Em Lisboa
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Dizem que, por vezes, o vento bom sopra do Sul. Eu sou de outro ponto cardeal. Sou do vento, sopre ele de onde soprar. Sou do vento. Da ventania e do vendaval. O vento é vário. O Sol flutua nos meus olhos com a sua brancura azulada. Depois do verão, o outono veio rumorejar a sua queda. As folhas. A seguir, o inverno amontoará a neve, o tédio, os dias e o resto do mundo que pode sobejar. Tremem-me as sombras nas mãos. E os livros. O silêncio do tempo continua a derrubar os muros. Ninguém se liberta da ditadura do silêncio. As asas dos anjos começaram a perder as penas. As linhas do Céu perderam a sua harmonia. Deus gesticula os braços e as estrelas fazem-se em pedaços. Deus deixou de ser magnífico. Dizem que inverteu o Big Bang. Não sei de onde nasce esta quietude. Milhares de aves levantam do chão em silêncio. O amor transforma-se em luz. Os olhares organizam o caos. As borboletas desarrumam as palavras. O desejo rebenta com a gramática e com a semântica. O crepúsculo fixa a dimensão exótica da luz. A semântica da sedução resultará na pose. A gramática da sedução ou é orgástica ou não existe. Alguém beija um rosário. Eu prefiro dedicar-me aos corpos. À indelicada linguagem das cópulas. À sinfonia delicada da penetração. Ao êxtase. A realidade também pode ser magnificente. Não existe apoteose no desespero. No amor não há redenção, mas fogo. Por isso, o universo é infinito. As estrelas penetraram o arco-íris. As ruturas resultam da linguagem conceitual dos viajantes, da indecisão das palavras solitárias, da vulnerabilidade das indecisões divinas, do pressentimento luminoso dos rostos, da exigência estética da sedução, da ressonância da indiferença e, sobretudo, da relação prodigiosamente incoerente estabelecida entre Deus e o Diabo. Os poetas e os deuses gostam de improvisar o seu próprio desassossego, de amadurecer os seus remorsos, de criar os seus exílios, de agitar a solidão, de golpear o silêncio, de transformar o amor em tragédia, de transformar a tragédia em amor. Uma bruma antiga abraça os templos transformando as revoltas em inutilidade. A vontade de resistir transformou-se em choro. O tempo é a hipérbole ritual do infinito. A memória separa a verdade do destino. A chuva transformou o silêncio numa espécie de sermão místico. O desaparecimento demora-se mais um pouco nos ângulos barrocos das paredes graníticas das casas. Alguns lamentos continuam a nascer por entre as fendas dos muros, pelas frestas dos telhados, de dentro das arcas e das malas fechadas pelos anos e pela tristeza. Um frio permanente continua depositado junto à lareira. As recordações são como relíquias onde ninguém gosta de mexer para não estragar. Deus e os homens abandonaram a aldeia. Dizem que também pode haver beleza nas imagens mortas. Agora escrevo sobre a nostalgia da sinceridade, sobre a reconstituição inútil das penumbras e das cintilações. Também o amor carnal é metafísica. Daí resulta a instabilidade religiosa, o desprezo, a justificação dos hábitos, a magnitude sobrenatural da individualidade e a interpretação moral da vontade. As linhas da vida são diversas. Uma chuva violenta começou a cair sobre a madrugada. Os gritos eróticos organizam-me a química orgânica do tempo e dos fluidos. Flores matinais deslizam sobre o meu pénis.
Parece que a legitimação pós-moderna da democracia assenta na peregrina ideia de confundir o poder político com a administração e a gestão.
A poderosa máquina do Estado vive na tentação de engolir tudo. Vivemos entre a paranoia da corrupção e da incompetência. Mas o país não vai soçobrar no abraço de urso do “complexo de culpa” luso. Isso é que era bom.
Nem tanto, nem tão pouco.
A verdade é que nos falta alguma coragem moral e política para evitar o descalabro. A verdade, também, é que nem o denominado estado de bem-estar é ilusório, nem o humanismo é decadente, nem a liberdade é alienante.
A democracia não corrompe a sociedade. Os falsos democratas é que sim.
Claro que a maioria dos políticos não são nem demoníacos, nem maquiavélicos, nem corruptos. Mas estamos conscientes de que também não são, por muito que o apregoem, nem homens extraordinários, nem administradores sensacionais e muito menos moralistas impolutos.
Os que mais triunfam são aqueles que conseguem misturar a demagogia com uma apreciável rapidez de análise dos fenómenos políticos e sociais que os rodeiam.
No jogo de xadrez político, os mais distintos raramente movem uma pedra de forma errada.
Mas o quadro tradicional das fações continua a ser o da hipocrisia que sempre minou a política.
A verdade é que a política está ocupada por gente sem caráter, de mercenários perfeitamente desfasados da vida real.
É difícil em Portugal perceber onde termina a dignidade e começa a hipocrisia. E o contrário também é verdadeiro.
Marco António disse num seu discurso que Brutus era um homem honrado, mas...
Em Portugal, o Governo vai-se mostrando exímio em aplicar, uma vezes, uma política de esquerda usando a mão direita e, outras, fazendo o contrário, praticando uma política de direita utilizando a mão esquerda. A Geringonça é isso mesmo.
A mim, os debates políticos parecem-me um concurso de putos a ver quem consegue mijar mais longe.
A lógica da política assenta em dois procedimentos: ajudar a nadar quem está a nadar e ajudar a afundar-se quem está a afundar-se.
E porque razão votamos? Somos escravos do instinto. Das ideias feitas. Dos sorrisos inócuos. Da opinião imbecil. Há uma loucura mansa em acreditar que um voto constrói uma democracia. É como tentar enxaguar o chão com uma torneira de água aberta.
