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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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20
Mai19

443 - Pérolas e Diamantes: Dá gosto...

João Madureira

 

 

Dá gosto ver um pm risonho ir à tv falar com convicção de como acha aquilo que tem de achar ao mesmo tempo simpático e inoportuno, sendo que, na sua dicotómica visão, as duas interpretações são possíveis. Ele até é, eles até são, rapazes sossegados. Dizem mesmo invejar a nossa situação de simples transeuntes. As pessoas gostam de recordar os seus tempos esplendorosos, mesmo que para isso tenham de inventar uma nova vida, uma outra infância, ou mesmo qualificações académicas industriosas. O seu tom é minimamente sentimental, ou parece. O seu sorriso é objetivo. É objetivamente subjetivo. E tranquilo. É temporariamente intemporal. Reconcilia-nos com o cão e com o gato. Com o leite de soja. Com o adoçante. Com o café descafeinado. Com a cerveja sem álcool. Com o tabaco aquecido. Com os carros elétricos. Com o fio dental. Com as escovas de dentes elétricas. Com os livros em formato digital. Com os implantes mamários e dentários. Com as unhas de gel. Com os saltos altos, com os saltos baixos e com os saltos médios dos sapatos. E com as lentes de contacto. E com os óculos ray-ban. E com os jeans rotos dos jovens da classe média alta. E com os fatos lustrosos da classe média baixa. O problema é quando os telespectadores começam a fazer greve, provavelmente porque se tornaram muito sentimentais por causa da separação dos casais de meia idade que tomam pequenos-almoços como se vivessem permanentemente no Palace. Apesar de ser engraçado, o sr. pm tem sentido de honra. Honra lhe seja feita. Os seus sentimentos são genuínos. E, mais do que isso, possuem significado. Toda a realidade é uma questão de... justamente porque é transitória... além de permanecer verdadeiramente... e adaptar-se com uma rapidez incrível às novas condições de vida em sociedade. Em nós, telespectadores, o que mais nos assiste, e resiste, são os sentimentos, o que nos transforma em indestrutíveis conservadores revolucionários, em sociais-democratas leninistas, ou nuns democratas-cristãos que lavam os pés aos islamitas, como prova de humildade e fé. Mesmo Voltaire aceitou no seu tempo, e sem se revoltar, o suplício da roda. O sr. pm possui a honra da palavra dada e dos princípios. Nos ficamo-nos pelos sentimentos. Se nos deixarem, claro está. O seu sorriso cativante passa por cima das diferenças. O sr. pm nem as sente. De facto, muitos de nós têm o privilégio de pertencer à casta de contribuintes que pagam a educação, a saúde e tudo o resto. É claro que, apesar de tudo, é bom ouvir o sr. pm no aconchego das nossas salinhas de estar a induzir-nos na verdade. É bom sentir que tanto o sr. pm como cada um de nós pertencemos ao mesmo povo. A arte é sempre mais bonita do que a natureza. A verdade é que quando bebemos mais meio copo de vinho espumante já não sabemos se ele está a falar a sério ou a brincar. Queremos crer que a imitação é real. Só pode ser. Por vezes, até nos apetece ir buscar a bandeirinha que agitámos na última campanha eleitoral. Apesar do pouco prometido que foi cumprido, a nostalgia atravessa-nos como a música pimba que animou o comício de encerramento. Ou a caravana automóvel que espantou a passarada e pôs os cães das aldeias a ladrar como se fossem militantes ou simpatizantes do partido adversário. E as esferográficas lá ficam guardadas nas gavetas onde acabarão por borrar tudo de tinta. São também simpáticos os moços de recados que o defendem por tudo e por nada. Acreditam eles mais nele do que ele próprio acredita em si. A verdade é que a velha bandeira do partido sobreviveu a vários moços dos recados. Já serviu de mortalha a muito egrégio militante.  E a sua memória lembra que não se devem esquecer os bons e velhos costumes, apesar das tempestades do progresso. Mas o que interessa é que o sr. pm continue a ser capaz de tomar as rédeas da governação do país e satisfaça as necessidades práticas dos militantes do partido. O país não existe sem o partido, nem o partido existe sem o país. E, claro está, ambos necessitam da simpática liderança do sr. líder. Continua a ser difícil colocar as boas ideias em palavras. Também é difícil gostar do chefe da oposição, que, por definição, é sempre uma pessoa desagradável. O caminho até ao poder é sempre longo e, algumas vezes, nem se alcança o fim. Lá chegará o tempo de, também ele, desconfiar de si próprio.

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