Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

29
Mar18

Poema Infinito (398): A espera e a aproximação

João Madureira

 

 

 

Nasceu o dia para além da busca absoluta. A sua beleza é imaterial. Tudo faz parte do plano iniciado pela vontade dos deuses da criação. Emerge de nós a possibilidade da contemplação. A névoa obscurece a realidade. O círculo celeste tem a dimensão do nosso devaneio. As palavras transportam os factos, a ambição diária da transformação e instalam-se no intervalo dos sonhos. Misturam-se as vozes com o ruído do mundo. As escadas enchem-se de pessoas que não vão a lado nenhum. Descobrimos os oceanos dentro das páginas dos livros. Adormecemos, cansados, em cima dos ideais. É então o tempo de regressarmos a casa, à hesitação dos sinais do passado, à significação dos móveis, à humidade das paredes, ao musgo, às sombras que se fazem ouvir dentro das casas vazias que ainda guardam o eco das conversas antigas. Recomeçam de novo os instantes e os gestos banais. Os fantasmas, de velhos, já não mudam de lugar. Volta a sair a luz de dentro de nós. Apagam-se os instantes. A imaginação tem agora a forma de uma casa desabitada. A chuva começa a cair como a ciência do campo impõe. O ruído da tarde é monótono, cresce como a erva, como as horas e como os pássaros. O ribeiro está quase seco. Os animais parecem saídos das páginas do jornal. Instala-se nos campos a lógica de uma equação outonal. A luz rouba-nos o desejo do verão. Sinto na boca os frutos do passado, a sua ciência antiga. As árvores voltaram a abrir os seus ramos. A melancolia exibe o seu rosto melancólico. A terra recusa responder a quem lhe fala das sombras invisíveis. O seu tempo nasce das raízes, dos arados, do limite dos muros, das pedras. A primavera vai sair de dentro dos arbustos como se fosse um pássaro da tarde, voando dentro do seu destino. Também o rio endureceu a sua transparência. A nossa voz passa por entre as sílabas, tentando explicar a verdade. Só o silêncio fica, como se fosse ele próprio um princípio. Um anjo atravessa o vale como se fosse uma catástrofe natural. De foice na mão, sega o tempo. Um pastor assinala-o com o seu cajado de fogo. O rebanho, ao longe, assemelha-se a um sonho que se alimenta de vento. As casas do vale parecem barcos. As janelas parecem condensar as nuvens. As águias batem as asas sobre os convés. Nas arcas dormem os segredos que só os mortos conhecem. Detenho-me antes de abrir a porta da minha. Importo-me pouco com o passar do tempo. As fotografias sugerem espelhos invariáveis. No passado, as mesas nunca mudavam de sítio, nem os bancos. Muito menos as cadeiras. Agora a casa está só e a aldeia está gasta no meio da noite solitária. Já visitámos as datas mais antigas, o calendário repleto de sinais, as imagens da memória. Agora as nossas mãos estão mais cansadas, como se fossem sombras do fim da tarde. Tentamos encostar-nos às nuvens. Os olhos dos nossos avós fixaram a luz lenta da despedida. Sabemos agora que as árvores são tão incertas como a alma dos humanos. As suas folhas desenham-se a partir da verdura. No entanto, a sua memória é doce. As gotas da chuva caem dos ramos das árvores como se fossem palavras escritas pelo inverno. O campo espera que o tempo mude ao fim da tarde. Os pássaros parecem explicações da primavera. O seu deus leva-os para sul. Eles confundem-se quando procuram o seu céu. O vento muda de forma imprevista. Aproxima-se a noite. É tempo de esvaziar de novo os sonhos. Deus deixou de ser uma manifestação de absoluto, tornou-se agnóstico. Deixou de acreditar que a beleza pode nascer do nada.

26
Mar18

385 - Pérolas e diamantes: Os arquitetos do templo e Boadiceia

João Madureira

 

 

 

A Virgem Maria, mãe de Jesus, filho de Deus, remete-nos para o tempo em que as mulheres tiveram o poder. No tempo das cavernas (Jesus nasceu num estábulo e foi colocado numa manjedoura) a vida articulava-se em torno do mistério do nascimento. Nesse tempo serviam-se as mães deusas e não os pais deuses. Foi assim durante milhões de anos. O Matriarcado reinante. Depois os homens rebelaram-se e, por algum tipo de magia social, empregaram a força bruta, derrubando as mulheres. Passaram eles a governar.

