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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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28
Mar19

Poema Infinito (450): O desaparecimento do tempo

João Madureira

 

Leio nos teus olhos tudo o que se passa ao nosso redor. Adquiro a objetividade de tudo aquilo que é disperso. Liberto-me assim de tudo aquilo que é clássico. A poalha do luar entra-me pelos olhos dentro como uma injeção de penicilina.  Revela-se desta forma a anatomia do desejo, os nervos do uso, a novidade exata do pensamento. Retenho a solidez castanha das árvores, a paz líquida dos poços da quinta, a malha densa dos declives, os caminhos tapados pelas vinhas. Sinto-me como um peregrino ungido pela razão. O exílio mora dentro de nós. Embala-me a fixidez das palavras justas. Falta-me, no entanto, o repouso da devoção. Dos bosques da perdição surge Madalena. Maria Madalena. E a sua vulva milagrosa. Sente ainda o seu uso. A forma dele. A vontade pervertida. Descobre o estilo de Deus. Os princípios imediatos do sexo. A ereção dos princípios. As cópulas clássicas. A gramática dos orgasmos. Tudo o que é humano é vulgar. A luxúria. A concisão. A concordância. O género. Os falos soberanos. A penetração é um verbo transitivo dentro da sua intransitividade. As últimas chuvas deixaram o céu limpo, a terra húmida. Os sentimentos são cada vez mais abstratos. Sinto o tempo a desaparecer. Tudo se evapora. Sinto que estou dentro de um sonho alheio. Sinto a impressão espantosa da brevidade. O passado transformou-se em escrúpulo. Trabalho agora numa teoria da fluidez das coisas e das almas, inspirado pelo desassossego de Bernardo Soares, um semi-heterónimo que se parece com Álvaro de Campos, sempre sonolento, com as suas qualidades suspensas, com o seu constante devaneio. Por vezes encontro-o enfiado dentro das fotografias antigas, vestindo a sensibilidade de Mallarmé, ou as maneiras de Verlaine ou o luar da imaginação de ambos, descascando-se de sensações até encontrarem Deus. Por vezes até Deus comete sortilégios. Por vezes vejo as pessoas como metáforas, imbuídas de frases literárias, arrefecendo dentro de si o pavor da morte, perdendo a noção humana de verdade e mentira, pensando-as inconjugáveis e sofrendo com a maldição das horas e com a maldição do tempo. Em toda a extensão do olhar a erva cresceu e os montes continuam presos. A tristeza sorri para nós dentro da sua solidão quieta. As folhas, quase mortas, perderam o verde para adquirirem outras cores. O frio é cinzento. Foi com as cores de outono que construímos as crenças e a esperança. Por isso as crianças pobres brincam felizes. Dessa forma criam uma nova realidade, efeitos subtis de luz, ruídos vagos, memórias musicais, divagações, ameaças. São produto de algum tipo de distração. A realidade aproxima-se de nós de forma lenta. Os sonhos puros possuem a forma da timidez. Os abismos nascem do vento, da sua observação ordenada, da sua espera, da variedade dos seus jogos, da memória, da esperança na memória. As horas antigas têm um sabor mais amargo. Por vezes originam a loucura. As palavras antigas trazidas pelo vento lembram-nos os lugares onde estivemos, a cintilação das noites, a voz moderada dos nenúfares, a esperança das estrelas, o silêncio colorido das flores, as cores tremeluzentes das borboletas, as palavras rentes à boca. Espero pelo amanhecer definitivo para me fixar no esplendor do teu olhar.

25
Mar19

435 - Pérolas e Diamantes: A pertinente pergunta de Pilatos

João Madureira

 

Claro que é muito mais fácil respeitar “o povo” do que respeitar um indivíduo concreto. É mais fácil declararmo-nos democratas do que sê-lo.

 

Já nos vamos fartando da ostentação, da arrogância, da conversa fiada e da irresponsabilidade. O Estado parece uma manta de retalhos e os políticos um bando da papagaios emproados que se sabem vestir e reiterar banalidades.

 

Todos nos apercebemos da “espontaneidade” aperfeiçoada de Marcelo e do sorriso instantâneo do primeiro-ministro e do ministro das Finanças. Cheira tudo a autopromoção. As pessoas começam a ficar fartas de beijos, sorrisos e abraços. A doçura dos nossos líderes provoca diabetes. São daqueles que mentem com o coração nas mãos.

