Na feira
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Uma luz fria flutua por este início de inverno. A manhã mergulha na névoa. A iluminação interior brilha na palidez do spleen. Cada árvore do pomar já escolheu o seu próprio deus. E cada coisa possui o seu demónio de estimação. Nenhum vestido resiste a uma festa eterna. Convém não misturar o céu com a terra. A sorte resulta de um certo tipo de geometria imprevista. O murmúrio é um rio de segredos. A luz produz a sua própria sombra. E a sombra produz o seu próprio assombro. Junto das cerdeiras, os melros desenham os seus voos nupciais. No pouco tempo da infância, o medo ganha alento dentro de nós. Atrapalho-me ainda hoje com a densidade dos olhos dos peixes que a avó cozia no pote. Sofro também com a voz do vento, com o insuficiente amor dos milagres, com os restos e as migalhas das tardes, com a posição fixa das estrelas, com a memória alegre que mata o amor das personagens tristes. Por vezes sinto os campos a tremerem. Nos cavalos guerreiros cintilam os arreios. São como segredos. Os seus olhos estão repletos de mágoa. Nos meus olhos misturam-se as nuvens, as flores, os campos e as ondas do mar. A vida flutua no rio como se fosse luz. Esta paisagem foi a última que restou do paraíso. Vagueamos entre o lado da raiva e da aflição. Apercebo-me do tremor delicado dos teus lábios. Os frutos mais serenos estão nos ramos mais altos das árvores. Parecem longínquos os pássaros que pousam sob os ciprestes. Também o vento que sopra das montanhas parece mais longo. Sinto a paciência a subir de elevador até ao ponto mais elevado do castelo. Os segredos costumam abrir os olhos dos incrédulos. Os deuses devoram a memória, alimentam-se dela. O exílio é a nossa pátria. As metáforas ardem-nos na língua. Reescrevemos a deslumbrada afeição dos versos. Foi a avó que me ensinou a lavar as palavras, a suspender a luz do crepúsculo, a definir a linha do horizonte, a distinguir o canto do melro, a definir a expressão da ausência, a apreciar o ritmo da chuva, a serenar os peixes. Lembro-me do calor fixo das mãos do pai. Debaixo das pontes escondem-se os mistérios. Sinto o peso denso da sonolência. O amor. O desprezo. Sinto-me no limiar da indiferença. A felicidade escolhe as mãos onde quer acomodar-se. O tempo equilibra as verdades e as mentiras. O tempo leva-me para outros caminhos. O desejo vem em meu auxílio. Pouca esperança haverá para quem gosta do frio. Sopram-me ao ouvido palavradas desnecessárias. A ternura é tímida. Quando suplicamos pelo infinito, perdemos tudo: os abraços, as perguntas, a limpidez das brisas, a órbita imensa da diferença. A Bela adormeceu por ter engolido uma borboleta cega. As paredes do seu palácio unificaram-se. As janelas abertas, fecharam-se. A névoa fundiu as montanhas. Os animais ficaram imóveis como se fossem de barro. As palavras velhas caem como se fossem folhas de outono. Parecem figuras sem rosto. A pietà esculpida em granito, que encima o pelourinho, encheu-se de líquenes. Cristo cristalizou no seu próprio sofrimento. O seu olhar piedoso assusta. Sinto-me deslizar pelo meio da impalpável luz das estrelas. Tempero a memória. As minhas raízes estão fora deste tempo. A casa fechada esfria ainda um pouco mais. Parece que vejo pirilampos. Oiço o eco do mar. Brotam lágrimas feridas de morte dos olhos da mãe.
Atualmente, a relação com os meios de comunicação baseia-se em desconfiança e hostilidade.
Vivemos política e socialmente entre uma espécie de clímax trágico e uma forma de clímax humorístico.
Quando se fala de política já ninguém tenta ser sincero.
Talvez a nossa juventude seja traumática, desejando chegar a velha diretamente, sem passar pela secção da maturidade. Os nossos jovens gostam de dizer que se acalmam nos grupos de terapia, que estabilizam emocionalmente nas sessões com o psicólogo, tentando evitar o trauma da paternidade.
Os mais velhos lamentam-se daquilo que deixaram escapar durante as suas vidas, percebendo que já não vão a tempo de compensar o que não viveram. A beleza da juventude magoa-os.
Aos mais novos, a velhice aflige-os e atrapalha-os.
A verdade é que dependemos uns dos outros para darmos sentido à vida.
Muitas pessoas julgam-se astutas, mas são apenas cínicas. As melhores revelam raiva. Mas, como todos sabemos, a raiva é uma forma diferente de simpatia.
O que agora se valoriza não é a autenticidade, mas sim a arte da ilusão.
Um velho ditado chinês diz que “os príncipes tornam-se ridículos quando fingem desconhecer a causa dos seus embaraços, ou quando confundem as suas incertezas com as suas ignorâncias”.
A nova filosofia assenta na velha máxima: o que se pode levar desta vida é o que se come, o que se bebe e o que se brinca.
Caminhamos para uma sociedade corrompida onde os horizontes morais e filosóficos são escassos e, mesmo esses, subvertidos todos os dias por banqueiros, juristas, empresários e políticos.
Todos eles tentam esconder a verdade, que é a mola do progresso. Um dia as contradições da nossa era popular vão explodir. O que nos deve preocupar é a debilidade das lideranças dos partidos democráticos.
O Estado de Direito baseia-se na ética e no realismo. Não na retórica e no socialismo (ou liberalismo).
O todo (os direitos) não existe sem as partes (os deveres).
