Barroso
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Pois é, caros amigos, toda a perspetiva implica um julgamento. Toda a ordenação revela uma atitude e um temperamento. Segundo os românticos, as revoluções costumam começar sob o signo da fraqueza, da profanação e do insucesso. Uma vez em andamento, a torrente revolucionária caracteriza-se pela bestialidade. A demência torna-se contagiosa.
A bestialidade resulta da inépcia e da imbecilidade. As revoluções, para mal dos nossos pecados, acabam por ser causa e consequência da tolice humana que encoraja e que acaba inexoravelmente por esmagar. A sua grandiosidade está no drama e no apocalipse que geram. Por isso são amadas por uns e detestadas por outros.
Para os românticos como Flaubert, as suas personagens principais podiam ser definidas como Frédéric (A Educação Sentimental): portadores de “uma prodigiosa cobardia”, de uma inesgotável “pusilanimidade”, um “homem de todas as fraquezas”.
E as revoluções aconteciam porque os convidados de Dambreuse “teriam vendido a França, bem como o género humano, para garantirem a sua fortuna, livrarem-se de um incómodo, de um embaraço, ou mesmo por simples baixeza...”
O autor de Madame Bovary gostava de dizer que “dentro de cada revolucionário existe um agente da polícia”.
Os políticos de agora parecem submetidos à sua ambição, à sua vaidade de novos-ricos, muitas das vezes sem honestidade e elegância.
É verdade que a prosperidade traz consigo uma espécie de embriaguez. O poder tanto engrandece como destrói.
Os políticos profissionais, sobretudo os intitulados revolucionários, apesar de dizerem amar o Homem, não têm (não temos) a certeza de gostarem de indivíduos.
Não raro, os revolucionários poderosos como Lenine, em defesa dos interesses da “causa”, fizeram com que as condições de vida da gente simples se deteriorassem ainda mais para dessa forma produzirem o cataclismo final.
Foi nesse desprezo pelas condições de vida da gente comum que estiveram as origens do autoritarismo para o qual a revolução teve a sua propensão tão trágica.
O compromisso com a causa superior do povo, muitas vezes à custa de um evidente autossacrifício, foi sempre o atributo essencial desses heróis de ficção. Até nos livros de Álvaro Barreirinhas Cunhal (Manuel Tiago), as personagens com interesses estéticos ou voltadas para as questões alheias à “causa revolucionária” são homens supérfluos, alienados pela sociedade burguesa.
Os revolucionários mais intrépidos tiveram como principal mentor Nechaev, autor do “Manual do Revolucionário”, com 26 artigos. O primeiro reza assim: “O revolucionário é um homem dedicado. Não tem sentimentos pessoais, nem assuntos particulares, não tem emoções, apegos, propriedade e nome. Nele, tudo está subordinado a uma única e exclusiva fixação, um só pensamento e uma só paixão – a revolução.”
E assim se criaram máquinas humanas de destruição maciça. Pois a sua doutrina dizia que “todos os sentimentos familiares estúpidos e ternos, amizade, amor, mesmo toda a gratidão e honra, devem ser sufocados, e em seu lugar é preciso estar a paixão fria e resoluta para o trabalho da revolução”.
Convenhamos que, tal como a mensagem cristã ou a islâmica, a boa nova marxista deixou de representar a salvação.
Apesar do logro, a verdade é que o socialismo “científico” não foi o fim da História, mas sim o fim de uma estória.
O marxismo, apesar de ser uma via de razão, não é a razão toda. Nem pouco mais ou menos.
A verdade é que os neomarxistas, e os novos seguidores de Maurras, pediram emprestadas a retórica e as táticas populistas. Agora não é ao centro que está a virtude. É nos extremos. Na propaganda, todos os gatos são pardos.
O grande equívoco dos comunistas, e dos fascistas, foi terem olhado para as massas apenas como material humano necessário para os seus planos revolucionários. Por isso, as suas experiências cruéis só podiam resultar em fracasso.
