390 - Pérolas e Diamantes: A verdade intermitente e a mentira profunda
O amargurado, bilioso e sempre crítico empresário do setor farmacêutico, Pedro Ferraz da Costa, antigo líder da CIP, deu uma entrevista ao jornal I para falar mal do nosso país, dos nossos governantes e, sobretudo, dos nossos trabalhadores.
Enquanto lia a entrevista, não sei bem por que razão, veio-me à ideia a célebre quadra do poeta popular António Aleixo: Para a mentira ser segura / E atingir profundidade / Tem de trazer à mistura / Qualquer coisa de verdade.
Como a economia, contra todas as suas previsões, está a crescer 2,7 % ao ano, Ferraz da Costa considera que poderíamos estar a crescer acima dos 4%, se quiséssemos. Na sua perspetiva não crescemos “porque os objetivos governamentais são esses”, não crescer. Além disso, este doutorado em reacionarismo empresarial considera que “Portugal nunca teve o crescimento económico como o seu principal objetivo”.
Depois enunciou algumas evidências, a tal verdade intermitente: A necessidade de criação de possibilidades e de crescimento profissional para os mais jovens, até porque “hoje vive-se mais anos e qualquer dia trabalha-se até aos 80 anos”. As empresas, talvez as suas, não sabemos, “são quase lares de terceira idade”. Será que a CIP e os seus empresários não terão a maior parte da culpa?
Uma das causas, como não podia deixar de ser, está relacionada com a carga fiscal. E deu um exemplo: “Nos Estados Unidos, uma empresa que investe não paga praticamente impostos.” Ora pois, aqui está o busílis da questão: as empresas pagarem impostos.
Apesar da ainda grande percentagem de desempregados, Ferraz da Costa considera que não há falta de mão de obra em muitos setores, há bastante tempo. Será que vivemos no mesmo país?
Logo após proferir o dislate, passou à verborreia: “Qualquer empresa que queira contratar pessoas não consegue. E essa dificuldade é sentida tanto na agricultura, como no turismo, indústria e serviços. É por toda a parte. Nós temos aqui algumas áreas na nossa atividade (farmacêutica) onde não crescemos mais porque não encontramos pessoas.”
Até aqui ainda vá que não vá, mas o remate é que é surpreendente. Pergunta: “Mas porque não têm qualificação necessária?” Resposta: “Porque não querem trabalhar.”
Questionam-no então sobre se será necessário fazer uma reforma profunda, nomeadamente no ensino? Ele responde: “Mas o país não faz isso nem coisa nenhuma. Por falta de estratégia e também porque ninguém quer chatear ninguém.”
A resposta paradigmática sobre o seu pensamento resultou da pergunta sobre a grande precaridade que existe no emprego em Portugal. Na sua inspirada perspetiva, “se não houver muita procura, a precaridade não conta porque as pessoas saem de um sítio e vão para outro. Além disso, é uma questão que não preocupa as novas gerações. Eles não querem um emprego para a vida”.
Não sabemos o que é que o leva a ser tão perentório na sua resposta. Quem é que não aspira a ter um emprego fixo e permanente?
Claro, depois socorre-se da caricatura para desancar a formação de adultos. “Tenho uma atividade agrícola até com alguma dimensão e tive dois tratoristas que foram por obrigação tirar um curso. Quando lhes perguntei como correu, responderam que tinha corrido bem e que nem sequer tiveram tratores durante a formação. Foi tudo dado na sala de aula.”
O perigoso e insultante não está verdadeiramente nas suas palavras, mas sim na ideologia que se esconde por detrás delas. Nada no seu pensamento é inocente. Nada.
Ora reparem: “Nos EUA, apesar do folclore em torno de Donald Trump, a economia está ótima.” Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és.
Além disso, é contra o aumento do salário mínimo. E por duas razões: A diferenciação salarial, na sua opinião, tem “um efeito de estímulo à qualificação profissional das pessoas”. E também porque quando “começamos a ter o salário mínimo muito perto do salário médio reduz-se fortemente esse estímulo para os que já estão empregados como também para os que vão entrar em idade ativa”.
Se calhar, senhor Ferraz, o problema não está no salário mínimo, que é muito pequeno. Está, sobretudo, no salário médio que é miserável para um país que se afirma europeu.
Lá para o fim fez o que tanto gosta, deu umas caneladas valentes nas tíbias dos sindicatos, sobretudo na CGTP.
“Os sindicatos atuam muito por chantagem: ou fazem as coisas como nós queremos ou então fazemos greve.”
Traz também a geringonça atravessada na garganta, pois admite que “foi mau para o país encontrar uma solução política deste género”. Mas, como uma vidente vingativa, profetiza que “o governo não vai conseguir terminar o mandato e será obrigado a convocar eleições antecipadas.”