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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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11
Dez17

371 - Pérolas e diamantes: Os efabuladores sentimentais

João Madureira

 

 

Por vezes acordamos sobressaltados e não sabemos bem porquê. Outras vezes lembramo-nos que os sonhos são sempre idênticos, enquanto lá fora se ouve o frufrulhar das ramagens ou os passos silenciosos dos gatos ou, ainda, o ruído conhecido das ruas tranquilas.

 

Parece que as fotografias que retemos na memória sabem tudo e não explicam nada.

 

Também Cristo foi vítima de maquinações políticas e por isso sucumbiu dolorosamente vítima de um processo armadilhado. Temos de confiar nas pessoas que são serenas como a água, mesmo não sabendo o que há no fundo do rio. Ou seja, devemos evitar turvar a água.

 

Umas vezes estão os brancos no poder e as coisas correm mal, depois vêm os vermelhos e a coisa repete-se.  

 

Uma coisa sei, os animais não sabem denunciar, nem caluniar. Os humanos sim, por isso se distinguem deles. A moral é apenas uma disciplina.

 

Na semana em que Mario Draghi fez um apelo para, em nome da Europa, sugerir um aumento de salários e pensões, os patrões portugueses, pela voz de António Saraiva, queixaram-se em Bruxelas do OE português, indignando-se com a hipótese de o salário mínimo nacional passar para os incríveis 600 euros mensais.

 

Já a PGR informou o Estado-Maior do Exército de que não pode promover a tenente-general o major-general Tiago de Vasconcelos, colocado no EMGFA desde o início do ano. Tudo se deve a uma queixa, alegando, entre outros, o crime de falsificação de documentos. Ao que tudo indica, o general deverá passar à reserva.

 

Soares, o filho de Soares, deputado socialista, defendeu que o ex-líder do CDS-PP Paulo Portas foi “um excelente ministro da defesa, se não o melhor”, elogiando a solução encontrada para a OGMA e a respetiva compra de submarinos.

 

A cidade do Porto rejubilou com a deslocação da sede do Infarmed de Lisboa para o Norte. Mas nem meia dúzia de dias eram passados e logo o Governo recuou. Afinal, no Porto, parece que vão operar sobretudo os serviços administrativos e de suporte. Em Lisboa continuarão a funcionar 70% dos serviços anunciados pelo ministro da Saúde. Os laboratórios, os serviços mais especializados e cuja despesa ascende a 40 milhões de euros vão permanecer na capital. Ou seja, a deslocação é uma falácia. Eu gostava de saber como reagiriam os lisboetas se a decisão fosse ao contrário. Em matéria de regionalização, todos os partidos são iguais. Mas há uns que são mais iguais do que outros.

 

Está na hora de dividirmos o país ao meio, com fronteira no Mondego. Depois que se amanhem como puderem.

 

O único que faz que anda mas não anda, apenas sorri e ilude, é o senhor Presidente da República de Lisboa e dos Algarves. Já o apelidam de “Presidente dos Afetos”. Ele diz que sim. E sorri. Sai de Belém e vai até ao Hospital São Francisco Xavier, cumprimenta o ministro da Saúde, sorri, beija três velhinhas e volta a sorrir. Depois abraça um bombeiro e fica com cara de caso.

 

Regressa a Lisboa e passa um bocado da noite com os sem-abrigo. Sorri, beija e torna a beijar. E abraça de novo. Dizem que Deus está em todo o lado. Eu desconfio. Mas confirmo que o nosso Presidente, esse sim, é omnipresente. Gosta, sobretudo, de aparecer onde há tragédia, ou infelicidade. Os ministros e secretários de Estado apreciam chorar no seu ombro e abraçá-lo como se fosse um santo.

 

Marcelo dorme pouco. Aproveita as insónias para praticar o bem durante a noite. Ele e as televisões, já que não dá um passo sem que um ou vários repórteres o sigam para todo o lado. Marcelo Rebelo de Sousa beija tudo aquilo que mexe. E diz coisas que mais parecem uma espécie de genéricos de opinião, muito parecidos com as tretas que debitava todas as semanas na TVI e que o levaram à presidência. Dizem que era ele quem escrevia as perguntas que o jornalista depois lhe fazia, o mesmo para as cartas a que ele respondia.

 

Mas não está sozinho nesta sua peregrinação pelo meio das desgraças. Assunção Cristas, e o seu cortejo funerário, seguem-lhe as pisadas. Tenta ganhar votos contando os mortos. Quer deixar a impressão de que lhes reza pela alma.

 

Mas o que mais incomoda na senhora é dizer coisas diametralmente opostas ao que afirmava quando estava no governo. Agora é vê-la, em plano sindical, exigir o aumento das pensões e o descongelamento das carreiras da função pública.

 

Não tarda nada, ainda a vamos ver de joelhos em Fátima, de vela na mão, a cumprir a promessa do milagre de ter conseguido quase duplicar a miserável votação do PSD em Lisboa.

