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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

10
Set18

408 - Pérolas e Diamantes: O paradigma e os gurus

João Madureira

 

 

Este foi, para todos os efeitos, o verão do descontentamento do Bloco de Esquerda. De facto, o BE começou a arder por dentro. Depois de duas décadas de existência, aí está mais uma agremiação política a revelar os mesmos vícios e contradições dos partidos que deram origem à democracia portuguesa. O amargo da questão é que o BE se propôs, desde o seu início, ser antissistema, para acabar, de forma inglória, a fazer parte dele.

 

O caso mais paradigmático é o do seu patriarca e guru, Francisco Louçã, para quem Carlos Costa não tinha condições para continuar no cargo de governador do Banco de Portugal até ao momento em que passou ele próprio a fazer parte dessa instituição de tanto poder e tão pouco prestígio.

 

Desde esse momento, o político e comentador Louçã meteu o rabinho entre as pernas e deixou de tecer qualquer tipo de crítica ao senhor governador e ao BdP. Ele que tem o privilegiado púlpito da TV e do Expresso.

 

Como Carlos Costa não mudou, e o BdP também não, fácil é tirar a devida conclusão. O vórtice do sistema engoliu, de uma assentada, o famigerado esquerdista. Até o seu sorriso de raposa matreira se dilui na maquiagem do sistema. 

 

Para manter as aparências e o espírito do Bloco havia, no entanto, um rapaz que começou a dar nas vistas lá por Lisboa, onde o BE tem o seu quartel general montado e onde está estacionada a grande maioria das suas tropas.

 

Robles, o jovem turco, discursava entusiasticamente contra os proprietários de imóveis, apelidando-os de especuladores gananciosos e senhorios impiedosos. As massas ululavam e aplaudiam. Contra factos não há argumentos.

 

Dava gosto ver Robles, o digníssimo e elegantíssimo dirigente do BE e também, à altura, vereador da CML, zurzir nos especuladores e gritar contra os despejos e contra as rendas excessivas e a  favor dos pobres e explorados inquilinos.

 

Ricardo Robles era a credibilidade do BE.

 

O problema foi quando a verdade dos factos veio ao de cima, pois neste mundo, mais tarde ou mais cedo, tudo se vem a saber.

 

Robles era proprietário de um prédio em Alfama, comprado à Segurança Social, reabilitado com empréstimo da Caixa Geral de Depósitos, com um projeto aprovado com a celeridade desejável pela Câmara Municipal de Lisboa. Além da rápida, para não dizer surpreendente, aprovação da obra, conseguiu ainda garantir o muito rendoso aumento da volumetria.

 

Ao que se sabe, Ricardo Robles adquiriu por 345.000 euros um prédio que valia muito mais, com o natural prejuízo dos trabalhadores e das empresas que sustentam o orçamento da Segurança Social. Tentou vendê-lo com mais valias de perto de 500% em relação ao investimento feito.

 

Há ainda outro pormenor interessante que a CGD devia esclarecer: qual a razão porque emprestou meio milhão de euros a alguém que, ao tempo, tinha um rendimento de cerca de 1.500 € mensais.

 

Ou seja, um vereador da CML que pregava contra a especulação imobiliária era, afinal, um especulador imobiliário. Comprava por baixo preço para vender por um preço altíssimo. Ricardo Robles queria enriquecer à custa da especulação imobiliária que dizia combater. A política que parece possibilitar quase tudo, ainda se coíbe em autorizar moralmente que se possa fazer de polícia e ladrão ao mesmo tempo.

 

Apenas permite que se possa jogar ao polícia bom e polícia mau, como é o caso de António Costa e Mário Centeno.

 

Claro que o que Ricardo Robles fez não é ilegal, era o que mais faltava, mas é eticamente reprovável.

 

Por outro lado, Catarina Martins também cometeu um erro crasso ao não declarar registo de interesses na Assembleia da República antes de votar um projeto do BE relativo ao arrendamento local.

 

E será isto grave? Política e tecnicamente é-o com toda a certeza. Catarina Martins é empresária de arrendamento local e investiu em casas para turismo de habitação. Viu aprovado, com comparticipação máxima, um projeto de transformação de quatro palheiros, no Sabugal, em unidades para exploração turística. Ou seja, a grande fatia do negócio de Catarina, do marido e da família, foi financiada por fundos europeus. Pelo QREN.

Catarina Martins, passou assim de atriz a empresária. Ela e a família investiram 50 mil euros e a União Europeia, que tanto abomina, financiou o projeto com 137 mil euros. O bónus do QREN é destinado aos projetos liderados por mulheres que reúnam determinadas condições.

 

Catarina Martins, a meio do jogo, viu-se impelida a ceder a sua posição de sócia maioritária à sogra, não fosse o Diabo tecê-las. A instituição burguesa e reacionária da família serviu como guarda-chuva para o negócio se manter nos mesmos moldes e respetivos financiamentos.

