No miradouro
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Como dizia Flaubert, as frases também são aventuras. A arte, para o bem e para o mal, é uma evasão, até porque o peso da realidade é imenso.
Por vezes, o pensamento criativo pode ser mais importante do que o conhecimento. Um erro não corrige outro. Há na política muita gente que se julga líder mas não passa de entrave.
A política neoliberal assemelha-se ao homicídio mais difícil de resolver: o que é cometido para esconder outro crime.
O tempo por vezes faz magia e consegue que aquilo que era invisível fique visível.
Uma coisa temos segura: os cães ladram sempre, tanto os do lado deles como os do nosso.
O poder democrático assenta no exercício recíproco de influências entre os dignatários do regime, a que alguns apelidam de bloco central. Os jacobinos costumam reunir o comité central. E os outros, os girondinos, ou outras, engordam o cilício com a sua carne ternurenta. O seu misticismo é voluptuoso. O seu jejum é uma forma de iguaria requintada. Costumam ser os heróis, ou heroínas, da conversa fiada, repleta de vozearia, ênfase e hipérboles.
São as unidades mínimas de carícia. O povo entretém-se a deitar mão ao vazio. A classe média enche-se de desassossego, fazendo surgir a insatisfação.
Apesar da sua aparente origem comum, o zelo religioso costuma dar-se mal com as contradições dialéticas, pois criam situações de dependência. É como a sopa de peixe temperada com âmbar, à velha maneira dos Pomorches, devoradores de pomuchel, conhecido entre nós como bacalhau.
Por vezes a realidade cai em cima de nós como uma tempestade de primavera.
O campo continua bonito, as árvores estão verdes e as roseiras estão em flor, mas isto é agora usufruído apenas através das fotos ou da televisão. Deslumbramo-nos com a natureza através da janela. Já não saímos à rua.
Os problemas costumam surgir quando nos queremos afastar da teoria e nos aproximamos da prática. Trabalhar junto das bases não é fácil. O povo pode parecer tolo, ou até sê-lo, mas tem boa índole. Quer do ponto de vista teórico, ou, até, do funcional.
Aí se colhe a experiência, se desperta a confiança, se pratica a beneficência e se começa, finalmente, a perceber a economia.
Ter um discurso um pouco elaborado é, nos dias que correm, como pronunciar obscenidades em latim: ninguém percebe, nem quer perceber. Ninguém sabe ou quer saber. Para quê discutir ideias? O que o povo deseja é comer bom e barato e ter um carro novo amigo do ambiente. E a vida espiritual despacha-se com uma ave-Maria seguida de um padre-nosso.
Os girondinos, não acreditando, nem tolerando a geringonça, foram tocar os sinos desabaladamente para assustar a populaça que começou por não compreender a desgraça anunciada. O mundo por vezes dá voltas e torna-se confuso. O facto é que nem Belzebu chega nem a gente almoça.
A verdade, é que da deceção se passou à exaltação. E, como é lei da vida, da exaltação se passará a deceção, sem que a ceia da conciliação tenha lugar. Os encontros fortuitos são sempre gerados pela casualidade.
Os girondinos costumam ficar nervosos quando chove. E também quando faz sol. Para eles, o mundo é perfeito quando há sol na eira, chuva no nabal e o povo se entretém a rezar o terço. A devoção a Nossa Senhora é imensa. É terna. É eterna.
Daí o estado de depressão girondina.
Mas a resposta é simples: os jacobinos concluíram que mais vale um pássaro “geringonceiro” na mão do que três a voar.
Os girondinos, acabrunhados, deixaram-se mesmo enovelar numa espécie de inércia culposa. Até o seu penteado chefe se tornou num viciado da imobilidade.
E eles, os pobres girondinos, pensam lá para os seus botões: é impossível saber se foi por nós ou por causa de nós, o que aconteceu. A vida, por vezes, é cruel.
Mikhail Chichkin escreveu que “a harmonia universal é um regulamento destinado a ensinar aos neófitos que tudo é uma rima”.
