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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

TerçOLHO

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30
Out17

365 - Pérolas e diamantes: A estupidez (parte 2)

João Madureira

 

 

Porventura, a forma mais vulgar de estupidez é o preconceito racial.  E é uma estupidez mundial.

 

Em Social Psychology of Internacional Condut (1929), G.M. Stratton defende que “o preconceito constitui uma das características da natureza humana”. E chega a duas conclusões interessantes: “Embora seja universal, o preconceito racista nunca, ou raramente, é inato. Não nasce connosco. As crianças de raça branca, por exemplo, não manifestam qualquer preconceito quanto às crianças ou amas de cor até à altura em que as famílias lho incutem.”

 

Nos célebres versos de South Pacific, Oscar Hammerstein repete no estribilho: “Para odiar tem de se ser ensinado.”

 

M. Sratton conclui que “o preconceito rácico adquirido nada tem de racial. Entre ele e as características raciais não existe qualquer relação, nem tão pouco com o sentimento de estranheza: ele é apenas, e por toda a parte, uma reação ante a ideia de uma ameaça coletiva… O que habitualmente se designa por preconceito “racial” não passa, de facto, de mera resposta coletiva a ameaças de perdas ou perdas reais; resposta que não é inata, mas, sim, alimentada pela tradição e por impressões recentes de prejuízos sofridos há pouco”.

 

De facto, toda a estupidez é medo. O ser humano sensato ou inteligente tem possibilidade de sublimar e vencer os seus preconceitos. O estúpido tornar-se-á inevitavelmente seu escravo.

 

No entanto, o preconceito é apenas uma causa de um mal maior: a intolerância, que é a força impulsionadora. O preconceito é passivo, enquanto a intolerância é ativa.

 

Não foi o preconceito que fez com que as Igrejas Cristãs, alegando heresia, tivessem queimado os fiéis umas às outras. Foi a intolerância.

 

No entanto, estas duas formas de estupidez caminham, quase sempre, a par. E chegam mesmo a confundir-se.

 

O individuo preconceituoso é até capaz de não permitir que o seu filho frequente uma escola aberta a crianças de todas as raças e religiões, mas apenas o intolerante fará tudo para suprimir esses estabelecimentos de ensino.

 

Mas nada disto teria muita importância se o homem estúpido só a si próprio se prejudicasse. Por muito que nos custe, a estupidez é a arma mais mortífera do Homem, é a epidemia mais assoladora e o seu luxo mais oneroso. O preço da estupidez é incalculável.

 

As várias formas de estupidez já custaram à humanidade mais do que qualquer guerra, epidemia ou revolução.

 

Uma das formas mais dispendiosas da estupidez é, muito provavelmente, a burocracia. Se poupássemos uma décima parte da quantidade de papel utilizado em formulários, relatórios, regulamentos e atas, e com essas economias adquiríssemos livros e compêndios escolares, a esta altura já não existiriam analfabetos no mundo.

 

Paul Tabori, no seu livro História Natural da Estupidez, conta que entre as duas últimas guerras mundiais estava na moda um insulto em forma de interrogação. Costumava perguntar-se: “Olha lá, a estupidez incomoda-te?”

 

Parece que, infelizmente, não incomoda lá grande coisa. Mas se se tratasse de uma dor de dentes, há muito que se teria tentado remediá-la.

 

Mesmo parecendo que não, a estupidez, de facto, dói muito. Mas é raro que incomode o estúpido.

 

Esta é a tragédia do mundo em que vivemos.

 

O livro, que recomendo vivamente, trata da estupidez, da baboseira, da vacuidade, da presunção, da idiotice, da cobardia, da estultícia, da imbecilidade e da estolidez. Ocupa-se também dos otários, dos alarves, dos asnos, dos mentecaptos, dos ressabiados, dos insensatos e dos calinos. Apresenta ainda uma galeria de broncos, brutos, simplórios e monos. Analisa e observa atos de irracionais, insensatos, enxebres e apoucados.