Nietzsche escreveu o seguinte aforismo: “Para vermos algo como um todo temos de ter dois olhos, um de amor e um de ódio.”
Dizem que a compreensão da política é um conhecimento útil. Para mim é tão útil como o conhecimento da composição da água para um marinheiro em risco de naufragar.
Fizeram-nos acreditar que eles acreditavam que ser é mais importante do que ter. Pensamos o poder como uma vantagem. Mas não é bem assim. Quanto mais se sobe, mais dura é a luta. Quanto mais perto se está do cume mais custa fazer concessões. Mas mais têm de ser feitas. E no ponto mais alto da hierarquia, as humilhações costumam ser violentas. Na maioria das vezes não há lá ninguém para ouvir as queixas pessoais. Cada um trata de si. Os pequenos chefes não conhecem mais do que o medo de que os apunhalem pelas costas. A raiva cresce. O veneno das falsas promessas toma conta de tudo. São sempre os reis do mundo até a roleta ser posta de novo a girar.
Por incrível que pareça, adotam-se sempre os líderes mais patéticos. As pessoas gostam de ser enganadas.
A direita está em pânico porque ou não sai do sítio ou se sente a afundar a uma velocidade preocupante; a esquerda moderada já não se limita a fazer parte do sistema, é o próprio sistema e conseguiu até que a extrema-esquerda passasse do lado obscuro para o lado claro da força. Já acredita em jedis. A adversidade serve-lhes para reforçar a certeza de que têm razão.
Os seus militantes mais representativos transformaram-se em compulsivos consumidores e animadores do Instagram, Facebook e Twitter. São infobesos.
Querem-nos fazer acreditar que a política se baseia numa história sobre a inocência. Mas todos sabemos que em política a inocência é pura e simplesmente impossível.
Vamos esperar que a política se transforme numa atividade honesta e verdadeira, que sirva para melhorar a vida de cada cidadão contribuinte.
Como defende David Lynch, o realizador de Veludo Azul e Twin Peaks , “em comparação com a eternidade, qualquer espera é sempre pouco morosa”.
É da tradição: o que está farto não entende o faminto. A fadiga parda e o vazio da alma devastaram inexoravelmente o rosto dos homens que se sentam debaixo do velho carvalho à espera do jantar e, mais logo, da morte. Aprendi muito novo a repartir a tristeza pelos dias. É triste ver envelhecer. É triste envelhecer. É triste entristecer. Demoramos a tristeza no adeus envelhecido das mãos, no equilíbrio azul das extensas manhãs de verão, na solidão do sol que teima em penetrar por entre a folhagem das árvores velhas e teimosas do jardim. O rumor das casas também é triste. E a solidão do vento. E o fundo de verdura que costuma fechar o outono. E os gestos da manhã são tão tristes que parecem alegres. As ruas assemelham-se a pontes rebentadas. A guerra atual é feita com as palavras mais tristes. Os dias morrem todas as tardes. Aperta-nos a paciência como se fosse um sapato novo em dia de boda. A dor é uma espécie de juramento condescendente. A esperança segue ao nosso lado com os passos cansados de um lobo preguiçoso. Por vezes é bom irmos até onde os pés nos podem levar. Os cães presos ladram a toda a gente. As pessoas temporariamente felizes reluzem como se tivessem sido untadas com azeite. Sobe-lhes o calor à cara. Ficam abrasadas e leves. Quando a amargura toma de novo conta delas, acariciam a cabeça levemente inclinada e depois os seus dedos transformam-se em ferro e começam a tremer e a enferrujar de imediato. Depois principiam a chorar como se estivéssemos em maio e as suas lágrimas fossem gotas de chuva desgraçadas. De longe vêm alguns amigos. E também alguns sonhos. As sombras derramam as casas. O medo é progressivo. O medo costuma nascer de uma condição horizontal. A luz exerce então o seu fascínio, conduz as linhas ao ponto corrosivo das imagens. As cores ficam ténues. As formas excedem os volumes. As imagens definem-se à tona da água. Isola-se a dor e o tempo dissonante. A chuva deixou de cintilar e as suas águas disseminaram-se em torno do horizonte. Agora já não pesam, enganam. Já não se costuma exaltar o tempo das colheitas. O verde dos campos é breve. O ar é descontínuo. No ar, a mão descreve a distância entre as montanhas e sustém a realidade. As heras enfiam-se pelas frestas. As mãos já não confiam nas águas tépidas. Por vezes, o amor cresce e sufoca dentro de nós. O travo da vingança é muito amargo. O tempo tem tendência a ficar cada vez mais escuro. A fé nos santinhos já se finou há muito tempo. As fantasias agora são outras. Os segredos enchem-se e despejam-se de vazio. Os olhares dos jovens são mais rápidos que setas. Cupido embebeda-se de vinho aquecido com canela. Sente-se a maldade logo pela manhãzinha. Apesar da rapidez, tudo demora mais tempo do que o previsto: o amor, a amizade, a perplexidade, a construção dos pormenores, as conversas. Preparam-se as conversas como fazendo parte de uma ementa de restaurante. O amor já não resiste à combustão. As amizades são pálidas e incertas. O tempo é transversal. As profecias não passam de horóscopos incendiados. Sobre a mesa repousa o pão. O amor não foi ao forno. Já não há maneira de usar os velhos costumes. Lembro-me do cheiro a mel e a incenso que definiam o tempo da Páscoa. Sente-se a vibração do medo. Os sorrisos assemelham-se a rumores secos. As chuvas de inverno abalam as frágeis margens do rio.
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