Orlando Figes numa coisa tem razão: “Não foi o marxismo que fez de Lenine um revolucionário, mas sim Lenine quem tornou o marxismo revolucionário.”
Por isso começou como um agitador de província, acrescentando a sociologia marxista às táticas golpistas do “Vontade do Povo”, o partido do seu irmão.
Todos agora sabemos que o capitalismo triunfou sobre o comunismo porque a maioria dos operários especializados e instruídos sempre esteve mais inclinada a melhorar a própria vida dentro do sistema do que a procurar derrubar esse sistema.
Pois é, o que tem de ser tem muita força.
Não existe no mundo pior coisa do que a caridade. A conversa começa a entreter o fastio. Cada instante é perpétuo. Regresso à zona tímida das palavras, onde estão os ninhos das sereias. Suspeito das ansiedades caseiras. A energia dos restos começa a dissipar-se. A água pesada petrifica os sentimentos. Clareia no caminho a intensidade dos instantes. Tenho dificuldade em caminhar por entre as acácias da infância. Sinto ferver o ruído funesto dos aciprestes. A sua seiva deixou de ser um bálsamo. Sinto o modo delicado de escorregar no teu corpo luminoso. O sol chispa na superfície da água. As árvores das margens desenham janelas no seu fundo. O tempo demora a chegar ao pé de nós. As mulheres parecem estar presas nas varandas, mantendo as casas à tona do esquecimento. Por vezes sinto-me a tocar noutro mundo. As tábuas do soalho da velha casa da avó rangem. Assemelham-se a suspiros. Alguém peneira farinha na casa ao lado. Foge o tempo pelo meio dos dedos cansados. Sinto-me excitado com tanta tranquilidade. As conversas à hora de jantar têm a forma de raízes. A imaginação incha com a vontade das histórias. A memória continua a vacilar, a encher-se de esforço, a repetir prólogos, a ir adivinhando razões desdobradas, a fixar-se nas portas da razão. As palavras continuam a avançar. A atropelar-se. A deixar-se ir. Depois transformam-se em enguias. A sala esvaziou-se dos suspiros. A alegria humedeceu. Continua o entusiasmo pelas mentiras. A morte da avó começou numa espécie de desvanecimento. As conclusões já ela as tinha tirado há muito. Conhecia perfeitamente as confissões dos santos, as suas confidências e até as suas crueldades. Repetir paixões é uma outra forma de melancolia. A avó recusou-se sempre a mostrar as indecências ao avó. Ao exagero sucedem-se as catástrofes. Deus costuma olhar para o outro lado, onde mora a impaciência e a dor. Com o vendaval e a chuva muitas árvores aterraram. A primavera apareceu de um dia para o outro. Na natureza, por vezes, a ordem contraria as circunstâncias. A avó costumava enfrentar os crepúsculos. Dizia que detestava trocar de lugar. O avô fugia dos banhos de luz. Já o senhor António andava a tecer a corda com que se havia de enforcar. Os segredos envenenam os sentimentos. Ninguém reparou nos pequenos pormenores, nos exíguos desempenhos da sua loucura. Nem a avó, que estava vazia de pecados. Entre um espaço e outro nada existia, apenas o infinito. Ninguém se pode agarrar a um torvelinho desses. O pai, até morrer, exercitou o retardamento dos ímpetos de cólera. Foi roído por dentro. As certezas já deixaram de ter significado. A arte de iludir é consequência da arte de agradar. Quando escuto com mais atenção consigo distinguir alguns dos murmúrios que por aqui ficaram, colados às paredes, em cima das mesas, dentro das gavetas. Também oiço o vazio. Sorrio. Não me apetece chorar. Tudo agora revela excesso de premeditação. Enche-se a boca de palavras e não se consegue dizer nada. Cada um constrói a sua própria fome e a sua fartura. Esta nova realidade necessita de ser alimentada de outra forma. O sítio das palavras parece um despropósito. A beleza, por vezes, traz agarrada a si o medo. Escuto tudo o que é imenso pelo ouvido da avó. Aconchego-me dentro do seu labirinto.