07
Dez17

Poema Infinito (383): Paris-Texas

João Madureira

 

 

Agradeço-te as confissões moderadas, compreendo a precaução e lembro alguns dos conselhos recebidos na infância. Atravesso a rua como se atravessasse a cidade. E atravesso a cidade como se atravessasse o mar. Olho para os dois lados de uma pessoa por precaução indispensável. Os homens têm sempre, pelo menos, dois lados. São como cubos de face dupla. Algumas pessoas partem antes de chegar a chuva. São como duas metades desencontradas. Procuram a amizade homogénea. Anotam, apontam e admiram-se. Cruzam amigavelmente a sua parecença. O egoísmo é a sua unidade. Certos festejos são assuntos tácteis, não evidenciam alegria, nem felicidade, apenas um ligeiro júbilo anexo ao corpo. Sentir os sons torna-se uma evidência. Os homens falam depressa mas não conseguem articular as frases até ao fim. Pensam que Paris é um ponto final, que a noite é redonda, que as árvores são possuídas por uma espécie de invisibilidade divina. A noite parece inteira mas está cheia de buracos. Os homens mastigam uma inimizade que muito em breve será evidente. É clara no horizonte a luz do rio, a velocidade da água, a rapidez da chuva. As crianças mais longínquas parecem distraídas mas observam a pressa da luz do sol. As catedrais exibem o seu espanto manso, a sua arquitetura religiosa e escondem a violência sepultada, envolta em mantos de desespero. Os animais mais rápidos ganham impulso e avançam. O seu olhar continua firme e torna-se ainda mais ágil. Deus passeia a sua exatidão, distribuindo o desespero pelos pontos cardeais. A acrobacia dos homens torna-se perigosa. Estão eufóricos. A vaidade é o seu júbilo. As cores dão um novo significado à beleza. Afinal de contas, estamos em Paris. As portas são mais atraentes, a necessidade é mais sedutora, o espanto mais admirável. A vaidade e o egoísmo adquirem novo significado. A perseverança dos edifícios convida a entrar. As cores sentem-se observadas e as torres mais altas salientam a irrelevância das mais baixas. Os espaços incham. Os gestos simpatizam com a síntese dos corpos. As mulheres vestem o seu estilo literário e ganham volume pessoal. Os contornos dos seus corpos iluminam os caminhos. No entanto, o dia fica mais público, mais anónimo, mais impúdico. Na natureza humana tudo tem um preço. As crianças ficam mais fragmentadas, praticam os seus exercícios ingénuos e iludem as paisagens. Virá o tempo em que os acontecimentos ficarão mais coerentes e ganharão novo sentido e outra lógica. A luz ficará mais homogénea e equilibrará os corpos e os seus atos. O tédio é propriedade universal. Nos campos crescem as ervas e as brincadeiras. A memória da infância aquece-se ao sol. A fé estende-se em cima de mapas lunares. Contas-me nova história e insistes em Paris. A personagem principal é uma pessoa forte que comenta a vida a uma pessoa fraca. A pessoa fraca concentra-se nos pormenores e adormece. Os sítios são lentos, o futuro insignificante e a natureza pacata. Os homens tentam caçar os acontecimentos como se eles fossem borboletas excitadas pelo sol e pelo voo. As paixões são enormes e os factos sentidos e desordenados. Todo o descanso é volátil. Os acenos são breves. Alguém diz que os homens se conhecem por aquilo que leem. As paixões também podem matar. E os pormenores. E o medo. E as certezas. Os homens crescem no meio de caraterísticas opostas, revelando desconforto e um novo género de inteligência inútil. Uma espécie de léxico mudo ameaça a eternidade. A imaginação encontra a sua forma fisionómica. O desejo do corpo não tem mais espaço para cálculos mentais.

04
Dez17

370 - Pérolas e diamantes: Manias

João Madureira

 

 

O inverosímil António Lobo Antunes, disse numa entrevista recente que, na escrita do último romance Até Que as Pedras Se Tornem mais Leves Que a Água, sentiu “a mão muito feliz”, a tal mão conduzida por Deus que faz com que escreva apenas obras-primas, para gáudio dos nossos críticos literários e outros bajuladores. Pegando nas palavras da sua entrevista ao DN: “Estou-me cagando para a crítica, agora só me dão cinco estrelas por todo o lado.”

 

Desta vez, como em todas as outras vezes, o António mergulhou profundamente nas suas memórias para indagar sobre o amor, a morte e a vida. Dizem que o romance é sobre a relação entre um pai e um filho, com a guerra de África em fundo. Dizem que, e provavelmente vai ser complicado de identificar, o autor pretende olhar para um momento da nossa História, onde a dor, o preconceito e a impossibilidade de comunicar são os temas em análise.

 

Convenhamos que sobre a impossibilidade de comunicar, o António Lobo Antunes é memorável.

 

Desta vez li duas entrevistas suas e fiquei com um amargo de boca que já vem de longe. António Lobo Antunes fala sempre dos mesmos temas e das mesmas obsessões. Fala repetidamente da sua precocidade relativamente às letras e à forma de as alinhar de forma exemplar.

