade como um manto resplandecente, os anjos como círculos quebrados, as máscaras como cenários vazios. Os elogios não podem ser lamentos, os beijos não devem ser adjetivados, nem o amor pode ser uma antologia da brevidade. Todos os dramas possuem a mesma raiz, a mesma memória silenciosa, a mesma forma de esquecimento. Deus desenhou sempre o mesmo ponto de fuga para a perspetiva celeste do coito interrompido. E soube concretizar o seu sacrifício, impor a sua insatisfação, dominar a frustração e evocar a traição da ejaculação precoce. O seu frio cósmico esgotou a beleza do erotismo. Vim-me com a sedução perene, vou-me com o desejo intacto. Continuo a beber declarações de amor, a escolher os beijos, a encolher as ereções, a sonhar com as divindades femininas, com as fitas multicolores das festas, com a elevação das palavras ocultas, com os mais insólitos coitos, com as penetrações mais absolutas. Por vezes sou atravessado pelo princípio da destruição. Multiplico as epifanias como se fosse um pastorinho de Fátima. Devolvo os beijos e os júbilos e os pecados e as absolvições. Levantam-se do chão as mensagens mais densas como se fossem aves de arribação. A sedução é como um sismo. Eu, por precaução, deixo-me ficar quieto. São tantas as palavras que, para não me afogar, me abraço ao teu corpo como se ele fosse uma boia. Desfaz-se a luz enquanto me envolvo nos teus braços. As estrelas insatisfeitas são as que mais me atraem. Saem mariposas dos teus olhos acesos. Eu tento organizar o caos. A luz ideal para cruzarmos os nossos corpos é a do crepúsculo. Seduz-me a linha semântica do teu sexo, a sintaxe dos teus beijos mais profundos, o tempo possessivo dos teus orgasmos. A realidade é outra escala de grandeza. Estendo as mãos num ritual de purificação, o tempo aparece do outro lado do espelho. Apesar de tudo, continuamos a acreditar no batismo das pombas, na virtude dos anjos, no futuro das amizades, no cúmulo da sedução, na cumplicidade dos cometas, na adjetivação da importância, no oceano das incertezas, nas pontes que ligam as margens da transcendência, nos coros dos anjos, na lamentação da violência, nas danças subversivas, nos cânones da alegria, na expansão das utopias, no advento das manhãs que cantam, nos dias que choram por dentro, e nas épicas posições dos dançarinos de tango. Jesus, como é bonito o Coliseu de Roma.
Eu sou daqueles que consideram que tem de existir o primado do fator moral sobre o aspeto material.
Podem denominar este meu convencimento como romântico e excêntrico, mas eu penso que na política, tal como em qualquer outro domínio da atividade humana, o caráter, os valores e as convicções são pelo menos tão importantes como os outros fatores descritos, em termos gerais, como “económicos”.
Mesmo as melhores leis, e até a legislação mais progressista, não valem sequer a tinta com que são impressas se as qualidades morais dos homens que têm de as aplicar forem duvidosas.
A inteligência e a mera perfeição técnica dos métodos de pensar e analisar não são os únicos – nem sequer os mais elevados – valores universais.
Brincar com a inteligência, sem convicções profundas, sem crença e sem autodisciplina, pode levar a que a nossa civilização esteja condenada provavelmente ao declínio e até ao desaparecimento.
Muitos dos nossos “brilhantes” universitários que enxameiam o espaço político são tolos sofisticados que se limitam a serem ensinados. Revelam-se céticos em relação às opiniões e ingénuos quanto aos factos que se limitam a engolir de forma acrítica, quando devia ser precisamente o contrário. Daí o primado da tecnocracia e do “economês”.
Há gente que para dizer alguma coisa espera até poder dizer tudo, acabando por não dizer nada.
As pessoas influentes ensinam pelo exemplo e não pelo dogma, porque representam os valores, em vez de os demonstrarem.
A distinção entre velhaco e herói continua a fazer-se menos pela sua ação do que pela sua motivação e isso, quer queiramos, quer não, contribui para a erosão das nossas restrições morais.
É necessário reforçar o consenso moral, sem o qual a função humana perde todo o sentido.
A sinceridade no debate público continua a poder ser medida em “decibéis”. E a verdade está a preço de saldo.
Ensaia-se a quadratura do círculo, tentando cada um representar tantos pontos de vista diferentes quanto possível. O que leva ao grau zero da diferença. E sem diferença, não existe verdade e muito menos democracia autêntica.
Cada um tenta imitar a aparência rococó, complexa, esculpida a golpes de computador, mas superficial, como pedras semipreciosas elaboradamente cortadas.
Os seus discursos são como balões cheios de hélio, feitos para subir e perderem-se no éter, pois colocam sempre pouco em jogo.