Os políticos pós-modernos são como aqueles patuscos sem graça que memorizam piadas para serem considerados uns pândegos, tendo ido para as universidades privadas frequentar cursos pré-pagos que conferem garantia imediata a certificado timbrado, para aí aprenderem como abandonar as festas antes de esgotarem o material. Produzem o mesmo efeito da comida aparentemente saudável, mas que intoxica.
Apesar de se detestarem entre si e nos detestarem, parecem todos velhos amigos, considerando-nos impertinentes e mal agradecidos.
Os partidos lá vão fazendo a sua propagandazinha: uma resma de medidas ao acaso, que não os compromete a quase nada, apelidando-as de “programa” para conferir ao arrazoado mal atamancado um cheirinho a seriedade. Numa segunda leitura, se tanto, ninguém consegue respigar um naco de pensamento organizado.
O povo, por seu lado, com a sua independência cidadã, lamenta-se. Mas lá vai votar. E nos mesmos, para não se deixar surpreender. Ai o povo, o povo mais a sua santa sabedoria.
Os partidos vivem na indiferença, sendo o centro da inércia e da incapacidade. Não sabem o que é ter vergonha. Ou falta de caráter. Os animais não conseguem aperceber-se do seu próprio cheiro.
Mesmo o poder autárquico se transformou num exemplo de extravagância, megalomania e, muitas das vezes, em puro latrocínio.
Parece que não existe um único político em Portugal responsável pelo défice e pela dívida. A oligarquia partidária confunde-se com a oligarquia dos negócios.
O nepotismo e a corrupção derivam da fraqueza do poder democrático e da ausência de uma entidade verdadeiramente fiscalizadora. De facto, todos nos apercebemos da irrelevância do Presidente da República, do Parlamento e das suas comissões. Nem o Governo governa, nem a Assembleia controla. E as câmaras municipais funcionam como verdadeiros feudos.
Temos de nos perguntar quais foram os génios que deixaram o país pobre e endividado, acumulando milhares de milhões de dívida que jamais poderá pagar.
Lá bem no fundo, o FMI e todas as outras instituições financeiras internacionais, sabem que Portugal é uma folha de papel que vale tanto como o Novo Banco.
Apesar de usarem elegantes e vistosos fatos azuis Hugo Boss, os nossos políticos, mais as suas ideias feitas, cheiram sempre a naftalina.
E que lindos karaokes eles fazem.
A casa está iluminada, florida. O seu centro abre-se com os efeitos da magia. Depois da chuva, veio o luar. Percebe-se o brilho das estrelas através dos ramos das árvores. Uma compaixão sublime envolve a noite. Aflige-me esta simplicidade trágica. Faz-me pensar nos primeiros mártires do cristianismo. Consola-me a ideia de amanhã irmos para as matas apanhar míscaros. O rio parece pálido e com febre. Agora também os rios adoecem. Alguns chegam mesmo a morrer. Os meninos já não se assemelham aos anjos. Parecem feitos de vidro e metal. As confidências são agora operações indolores. A mãe costumava dizer que perdera ao mesmo tempo a virgindade e uma bolinha brilhante que iluminava o seu brinco de ouro esquerdo. O bosque continua a guardar este e outros segredos. Ninguém consegue medir a virulência das paixões da adolescência. O amor clandestino revela sempre condições falsas de relacionamento. Agora o Romeu ama outro Romeu e a Julieta outra Julieta. E parece que daí não vem mal ao mundo. Perdoem-me a má-fé com o género humano. É mesmo defeito. Continuo a querer chegar ao fundo dos enigmas. Todos tentamos combater a bestialidade que transportamos dentro de nós com filosofia e paixão. Quem acredita na ressurreição está salvo. O amor é irredutível a qualquer tipo de originalidade. A preocupação com o sexo torna-o vingativo. Coitados dos pobres que são bonitos demais para as suas posses, nunca passarão de anjos sem asas. Oiço os passos dos veados que se deslocam para a densidade silenciosa do bosque. As vinhas e as oliveiras estão carregadas de distância. A noite ainda não caiu. Alguém se veste como se estivesse com a intenção de cometer um crime. Alimento-me na condição satânica de um desejo indestrutível. Quem com ele nasce, com ele acaba por morrer. Há corpos sem alma e também almas sem corpo. A avidez transforma o luxo em fome. Já me vai faltando paciência para correr caminhos e observar catedrais. A quem possui a febre da ascensão convém recordar a lei da gravidade. A eternidade constrói-se e desfaz-se todos os dias. Hora a hora, segundo após segundo. O instinto é a fonte de toda a autêntica individualidade. Sonho ir de burro até Jerusalém. Mas é viagem de ida sem lugar a volta. A ânsia transforma o espaço e as horas. A terra está despovoada e os poucos colonos velhos são gente estranha. A terra natal transforma-se sempre na nossa terra prometida. Jerusalém habita em nós. Depois de levantarem os nevoeiros, nasce uma nova manhã eterna. Tenho saudade das distâncias, da claridade. Todos temos medo do escuro. A difícil arte da liberdade continua a ser uma intenção. Uma intenção provocadora. Deixo correr a água das chuvas dentro de mim como se fosse um desleixo. Olha para ti como se fosses um jacarandá. O assombro é uma coisa íntima. Pelo meio das paixões difusas, encontram-se sempre meias verdades. Os fantasmas vêm de outras idades e de outras verdades. Já lá vai o tempo em que Adão e Eva se deitaram no chão depois da pecadora comer a maçã. Nesse momento tornou-se fértil. Outros pecados nasceram então dentro de si. Foi o pecado a origem da sua humanização. Com o seu rabo esmagou a flor da amargura. Adão pôs-lhe a mão em concha onde devia. A frescura fez-se lume. Depois visitou-a um anjo que falava em verso e que continuou a aparecer a mulheres que fizeram história. O que não se sabe é se o ungido nasceu sem dor.
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