 

A estupidez, pela virtude da sua especial natureza, sempre foi alvo de sátira e denúncia. Mas foi por causa dessa sua peculiar caraterística que “sobreviveu a milhões de ataques, mesmo aos mais rudes, sem nada sofrer; e, no fim, continua a resistir, triunfante e gloriosa”.

26
Out17

Poema Infinito (377): Símbolos e sonhos

João Madureira

 

 

Atravesso a larga janela emoldurada pelo sul. O céu azul responde-me com serenidade. A paisagem está repleta de ânsia. Regresso à terra possuído pelo encanto do amanhecer. As raízes continuam quentes e profanas. Permanece a pureza dos campos, o movimento escrito nos caminhos, as folhas, o granito, os versos e a solidão. A beleza vive rodeada de solidão. O silêncio tem o sabor salgado das lágrimas. Ninguém modificou a vontade. Os textos são como ninhos de saudade. Os quintais parecem livros desarrumados. A fogueira arde como se fosse eterna. A excitação cria os sentidos, os olhos comovidos, o mistério da descoberta, o gesto natural das sementeiras, os símbolos que são como frutos. A lei continua na arca junto ao centeio. O vento passa carregado de sonhos. O tempo ilumina tudo aquilo que dizemos. Deusas despidas ajoelham-se junto à fonte e depois diluem-se repletas de desejo. Eva não virá neste inverno. Sobrarão as maçãs. Deitamo-nos num colchão de folhas. As tardes duram pouco, sente-se o desalento, os momentos mais cansados. A solidão parece uma flor aberta. Os sonhos repousam nas mãos abertas. Dormem os deuses no crepúsculo, sem esplendor, frios como fogueiras extintas. As divindades tentam aparentar humanidade. A ternura é agora uma palavra cansada. Cristo ressuscita no meio de versos, coberto com uma túnica de linho, dividindo os apóstolos e os soldados, confundindo as mulheres, vestindo as crianças de luz, colocando estrelas na testa das mães, fazendo sorrir as memórias, espantando o medo, combatendo a monotonia do arco-íris, pintando de verde o vinho, a dor e o mar. Os versos azuis confundem-se com a espuma dos oceanos, as ondas ameaçam fúria, o chão fica mais incerto, os gritos mais abertos e as vogais mais redondas. Alguns pássaros dobram as asas e caem sem um único protesto. Os caminhos enchem-se de flores e os pés desenham neles os seus passos. A incerteza está na direção a tomar. A coragem verdadeira por vezes consegue chegar a horas. Os pregadores falam das quimeras do tempo que já passou, da fé que continua a murchar, do amor que morre abandonado, das igrejas desamparadas, dos corpos impotentes, do enamoramento dos jardins, da serenidade da espera, do renascimento, do futuro, da virgindade austera, da fidelidade, das expressões de pureza e dos caminhos demorados da tristeza. Diz que Deus é capaz de comer montanhas, de beber o próprio mar, de redimir a primavera, de se embebedar por telepatia, de libertar o mundo das certezas. Junto à ribeira cresce de novo a ternura, o vento peneira o lirismo, o fauno treme de frio. Cheira a seiva, a floração e a cio. As sementes rebentam como se fossem eternas. A virilidade divina é um mito. Um silêncio grave rasga a paisagem. O chão onde nasci já não magoa os meus pés. Sou uma criatura frágil. A ponte da Clérga continua inquieta. O soalho da casa continua impreciso. A sala estiola de fantasia. A aldeia parece um museu a céu aberto cheia de caos e de correntes de ar. Abro a porta para arejar a dor. Ninguém canta. Alguém emparedou as melodias. O destino voltou a enganar-se. O camponês já não canta nem semeia a terra. Espalhada pelo tempo, a angústia ficou ainda mais secreta. As casas parecem chagas. O ruído vem de muito longe. As palavras perderam a claridade. Morre-se devagar. O tempo é como um punhal de aço. Tento encontrar os sonhos perdidos. Ficam as sombras. As andorinhas vêm chocar mais imagens. Os milagres não têm cor.

23
Out17

364 - Pérolas e diamantes: A estupidez

João Madureira

 

 

Há muito tempo que eu desconfiava de uma coisa que me parecia axiomática: a estupidez é natural. Mas agora tirei isso a limpo, depois de ler o brilhante livro de Paul Tabori (A História Natural da Estupidez).