Aprenderam com a lei de Sayre: "Em qualquer disputa, a intensidade do sentimento é inversamente proporcional ao valor das questões em jogo".
A mim parecem-me o teatro kabuki. Ou então atores de teatro amador, nunca conseguindo livrar-se do característico papel de vilão shakespeariano.
Falam, e insistem, na necessidade da escolha, mas, para nossa desilusão, não apresentam nada para escolhermos. Nem propostas, nem carisma, e muito menos ideias. Escondem-se atrás do seu putativo charme exposto em cartazes (a)berrantes, que mais não são do que a extensão do seu ego.
Quando as minhas informações mudam, altero as minhas conclusões.
O segredo da independência está em agir independentemente. Uma pessoa pode nem sequer ter como objetivo o êxito. O melhor é seguir a lei da vida e não partir do princípio de que as coisas se saiam bem.
Só quem não faz cálculos é que possui a liberdade que os distingue das pessoas mesquinhas e os torna imunes às vigarices.
Não podemos exigir a perfeição antes da ação. Não podemos querer ser todos iguais.
As pessoas já conseguem distinguir atividade de ação. E preferem sempre a segunda.
A forma do futuro não é automática. O futuro é constituído pela visão, a ousadia e a coragem do presente.
O que o compromete é colocar as conveniências acima dos princípios.
Cai-me nos olhos a sossegada e monótona paciência da água. O horizonte fica redondo, expondo cintilantes círculos e deixa-se abraçar. O percurso da paixão é longo e construído sobre os escombros sólidos das construções mais antigas. As nossas metamorfoses são incessantes. Respiramos os nomes e suspiramos beijos. Os odores mais profundos possuem a insolência do pólen e a identidade do mar. O tempo desmorona-se e renova-se a cada instante e irrompe pelo meio das grandes massas do universo. A frescura dos segredos fica mais violenta e transforma-se em fonte plácida. O planeta azul fica mais melancólico, expondo a materna abundância dos desejos. Os corpos retemperam-se, as fábulas regeneram-se, a terra fica mais pesada, as portas do desejo mais espessas. A nudez reconhece a seda e a seda reconhece as curvas do teu corpo. A ternura recupera da sua embriaguez, desperta do seu sono. Continuo a procurar o segredo da lentidão materna, a sua equivalência volúvel, o ritmo indecifrável da leveza dos sopros, a melodia vaga do adeus, a frescura imensa do azul. O fogo nasce no meio das pernas, encostado ao púbis, surge como uma pancada leve, nomeando lábios e ereções e silêncios densos que são como sombras. Oiço a terra, o vislumbre ténue das tuas pálpebras, o frémito redondo dos orgasmos, o gérmen da luz, o esplendor repousante dos subterrâneos, o desejo das mariposas, o mistério puro da transparência, a magia oceanográfica de todos os nomes, a nudez clara e enigmática do teu corpo, todas as evidências, todos os deltas do desejo, a obstinação doce e insaciável do prazer, a expansão das partituras de Bach, os prismas ramificados das caudas dos pavões, as evidencias mais perdulárias, a multiforme dança do desejo, o êxtase dinâmico da sedução, as penetrações mais minuciosas. A verdade expande-se, divide-se e ramifica-se. Os amantes projectam o seu mundo, o deslumbramento da sua energia e das suas evidências. O desejo dança. O desejo deseja-se. O desejo consome, dilata-se e esgota-se. As diferenças assemelham-se, as distâncias libertam-se, os volumes incendeiam-se. A cabeça do universo acende-se. Procuramos lucidez no sono e nos sonhos. As pálpebras acendem-se como linhas lúcidas. Um silêncio voluptuoso toma conta dos montes. As surpresas são mais lúcidas, as palavras mais vagas e o amor mais ténue. As nuvens surpreendem-nos com a sua vaga monotonia. Aprendemos a voluptuosidade com a lentidão do mar. Adormecemos envoltos na lucidez dos amantes. É vagarosa a luz. Os corpos cintilam. A matéria encontrou o seu ritmo e a sua integridade. A germinação do futuro é irrevogável. Os enigmas precisam de mediação. As texturas do tempo ficam mais secretas. Comovemo-nos com a fragilidade essencial dos seres humanos. O sossego convida a nova fuga. A noite fica negra como se fosse um diamante raro. A virgindade continua a ser o supremo elemento de defesa. A brisa fica mais flexível, as falésias mais abismadas e o rio mais tranquilo. Todas as paisagens são divididas segundo o princípio de individuação do ser e construídas tendo em conta a sua integridade solar. O crepúsculo já começou a construir novas torres de luz e sombra plenas de tranquilidade. Regressou o momento de meditar.
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