 

O tempo foi andando, os reis passaram o poder de pais para filhos e o Matriarcado foi esquecido.

 

Houve, no entanto, pelo menos uma exceção: os Icenos, em Colchester (Grã-Bretanha), a quem foi permitida alguma independência pelas tropas romanas ocupantes. Mesmo assim, Roma proibiu Boadiceia, a rainha dos Icenos, de passar a sua coroa às filhas, em vez de aos filhos. Boadiceia, como rainha, queixou-se. Violaram-na a ela e às filhas, como forma de desprezo.

 

Foi um erro colossal, pois a rainha reuniu os Icenos e, uivando como uma loba às suas deusas mães, prometeu vingança e incendiou totalmente Londres. Segundo os historiadores, Boadiceia deixou as valetas empilhadas de cabeças fumegantes e um rasto de cinza, testemunhada por uma veia escura e fria nas estruturas geológicas de Londres, como símbolo da ira de uma mulher.

 

Muitos séculos se passaram e, como símbolo da supremacia do patriarcado, surgiu a Maçonaria, espalhando nas grandes cidades do mundo ocidental (Londres, Roma, Paris, Washington e Nova Iorque), obeliscos em certos pontos, cientes do seu significado.

 

O mundo da Maçonaria tem muitos habitantes e muitos campos de influência. É frequente ouvir-se dizer, e com razão, que a melhor maneira de um homem avançar na vida é juntar-se aos Maçons. De facto, os Maçons mandam no Estado, nas finanças, nas instituições de ensino e nos partidos, sobretudo no PS e no PSD.

 

Os Maçons-Livres dizem descender da Atlântida, Éden e de um suposto Caos Primordial. Tudo isso é falso. A ordem que se mantém até hoje não recua mais do que ao século XVIII. Anteriormente era apenas uma humilde guilda de artesãos, com alguma influência de aristocratas e intelectuais que, por mais nada terem que fazer, se dedicaram a procurar emoções fortes, juntando-se e identificando-se através de apertos de mão, rituais e juramentos, sem um verdadeiro significado.

 

Verdade seja dita, nem todos os que se juntaram à Maçonaria eram meros diletantes. Alguns foram gigantes intelectuais, buscadores da sabedoria oculta, empenhados em continuarem as obras antigas.

 

Os Maçons afirmam descender dos arquitetos Dionisíacos, supostamente os Mestres-Artesãos da Atlântida, que sobreviveram ao declínio do Continente. Eles percorreram o globo e colheram os seus mistérios, construindo maravilhas pelos sítios onde passaram: o Templo de Salomão, as Pirâmides, o Templo de Diana em Éfeso, etc.

 

Os Dionisíacos infiltraram a cultura Micénica. Há símbolos micénicos gravados em Stonehenge. Pensa-se que foram eles que ajudaram a desenhar aquele antigo Altar Solar, onde os Druidas, em tempos, fizeram sacrifícios.

 

Sempre o Sol.

 

Cristo é claramente o mais recente disfarce do Deus Sol, uma encarnação apropriada para os tempos modernos.

 

O Natal, o seu dia mais festivo, coincide com o Solstício de inverno, quando o Sol hibernado começa, por fim, o seu lento acordar.

 

Outra coincidência tem a ver com o facto de ele ter sido sepultado numa tumba e depois ressuscitar precisamente no Solstício da primavera, o retorno da luz e da vida.

 

Cristo, deste ponto de vista, é o Sol de Deus, o seu pai, a imagética que permeia os hinos que se entoam frequentemente nas igrejas.

 

Até os apóstolos, nos quadros expostos nos museus, são marcados com um disco solar ao redor da cabeça. 

 

Paulo, na I Carta aos Coríntios 3-10 diz: “Eu como sábio arquiteto, assentei o alicerce, mas outro edifica sobre ele.”