 

Segundo o autor, a estupidez é muito provavelmente até necessária, não só para ocupar os escritores satíricos, mas também para oferecer distrações a dois grupos minoritários: os realmente sensatos e os suficientemente sensatos para se aperceberem de que são estúpidos.

 

Como todos sabemos, a estupidez é como o fumo do tabaco. Não só é prejudicial para os que a sofrem mas também para os que por ela são rodeados.

 

O autor adverte-nos de que não conseguiu escrever uma história completa da estupidez, o que ainda mais nos impressiona, pois o assunto é vastíssimo.

 

É muito desagradável de admitir que se possa escrever mais sobre a estupidez humana do que sobre o seu bom senso.

 

A abrangência da obra é notável. Cita casos incríveis de estupidez, desde a ganância do ser humano pelo ouro ao amor pelos títulos e pelas cerimónias, passando pela prisão nas teias da burocracia, pela subtileza da lei e pela gíria legal, descrevendo a crença em mitos e a descrença nos factos, bem assim como o fanatismo religioso, as idiossincrasias e idiotices sexuais e a tragicomédia dos que buscam incessantemente a mocidade eterna. 

 

Conta casos como o de um membro da Academia das Ciências de França que teimava e insistia na ideia de que o fonógrafo de Edison não passava de um truque barato de ventriloquismo e da técnica de Hermipo que prolongava a vida pela inalação do hálito de virgens.

 

A estupidez, diz Paulo Tabori amarguradamente, é a arma mais mortífera do Homem, a praga mais devastadora e o luxo mais caro. Como dizia Schiller, até os deuses lutam em vão contra ela.

 

Há homens estúpidos que possuem muitos conhecimentos, como também existem homens sensatos cujos conhecimentos são muito limitados.

 

Na realidade, o conhecimento difuso e exuberante encobre, a maioria das vezes, a estupidez. Por outro lado, o bom senso muitas vezes manifesta-se em gente pouco culta.

 

De facto, em todos os seus atos, o ser humano ambiciona sempre ser superior ao seu semelhante, quer seja a jogar a feijões ou na busca dos milhões. O que receia é que as suas intenções se tornem muito evidentes. Por isso tenta escondê-las, receando que o fingimento não resulte, temendo sobretudo o malogro das suas ambições. Por isso também se coíbe de agir (estupidez passiva) ou então atua inutilmente (estupidez ativa).

 

Segundo Feldmann, a estupidez é sobretudo medo, medo de nos expormos às críticas, quer do outro quer de nós próprios.

 

A estupidez adquire várias formas e manifestações distintas. Há pessoas que só a demonstram no recato do lar ou em ambientes restritos. Outros sentem orgulho em a expor publicamente. Outros só se tornam estúpidos quando são forçados a falar ou a escrever qualquer coisa de seu.

 

A estupidez pode ser limitada ou irrestrita.

 

Charles Richet defende que “o homem estúpido não é o que não compreende determinada coisa, mas sim aquele que, compreendendo-a suficientemente, atua como se não a tivesse compreendido”.

 

O preconceito é, definitivamente, uma das formas mais notáveis de estupidez.

 

Ranyard West resume a ideia perfeitamente no seu livro A Psicologia e a Ordem Universal.

 

“O preconceito humano é universal. Depende de uma necessidade humana: o respeito do individuo por si próprio. Existem vários processos de o cérebro humano conseguir ignorar os factos, mas nenhum que lhe permita pôr de parte o desejo de autolatria. Nós, homens e mulheres, procuramos sempre ter boa opinião de nos próprios. Para atingir tal fim, precisamos de mascarar, aos nossos olhos, a verdade, servindo-nos dos expedientes mais diversos. Negamos, esquecemos, perdemo-nos a explicar as próprias faltas e exageramos as dos outros.”

 

O preconceito é estupidez. Os franceses não são libertinos, os negros não são inferiores e os judeus não são usurários.

 

Uma coisa sei: é possível ter-se boa opinião de si próprio sem se ter má opinião acerca dos outros.

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