 

E estamos mais que fartos de ouvi-los dizer que não saímos da cepa torta porque o mundo é complexo, multifacetado, dinâmico, repleto de contradições e de tendências conflituosas. Chega de conversa da treta. Basta de desculpas.

 

As democracias europeias, temos de reconhecer, revolucionaram o pensamento ocidental em relação ao mundo, mas não mudaram o mundo.

 

O poder assenta na máxima de que se os factos contradizem a teoria, há que modificar os factos. Na prática, a teoria é outra, como dizia Vítor Cunha Rego.

 

A nossa aceleração económica não acelerou que se visse. E o socialismo já foi chão que deu uvas. Gorbatchev talvez tenha razão: “O socialismo, por si só, é um perigo.”

 

Eles dizem que governam. Eu por vezes penso que é só aparência. A receita é velha: dizer meias-verdades, empolar os sucessos e ocultar os erros ou atribuí-los a terceiros.

 

Depois existe este velho hábito democrático de fazer tudo de forma atrapalhada, de tentar realizar tudo depressa e mal, não conseguindo acabar uma coisa antes de passar à seguinte.

 

O nosso desenvolvimento não pode continuar a assentar em táticas de curto prazo, mas antes numa estratégia de longo prazo.

 

É urgente, e necessário, voltar a associar política e moralidade. Podemos dizer que a nossa esperança ainda não estilhaçou, mas é verdade que está lascada.

 

Continuamos a viver em regime provisório, neste tem-te-não-cais que não nos deixa progredir. Mas a estagnação não é futuro.

 

Há líderes cujas qualidades tornam tudo possível mas cujos defeitos minam os seus principais projetos. Até os intelectuais estão falidos. Já não servem para nada. Afinal parece que a beleza não consegue salvar o mundo.

 

O sucesso das pessoas mais mediáticas, sobretudo dos estadistas do regime, depende da absoluta evidência e banalidade daquilo que apregoam. O seu sucesso resulta de os outros estarem convencidos de que eles sabem mais.

 

O povo gosta de tirar selfies com os presidentes dos afetos, ou com os pm sorridentes. Antigamente comprávamos uma caderneta e colávamos lá os cromos.

 

As coisas que realmente nos importam são aquelas sem as quais não nos conseguimos imaginar.

 

Miguel Tamen diz que uma mente independente “é uma pessoa que tem pouca paciência para os tontos. É uma pessoa que acha que as questões da verdade não se decidem por referendo e, portanto, não se decidem pela opinião da maioria. É uma pessoa que, ao mesmo tempo, confia nas opiniões das outras pessoas, mas desconfia das opiniões partilhadas”.

 

Todos andamos à procura da verdade. Na Bíblia, quando Jesus é interrogado por Pilatos, diz: “Eu para isso nasci e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade.” Pilatos perguntou-lhe então o que era a verdade. Não obteve resposta.

 

Na “Apologia de Sócrates”, o filósofo diz mais ou menos o seguinte: “Sinto-me um pateta que teima em fazer perguntas às pessoas que andam pelos caminhos de Atenas. Claro que todos eles me acham um pouco estranho. Não tenho grande medo do que me possa acontecer a seguir. Mas estou completamente ligado a esta sociedade de idiotas de que faço parte e não posso ir pregar para outra freguesia.”

 

Esta sociedade diz-nos que é necessário sermos passivos, que é necessário obedecer para ir escapando aos desafios sucessivos e sobrevivendo. É o mundo maravilhoso dos clones.

 

Tudo que importa é a política e não a cultura. Apesar da política ser interessante, eu acho que a cultura é superior.

 

“A formiga no carreiro vinha em sentido contrário, caiu ao Tejo, caiu ao Tejo...”

 

Quem muito acredita, muito se engana.

 

Tolstói escreveu que o herói que amava com todas as forças da sua alma tinha sido, era e seria, sempre a verdade.

 

Será possível ficar ofendido pela verdade? É possível julgá-la?

 

Afinal, o que é a verdade?

 

Estou em crer que Pilatos continua sem resposta à sua pergunta.

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