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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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07
Jan19

424 - Pérolas e Diamantes: A luta pela linguagem

João Madureira

 

 

O termo “Novilíngua” apareceu no retrato arrepiante que George Orwell fez acerca de um Estado totalitário ficcionado.

 

A primeira coisa que a esquerda fez, especialmente a comunista, foi apropriar-se da linguagem. Coisa que, para o bem e para o mal, mantém até aos dias de hoje.

 

Os marxistas-leninistas, imbuídos da sua superioridade intelectual, lutaram desde sempre pela linguagem, pois o marxismo oferecia, e continua a oferecer, os rótulos convenientes para moldar as ideias dos amigos e dos inimigos, sempre com o objetivo último de dramatizar os conflitos entre ambos.

 

Mas, como nos lembra Roger Scruton, o aprisionamento da linguagem pela esquerda é bem mais antigo. Começou com a Revolução Francesa e os seus slogans.

 

O que sempre lhe interessou foi distinguir os que partilhavam da sua visão e os que dela divergiam. Sendo que os mais perigosos eram os que divergiam por uma margem tão mínima que ameaçavam misturar as suas energias com as dos infalíveis, conspurcando dessa forma o fluxo puro da ação revolucionária.

 

Logo desde o início foram precisos rótulos para estigmatizar os inimigos internos e justificar a sua expulsão, quando não o seu aniquilamento puro e simples. Havia que identificar os revisionistas, os esquerdistas infantis, os desviacionistas, os socialistas utópicos, os sociais-fascistas e toda a restante fauna pseudorrevolucionária.

 

A divisão entre mencheviques e bolcheviques, resultante do II Congresso do Partido Trabalhista Social-Democrata russo em 1904, resumiu, na perfeição, todo esse processo.

 

Tudo não passou de mais uma mentira fabricada e cristalizada, pois, como todos sabemos, os mencheviques (minoria) eram afinal a maioria.

 

O sucesso de tais rótulos na marginalização e na condenação dos opositores, fortaleceu a convicção comunista de que podíamos mudar a realidade se mudássemos as palavras.

 

Dessa forma foi possível combinar o poder absoluto do Partido Comunista com o livre consentimento do povo, anunciando e impondo a regra comunista como “centralismo democrático” ou ainda apresentar a ditadura do proletariado com a mais plena das formas democráticas, na implementação das “democracias populares”, em contraponto com as democracias burguesas.

 

A Novilíngua, como explica Scruton, tem lugar sempre que o propósito primordial da linguagem (que é descrever a realidade) é substituído pelo propósito rival que é o de exercer poder sobre a realidade.

 

A artimanha maior do marxismo foi a de ter conseguido apresentar-se como uma ciência. Fazendo a distinção entre ideologia e ciência, Marx propôs-se provar que a sua própria ideologia era uma ciência.

 

E fê-lo de forma simples, afirmando que as teorias do Estado de direito, da separação de poderes, do direito à propriedade, etc., apresentadas por Montesquieu e Hegel, mais não eram do que tentativas falhadas de encobrir, ou justificar, a ordem burguesa e os seus aparelhos de poder, de forma a manter os privilégios.

 

Ao expor tal ideologia como uma pretensão meramente interesseira, a teoria de classes marxista reivindicava para si o título de objetividade científica.

 

Mas este caminho unilateral leva-nos a uma espécie de perda espiritual que ocorre sempre quando as pessoas sentem mais prazer em minimizar os outros do que em se elevarem.

 

Os conceitos que resultam de um diálogo normal advém da necessidade de compromisso, de obter concordância, de estabelecer uma coordenação pacífica com pessoas que não partilham dos nossos projetos ou das nossas preferências, mas que necessitam tanto de espaço como nós.

 

O objetivo da sociedade é conduzir a nossa vida social de forma a que não se imponha o ressentimento. Por isso, é necessário viver em ajuda mútua e no companheirismo, não para nos tornarmos iguais e inofensivamente medíocres, mas para ganharmos a cooperação dos outros nos nossos pequenos sucessos. Isso é o contrário do nivelamento por baixo defendido e propalado pela esquerda radical.

 

Todos sabemos que a esquerda cometeu muitos crimes. E a direita também. Nisso equivalem-se. No entanto, deve indignar-nos que os crimes cometidos pela esquerda recebam uma absolvição que os de direita não conseguem.

 

A esquerda reivindica para si a mesma capacidade das religiões em autorizar o crime e lavar as consciências daqueles que foram coniventes.

 

Só uma abordagem religiosa pode levar-nos à compreensão do fascínio que o comunismo exerceu sobre os jovens intelectuais entre guerras.

 

O Partido Comunista satisfez essa necessidade oferecendo não apenas a doutrina e o compromisso, como também a autoridade e a obediência.

 

As organizações clandestinas criaram bandos de anjos que se moviam entre o comum dos mortais, coroados com um halo reconhecido e identificado, sobretudo, por eles próprios. Em Portugal, o caso de Álvaro Cunhal foi paradigmático.

 

A sua doutrina era muito simples: prometer um caminho de luta heroica tendo em vista um futuro radioso.

 

A utopia era um bem precioso. De facto, era a única coisa confiável porque, precisamente, não continha nada de real.

 

Exigia sacrifício e compromisso. E isso enchia a vida de significado, pois era a fórmula mágica que transformava o negativo em positivo, ou seja, transformava um ato destrutivo num ato criador.

 

Tudo isso resultou num dos maiores embustes da História.

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