 

O facto de a candidatura ter mudado de responsável entre a fase de aprovação e de contratualização, não foi obstáculo para a concessão das verbas nem para a modificação dos critérios de financiamento.

 

Vários especialistas dizem que esta foi uma forma de contornar os regulamentos.

 

O BE era até há muito pouco tempo o paladino na defesa dos interesses da coletividade contra os interesses do capital.

 

Mas depressa aprendeu que ideologia é apenas ideologia. E os negócios serão sempre os negócios.

 

A superioridade moral dos comunistas já foi chão que deu uvas.

 

Propostas: Música: v2.0 – GoGo Penguin; Leitura: Pátria – Fernando Aramburu; Viagens: http://www.destinosvividos.com/visitar-peneda-geres-pincaes/; Restaurante: Quinta da Petisqueira – Lordelo – Vila Real.

06
Set18

Poema Infinito (421): O delírio e a sensatez

João Madureira

 

Comecei a escrever uma nova biografia do orvalho. Um rio passa perto do caderno. Muitas frases estão sentadas nas suas margens. Continuo a usar as aves para encontrar o azul.  A voz das águas tem um leve sotaque a nostalgia. Cai o silêncio em cima da sensatez do desejo. As árvores velhas iniciam o feitiço do tempo. As palavras estão preparadas. A cor da noite está coberta de afastamento. Necessitamos de mais espaço para um novo tipo de saber, uma nova fonte, um novo orgulho. Uma nova esperança. A alva tinge de forma transitiva a manhã. Os encantamentos necessitam de uma nova conjunção. A contradição atingiu a linguagem dos pássaros. Vamos ter de aprender a forma de reagir ao sol, à chuva, ao escuro, aos abismos, à confusão dos estorninhos. Os fantasmas sabem de cor a porta da noite que se abre primeiro. Observamos o abandono da velha casa, o musgo a crescer nas paredes, o mofo a fazer desenhos nos rebocos e na madeira carcomida, o mato a galgar os portões, as manchas traçadas nas fotografias, a bicicleta sem rodas encostada à parede do sótão e os batentes carcomidos pelo tempo. É o abandono a lamber tudo o que já nos foi querido. Na velha casa habitam agora os morcegos, as aranhas e os gafanhotos. O abandono fura-nos a retina, o silêncio grita de repente como se fosse manhã. Houve um tempo em que não havia limites. As pessoas misturavam-se com as aves e ganhavam asas. Depois chegou a ordem das coisas e as pedras começaram a rolar em direção ao destino. Apenas as palavras se salvaram. Apenas as palavras continuam sem limites. Ainda nos custa aceitar as pessoas que fecham portas, que olham o relógio e fixam o tempo, que vão às compras em horas determinadas, que aguçam os lápis para desenharem bagos de uvas, que fecham os lábios para darem beijos. O nosso delírio é uma outra forma de sensatez, com ele limpamos os versos para não serem contaminados pelas contradições. A linguagem teve o seu início na luz. Foi no orvalho que encontramos o formato do sol.  Os textos foram mudando a nossa existência. Aconteceram então os milagres estéticos provocados pelo instinto linguístico. A verdadeira sabedoria reside mais nas pessoas do que nos livros. Todos agora sabemos que o som teve a sua origem nas conchas do mar. É difícil fixar o silêncio. Ou fotografá-lo. Quando alvoreceu, a aldeia estava morta, não se ouvia nenhum barulho, ninguém passava no meio das ruas. O bêbado, depois de carregar o silêncio, adormeceu. Um pássaro enamorado começou a gorjear, para delírio das árvores. Todos sabemos que dessa árvore nascerão as flores mais perfumadas. Ainda clareava o dia quando a memória da avó abriu a terra e começou a botar as sementes à terra. Ali as deixamos para a chuva as enternecer. Entretemo-nos agora a decifrar a língua simples das abelhas, a entender os seus instintos primitivos e as palavras que correm por entre as pedras do rio. A saudade, para existir, requer trinados de dor. Na língua matinal do tempo ainda restam algumas réstias do nosso sol infantil. A avó, junto com as candeias, deixou-nos um aferidor de encantamentos. Com ele avaliamos os percurso das palavras até elas chegarem aos poemas, com a sua vaidade, o seu desvario e o seu livre arbítrio. Por isso os poetas podem arborizar os pássaros, podem humanizar as águas e podem aumentar o mundo com as suas metáforas.

03
Set18

407 - Pérolas e Diamantes: Entre a alegria e o sono

João Madureira

 

 

 

Por vezes, quando a tarde avança, começo a sentir qualquer coisa que se pode confundir com felicidade, embora não seja felicidade. É, quase de certeza, algo que resulta do trabalho realizado e não do repouso. Eu, para ser sincero, não sei o que é repouso puro. Até porque o meu quarto tem uma cama, livros, alguma roupa, meia-dúzia de fotografias e ainda mais livros.