Nietzsche, apesar de considerar o curso de teologia maçudo e de ter grande interesse na filologia clássica, entrou para a faculdade de teologia. Ao mesmo tempo tentou corrigir a sua ignorância do mundo juntando-se a uma confraria de estudantes (Burschenschaft). Esperava discussões eruditas e debates parlamentares, mas deu consigo a levantar canecas de cerveja e a entoar as canções básicas da confraria. Descreveu essa atividade intelectual como um movimento confuso e desconcertante de excitabilidade febril.
Mas a rotina impôs-se. Como em todas as confrarias, ajaezava-se à maneira, fazia vénias em todas as direções e marchava ataviado com as faixas e os bonés da irmandade, cantando com energia. Os destacados membros da confraria frequentavam os bordéis de Colónia. Mas o nosso estimado filósofo contratou um guia para lhe mostrar a catedral e outros locais célebres.
Pediu então ao guia que o levasse a um restaurante. O guia pensou que o motivo de pedido tão insólito se devia ao facto de Nietzsche ser um rapaz envergonhado. Em vez disso, levou-o a um bordel.
Ou seja, de repente encontrou-se rodeado por meia dúzia de criaturas vestidas de ouropéis e escumilha que o olhavam fixamente. E expectantes. Perfeitamente atónito, e impelido pelo instinto, resolveu fazer aquilo que sabia: sentar-se ao piano e tocar um ou dois acordes. A música, segundo confessou, acelerou-lhe os membros e passados uns instantes estava lá fora ao ar livre.
Isso é o que sabemos de forma oficial. Mas alguns creem que Nietzsche não se limitou a tocar alguns acordes ao piano e sair, tendo ficado lá dentro para os fins habituais, pois contraiu sífilis, de onde resultaram os seus problemas posteriores de saúde física e mental.
Na Páscoa subsequente ao incidente do bordel recusou-se a receber o sacramento da comunhão, na igreja.
Podemos dizer que Nietzsche, não estando ainda a sofrer de uma perda total de fé, já carregava grandes dúvidas.
Nietzsche escreveu então à sua irmã: “Toda a verdadeira crença é, realmente, infalível; realiza aquilo que cada pessoa crente espera encontrar nela, mas não proporciona o menor apoio para o estabelecimento de uma verdade objetiva... Aqui os caminhos dos homens separam-se. Se quiseres alcançar a paz de espírito e a felicidade, então tem fé; se quiseres ser um discípulo da verdade, então, procura.”
Os desejos, quando satisfeitos, só dão lugar a mais desejos.
Em Basileia era um jovem que se vestia de velho para personificar a sabedoria, era um estudante universitário a fazer-se passar por professor, era um filho exasperado a fazer-se passar por um bom filho perante uma mãe irritante e também um filho amante e dedicado à memória do seu falecido pai cristão mas que entretanto estava a caminho de perder a fé cristã.
Foi na Suíça que encontrou Wagner, onde o grande compositor, a expensas do rei Luís, compunha as suas sinfonias e, em momentos de descontração, ordenava ao seu fiel criado Jacob que o conduzisse num barco a remos por entre os bandos de cisnes brancos de Lohengrin que cruzavam o lago, até ao local onde se formava o eco com que Guilherme Tell provocava o seu pérfido adversário, Landvogt Gesser, gritando insultos que soavam pelas montanhas num escárnio sem fim. Wagner, segundo Sue Prideaux (Eu Sou Dinamite – A Vida de Friedrich Nietzsche), gostava de berrar obscenidades com o seu forte sotaque de Saxe e ria a bandeiras despregadas quando o eco lhas devolvia.
Eu isto até compreendo. O que não consigo perceber é o facto de as fêmeas dos animais não terem vómitos durante a gravidez. Os humanos, em muitos aspetos, são uns animais falhados. Por isso é que as mulheres ganham corpo e contam as luas.
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