 

Tudo isto, e muito mais, aprendi lendo o livro de BD, Do Inferno, da autoria de Alan Moore e Eddie Campbell.

 

E ainda há quem tenha a distinta lata de afirmar que a BD é para crianças.

22
Mar18

Poema Infinito (397): Recolhimento

João Madureira

 

Alguém grita dentro de mim, como se estivesse longe da terra e do céu. Quero chegar primeiro ao teu sonho, ao caminho que é lei, de arma na mão, como quem leva o pão e o vinho. O lume aquece o cantar, as cigarras alumiam os lírios. Uma onda de paz percorre as horas. As noites são agora mais vastas e desertas, nelas nascem flores deslumbradas. Os rouxinóis banham-se no orvalho. Antigamente nasciam peregrinos de contornos perfeitos que acenavam com as mãos em riste. Os seus sorrisos destruíam o silêncio, muitos doiravam a agonia e concentravam em si o dom natural dos mistérios. Cegavam a dor e cobriam o tempo com golpes de amor. Os sonhos germinavam na bruma e chegavam à terra a palpitar debilmente. Erguiam-se então as quimeras, construíam-se casas como formas de expressão. A luz é agora nossa, carregada de matéria astral. As montanhas continuam enormes e paradas, apenas os penedos estão mais dobrados. Os pastores continuam serenos, caminham afastando as horas, guardando os seus rebanhos. Parecem santos antigos pregando poemas líricos onde se fala de perdão. A traição continua a ser um gume.  Os nossos passos pisam a dor. A vida está carregada de uma ternura trágica. Os falsos profetas continuam a gastar o tempo. Outro é agora o destino das coisas e dos seres. Os anjos já não vencem as palavras, limitam-se a aquecer-se dentro das suas gastas armaduras de guerra. O sentido de tudo é mudo como o fundo das noites. A luz vai-se despindo do seu véu. Os olhos cansados dos velhos acendem a dor dos campos bravios, as suas bocas estão esgotadas de chamar. As suas mãos apontam para os caminhos que já não passam por ali. O vento da vida faz estremecer os cedros. Já ninguém pede horizontes. Quando cai a tarde, o cheiro das cores fica mais intenso. Passaram muitos anos e muitas dores. Outras se lhe seguirão. Os brinquedos já deixaram de ser desejo há que tempos. As quimeras tornaram-se mentirosas. As promessas deixaram de chamar por nós. Só a neve nos procura de vez em quando e nós sorrimos deixando-nos doirar pela solidão e pelas labaredas da fogueira. Abrem-se os sonhos como ninhos abandonados. Desce de novo o sol. Os versos espreitam a medo pela janela vestidos de melancolia. O vento lamenta o silêncio do sino da aldeia. Os dias são atravessados por segredos frios. Alguém chora no caminho bebendo a amargura das rosas. O granito negro vigia a praça. A fraga velha ainda se lembra da dor dos almocreves. Desenha-se na sombra o pressentimento da solidão. O lençol de linho já se esqueceu do pudor com que embrulhava os amantes. Certas são agora as horas na tua mão. As recordações perderam a certeza como os lírios perdem a cor. Existe uma nova firmeza nas raízes das árvores da quinta. Os frutos são mais cósmicos, os sonhos são mais densos. Caem a prumo do céu anjos azuis, aligeirados pelo tormento. As aves acompanham  a dor. Alguém canta versos agudos. Nascem agora as sementes que o vento espalhou. A amargura reflete-se na água do rio. Águias reais voam nas alturas. Os trigais acenam ao longe. Os velhos comem a sua própria solidão e destroem as horas uma a uma. Eu recolho as palavras que nascem nos caminhos velhos como flores esquecidas. Perdeu-se tudo, até a alegria da fecundação.

Pág. 1/4

Mais sobre mim

foto do autor

Sigam-me

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Pesquisar

blog-logo

Arquivo

    1. 2024
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2023
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2022
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2021
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2020
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2019
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2018
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2017
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2016
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2015
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2014
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2013
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2012
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2011
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2010
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2009
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2008
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2007
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2006
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2005
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D

A Li(n)gar