 

Alguns livros são indutores do sono. Outros são pura alegria. Apesar disso, continuo a não acreditar em quase nada, mas esforço-me para que a minha visão das coisas pareça razoável, já que muito pouca coisa o é. Eu sei, nada disto me tornará popular. Apesar do tempo. E do espaço. E do esforço. E de tudo o resto que ninguém sabe.

 

Depois aborrecem-me os contactos e as conversas, parecem pastilhas elásticas na boca de uma criança, sempre inclinadas para o testemunho único e exclusivo acerca de si mesmos.

 

No fundo, acabam por me lembrar a eventual experiência, ou a eventual inocência, daqueles jovens que se exaltam a eles próprios.

 

Confesso que não posso deixar de sentir uma estranha e persistente nostalgia. Continuo a adorar a luz do fim da tarde e até o seu frio cortante, no inverno. E também as promessas que a noite conta. Claro que agora é mais sono.

 

Sei que as razões pessoais definem as experiências da adolescência e as que ocorrem durante o início da idade adulta.

 

A princípio, convenci-me de que o que verdadeiramente interessava era contar grandes histórias. Mas depois persuadi-me de que quem assim procedia fazia relatos francamente duvidosos.

 

Ou seja, contar aquilo que nos contaram acaba por ser uma provação.

 

Agora, depois da morte de Deus, resolveram assassinar o Diabo.

 

A Dona Rosa, que era médium, acreditava no Diabo, mas dizia que apenas o seu pai é que o conseguia ver, pois para ele o Diabo era absolutamente real. Garantia que quando se olhava ao espelho ele lhe fazia companhia, lhe rondava o rosto, lhe cobiçava a alma. E se mais ninguém o via era porque mais ninguém se dedicara a explorar as crenças dos pensamentos mais profundos.

 

Um dia, quando adoeceu gravemente, os médicos disseram à Dona Rosa que tanto ela como o seu pai necessitavam de descansar. Não deviam ler e escrever. Nem sequer pensar. Também lhes recomendaram não receberem visitas, especialmente os clientes da Dona Rosa.

 

A minha avó, que era grande amiga da Dona Rosa, disse-me que as crianças são capazes de se aperceberem de tudo, mesmo julgando-as inconscientes. Afirmava que uma criança, como eu era na altura, era capaz de conservar, mesmo que não as assimilasse, todas experiências porque passava.

 

Sei agora que a minha avó tinha razão. Talvez seja esse o mistério da infância.

 

Agora vem tudo ao de cima.

 

Depois o meu avô morreu. E em toda a casa se ouviu o vago grito da minha avó, anunciando o nascimento da sua própria e imensa solidão.

 

A partir daí, a memória começou a roer-lhe a alma com a mágoa do luto. O passado vinha ter com ela e estendia-lhe os braços em busca de consolo.

 

Os seus dois rebentos foram para a guerra. Mas contra a sua vontade, pois acreditava que nenhum governo, atual ou futuro, merecia o sacrifício de uma vida humana digna, ou imaculada, como era a dos seus filhos.

 

Parecendo ser uma mulher desassombrada como uma urbe velha, nada nela era simples, nem a cor dos seus olhos, nem os seus jeitos enobrecidos pelo tempo. Nisso opunha-se à modernidade.

 

Passou então a evocar as memórias  e a evitar as pessoas.

 

Quando agora penso nela, e no seu exemplo, lembro-me de uma história sobre os princípios contada por William James, irmão de Henry James.

 

Um pioneiro do Velho Oeste, certo dia, deu de caras com um urso que, por ter um corpanzil terrível, não cessava de exibir toda a sua fúria. Perante tal ameaça, o homem caiu de joelhos e começou a rezar a seguinte oração: “Meu Deus, nunca na minha vida te pedi ajuda e não será agora que o vou fazer. Mas, por piedade, meu Deus, só te peço que não ajudes o urso.”

 

Foi com esse interessante escritor que aprendi que as próprias palavras que agora uso são abertas, evasivas e, por vezes, inúteis. Mas tudo isso se deve ao facto de que não há palavras precisas porque não existem sentimentos precisos.

 

Por vezes digo que estou desejoso de partir. Afinal, sempre fui assim, uma pessoa impaciente, pronta para a mudança, ansiando por novas aventuras, mesmo que essas aventuras mais não sejam do que passar de uma sala à outra ou de me levantar depois de ter estado sentado alguns momentos.

 

Lembro aos arautos da fixidez dos procedimentos e defensores do imobilismo social e político que, como disse uma vez Churchill, “há pessoas que mudam de ideias para não mudarem de partido e há pessoas que mudam de partido para não mudarem de ideias”. O cinzentismo, o ressabiamento e a inveja fazem o resto.

 

 

Propostas: Música: Mambo Cósmico – Sonido Gallo Negro; Leitura: A Era dos Extremos – Eric Hobsbawa; Viagens: http://www.destinosvividos.com/visitar-aldeia-magica-drave/; Restaurante: Albufeira – Lama da Missa, Pisões/Montalegre.

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