 

Pergunta: “Em Angola tentou arduamente fazer-se escritor?” Resposta: “Não. A minha mãe ensinou-me a ler com quatro anos, e eu comecei logo a escrever.” Bonito. A humildade já lhe vem de longe.

 

Sobre a guerra diz que ela dói muito. Pudera. Depois lançou esta frase: “Ninguém desce vivo de uma cruz, não é?” Se calhar não. Temos de lhe agradecer por nos tirar desta forma todas as nossas dúvidas existenciais.

 

Confesso que fui um leitor cortês das entrevistas do romancista. Mas agora já não. São sempre iguais. Redondas e só focadas em si. São redondas, repito, e beatíficas. E a sua prosa, que me perdoem os incautos, é uma pescada de rabo na boca.

 

Para Lobo Antunes não existem bons escritores contemporâneos e é preciso recuar alguns séculos para apontar cinco. 

 

Os escritores portugueses atuais não valem um tostão furado. Salvo ele, claro está. E ele, para a salvação de nós pecadores, lê quase sempre os mesmos, os que, na sua douta opinião, escrevem bem: Fernão Lopes, Francisco Manuel de Melo, D. Duarte, Herculano e Garrett.

 

E Camilo? O romancista diz que não é seu admirador. Não gosta “daquela pieguice toda, mas gosta da dedicatória do Eusébio Macário.” Sim, leram bem, ele apenas gosta da dedicatória. Apenas da dedicatória. Tudo o resto é pieguice.

 

A determinado momento da entrevista, fica tão sensibilizado com a língua em que escreve e fala que afirma gostar muito de ser português. A seguir explica porquê. Ou melhor, elucida o que é ser português. Transcrevo, para memória futura, porque o que lá vai lá vai: “É sermos pequenos, feios, malcheirosos, com mau gosto, e quando estamos no estrangeiro e apanhamos um avião para Portugal… a gente conhece logo as pessoas, é tão bom! E temos esta língua que é maravilhosa.”

 

Sobre o seu romance afirma: “Claro que é um grande romance, fui eu que o escrevi.” E sobre a sua escrita conclui: “Há uma coisa que me alegra, ninguém escreve assim, mas não estou certo de ser eu que o faço…”

 

Lá pelo meio da entrevista, recorda Agustina Bessa Luís para cravar uma ferroada no seu arqui-inimigo de sempre e para sempre: «“Ó Saramago, você devia fumar”, “Porquê, Agustina? Fumar faz mal” perguntava-lhe ele. “Escrevia menos!” Tenho cartas dela tão giras! Um charme e um sentido de humor!»

 

Sobre a eterna possibilidade de ganhar o Nobel, Lobo Antunes faz de raposa em relação às uvas: “Nem penso nisso.” Declarou que este ano lhe ligaram da agência em Barcelona a dizer que receberam um telefonema, “que eu ia ganhar”. Só que uma hora depois voltaram a ligar-lhe a “dizer que tinha havido uma reviravolta.” Ele não pensava naquilo. Afinal já ganhou “tudo quanto havia”. Menos o Nobel. E elucida: “Ahhh, depois vieram cartas, três da Alemanha e de pessoas que eu não conhecia, com artigos que já estavam prontos para sair em jornais alemães. Isto é tudo idiota, não é? Depois ganhou aquela merda! [Kazuo Ishiguro]”

 

Sobre as críticas não liga. Diz que não liga. Se o Zé [Cardoso Pires] lhe tivesse dito “este livro não presta”, aí ele ficava à rasca.

 

Pergunta da jornalista (Isabel Lucas – ípsilon ): “Alguma vez lhe disse isso?” Resposta: “Não. O Zé estava convencido de que eu era um génio.”

 

Na minha modesta opinião, acho que não só o Zé. Espelho meu, espelho meu, há no mundo escritor mais genial do que eu?

 

Segundo João Céu e Silva, o modesto Lobo Antunes acumula livros de vários autores por toda a casa, mas no seu escritório só os seus entram. Centenas de volumes de sucessivas edições e traduções vindas de quase todo o planeta.

 

Desta vez até condescendeu em falar de futebol e do clube do seu coração. É com três isqueiros do Benfica, oferecidos por um amigo, que A.L. A. acende os muitos cigarros que fuma. Atualmente surpreende-o “esta sujeira de empresários, isto e aquilo e do dinheiro que deixou de ter valor. O Benfica nasce de uma vontade do povo”. Antigamente “havia um amor ao clube. Agora não, com estes presidentes, mediocridade e coisas que não me parecem sérias. Não sei se são ou não, mas não me parecem. Quero lá saber desses mercenários de merda”.  E de uma penada matou a águia, ou o que ainda sobra dela.

 

Não posso finalizar sem partilhar convosco um episódio da luta antifascista relatado pelo próprio: «“Fui o único que torturou um pide, feriu-se e cozi-o sem anestesia. O gajo gritava como um danado com a água destilada, que dói para burro, e dizia-lhe: “Está para aí a chorar e eu a dar-lhe anestesia.” Deu-me prazer porque estava zangado.»

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