Será a social-democracia uma suave monotonia?
Será a democracia-cristã um paroxismo de raiva?
Já nada os acalma, nada os satisfaz: nem os brinquedos, nem os alimentos, nem as bebidas.
Será a mágoa contagiosa?
O socialismo, por agora. É só sorrisos. E abraços.
E também drama. As eleições estão aí.
Os sermões vão-se suceder como as canções no festival.
Consigo pensar em não pensar em nada. Consigo não pensar em nada. Consigo não pensar. Consigo. Nada. É difícil pensar a ausência. A roda gerou um tempo novo, modelou a velocidade dos nascimentos e preparou-nos para a dimensão dos mistérios. O verdadeiro enigma é o que eu sinto ao respirar-te. Deus inventou a eternidade quando o mais santo dos homens santos trocou as missas pelas viagens. Virou-se o feiticeiro contra o feitiço e o mundo perdeu a sua melancolia. Tudo voltou ao que era: os pássaros, as flores e os marinheiros remando para longe das suas embarcações. Tudo se transformou numa coleção de fotografias cheias de saudade. As feiticeiras recuperaram as madrugadas, os caminhos ficaram mais largos e o vento quebrou as formas do sono e do movimento perpétuo. Todo o esquecimento é feito de inércia. Os frutos das árvores da quinta são agora mais agrestes. O vento é mais amargo. São os meus dedos tristes aqueles que escrevem os sonhos claros e que imaginam o contentamento. A esperança está isenta de consentimento. São os lábios indecisos aqueles que modelam a frescura das rosas. Os campos estão plenos de bruma, as árvores parecem perdidas e as sombras lembram a trajetória e os contornos dos pensamentos mais audaciosos. Com o decorrer do tempo, tudo se faz tarde: os objetos, as cores, a esperança. A aldeia dorme dentro de mim completamente imobilizada. Já faz parte do meu desassossego. É outro tempo o tempo da poesia. Sinto a mordedura do sossego da madrugada. Todo o desejo me vem à boca. Não me ensinaram a ser árvore, a traduzir os silêncios, a transcrever as paixões. Sinto-me um menino a talhar o futuro a golpes de poeira. Ainda ali estão as pedras que não chegaram a ser casa. Contentaram-se em ser linguagem de chão. A respiração dos animais é agora mais lenta. Deus, por vezes, entretém-se a torcer as linhas do tempo. Por isso, os sete dias da criação foram transformados em infinito. Deus já não crê nos homens. A mulher deitou-se na sua própria sombra. Dela saíram pequenos pedaços de mistério. Aprendeu a fixar-se na paciência dos rios. Agora chora porque sente que perdeu a sua transparência. A luz infinita inverteu o percurso do mundo. Outra mulher atravessa o nevoeiro com as suas mãos de fogo. As suas palavras são como bolhas de água. Tudo parece confuso, até os murmúrios da água fria que banha os abetos da margem do rio. E o rio sofre. E a noite sofre. A noite parece uma mulher enlouquecida. E o dia também irá sofrer. A antiguidade possui o estilo memorativo da intimidade. Os lábios dos navegadores murmuram os sofismas do regresso. Muitos deles regressaram mesmo sem terem partido. Estavam habituados às divindades, às tensões percetivas, aos estigmas, à lucidez dos números, ao contágio temporal das orações. O silêncio pode ser uma herança incómoda. No entanto, podemos equilibrá-lo com sensibilidade, com lirismo, com ascese, dando-lhe a forma de uma claridade abstrata. Toda a moral tem de ser caligrafada para não invocar o desejo dos corpos em vão. É leve o voo das andorinhas. É leve o amanhecer. É também leve o movimento natural das paisagens. Já o movimento perpétuo da realidade é tão pesado como os remorsos. O sol da tarde começa a roer a planície. A superfície do tempo dá expressão aos rostos cansados. Tu és o meu ângulo de pureza.
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