Lameiros
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Uma semana antes do seu vigésimo sétimo aniversário, em abril de 1476, Leonardo da Vinci foi acusado de se envolver em sodomia com um prostituto. Aconteceu ao mesmo tempo que o seu pai teve finalmente um filho legítimo que se tornaria seu herdeiro.
A verdade é que Leonardo se sentia romântica e sexualmente atraído por homens e não revelava ter qualquer tipo de problema com isso.
O relacionamento que durou mais tempo foi com um jovem de ar angelical, mas com uma personalidade diabólica, conhecido pela alcunha de Salai (o pequeno demónio). Descreveram-no como “um jovem gracioso e belo, com um deslumbrante cabelo encaracolado com o qual Leonardo se deleitava”.
Walter Isaacson, na biografia que escreveu sobre o génio italiano, refere que nunca se soube da relação de Leonardo com uma mulher. O próprio chegou a fazer registos ocasionais sobre a sua aversão à simples ideia da cópula heterossexual. Num dos seus famosos cadernos escreveu: “O ato sexual do coito, e as partes do corpo nele empregues, são tão repugnantes que, não fora a beleza dos rostos, os adornos dos atuantes e o impulso mal contido, a natureza perderia a espécie humana.”
Convenhamos que a homossexualidade não era incomum no seio da comunidade artística de Florença, ou no círculo do mestre Verrocchio. O mesmíssimo mestre de Leonardo nunca casou, tal como Botticelli, que também foi acusado de sodomia.
Havia outros artistas conhecidos que eram homossexuais: Donatello, Miguel Ângelo e Benvenuto Cellini. Este último foi duas vezes declarado culpado de sodomia.
De facto, l’amore masculino (designação de Leonardo, segundo Lomazzo) era tão comum em Florença que na Alemanha a palavra Florenzer se transformou em calão para “homossexual”.
Na altura de Leonardo da Vinci, existia, entre alguns humanistas do Renascimento, um culto à volta de Platão, que incluía uma perspetiva idealizada do amor erótico por rapazes belos. Ou seja, o amor homossexual era celebrado tanto em poemas como em canções obscenas.
Apesar da licenciosidade dos costumes, a sodomia era considerada crime, como Leonardo veio penosamente a saber, pois foi várias vezes alvo de ações judiciais.
Entre 1432 e 1492, foram acusados de sodomia em Florença cerca de quatrocentos homens por ano. Destes, cerca de sessenta foram culpados e condenados à prisão, ao exílio, ou mesmo à morte.
Para a Igreja, os atos sexuais eram considerados pecado. Numa bula de 1484 equiparava a sodomia a “relações sexuais com o demónio”. E os padres não se cansavam de se insurgir contra ela.
Dante, o autor da “Divina Comédia”, ilustrada por Botticelli, que da Vinci venerava, relegou os sodomitas, misturando-os com os outros ímpios e usurários, ao sétimo círculo do inferno.
Esta atitude teve muito de hipócrita, pois Dante expôs os sentimentos contraditórios de Florença para com os homossexuais louvando, no seu poema eterno, um dos cidadãos que havia colocado naquele círculo, o seu próprio mentor Bruneto Latini.
Alguns estudiosos, seguindo Freud, defendem que em Leonardo os desejos “homossexuais passivos eram sublimados”, reprimidos e canalizados para o seu trabalho. Basearam-se para isso em alguns dos seus escritos: “Quem não puser freio aos seus desejos libidinosos, coloca-se ao nível das bestas.”
Mas uma coisa é o que se diz e outra o que se faz. Não existe qualquer motivo para acreditar que Leonardo se tenha mantido celibatário.
Antes bem pelo contrário. A sua vida e os seus cadernos confirmam que não tinha vergonha dos seus desejos sexuais. Ao que tudo indica, gostava de divertir-se com eles. E daí não veio mal ao mundo.
Num dos seus cadernos, numa seção que intitulou “Do Pénis”, descreve com uma certa ironia, como o pénis tem uma mente própria, agindo de quando em vez, sem o desejo do homem: “Por vezes, o pénis demonstra um intelecto próprio. Um homem pode desejar que seja estimulado e ele continuar obstinado e seguir o seu próprio caminho, às vezes movendo-se sozinho sem a autorização do dono. Quer esteja acordado ou a dormir, faz o que quer. Muitas vezes, quando o homem o quer usar, ele tem o desejo contrário, e amiúde deseja ser usado e o homem não o permite. Parece, portanto, que essa criatura tem vida e uma inteligência separada do homem.”
A verdade é que os seus desenhos de homens nus tendem a ser obras de beleza afetuosa, muitos deles representados de corpo inteiro. Já os seus quadros com mulheres, por contraste, aparecem vestidas e exibidas da cintura para cima.
Apesar disso, e ao contrário de Miguel Ângelo, Leonardo revelava toda a sua mestria quando se dedicava a pintar mulheres. Mona Lisa e os seus retratos de mulheres são profundamente complacentes e psicologicamente introspetivos.
A casa onde se nasce é um organismo vivo dentro da nossa cabeça. Agora benzem-nos com a depressão. Procuro a verdade do tempo dos meus antepassados dentro da verdade do meu tempo. Utilizo o neorrealismo para combater o neorrealismo. O relevante é a imperfeição, não a representação. A imperfeição tortura a forma. O futuro faz parte de uma experiência anterior. O acaso é fruto do trabalho surrealista das mãos dos anjos. A limpidez do teu olhar entrou em mim com a força selvagem dos indomáveis. A simplicidade é a máxima obra-prima. E ali estamos nós no ateliê do Boulevard Saint-Jacques, na incómoda companhia de Mário Cesariny ai meus deus de Vasconcelos, a assistir à pintura de Helena Vieira da Silva e de esse tal Arpad, o húngaro (Deus os abençoe), preenchidos pelo estranhíssimo espírito das revelações inéditas. Todas as mãos dentro da água engelham. O dia cresce entre a terra e o céu. Dois bois deitados sobre a barriga olham de frente tudo o que fica longe. O seu pelo ainda tem restos de orvalho. O aroma verde dos campos distribui-se de forma harmónica. O mesmo sol aquece as terras antigas. Nem as nuvens se mexem. Nem os rios se ajeitam. O silêncio separou-se da realidade. As brisas são como lembranças. Na tua mão quieta pousam borboletas trémulas. A memória cobre o crepúsculo, as árvores e a inclinação desajustada dos corpos. Garças voam por cima do nosso sono. Adivinho a flutuação da espuma, as densas brumas da eternidade, o débil tributo do amor. Acredito no rigoroso acaso do nascimento do homem. Deus criou tudo isto a partir da sua cegueira, pois só um cego consegue criar tanta beleza sem dela se aperceber. Não é necessário ver para criar. Os dias felizes viajam rápido dentro de nós como se fossem nuvens empurradas pelo vento norte. Nesses momentos, a maioria das palavras são inúteis, ao contrário dos olhares que nos fazem fluir como a luz do sol. Cintilam agora os insetos mínimos ao pé dos ciprestes vagarosos. Mais logo, quando voar o silêncio, ficarei à escuta para ouvir a música da chuva e do vento. Quando os vultos humanos se aproximam do jardim, fogem os pássaros e as borboletas. Dissolvem-se no tempo todos os nossos vestígios. Apesar de o vento ser o mesmo, o movimento das folhas é diferente. Cordas de chuva caem sobre a cabeleira clara da manhã. O arco-íris salta para a manhã seguinte como se fosse uma serpente chinesa. Descanso os olhos sobre o vale que se acalma depois da tempestade. Os cães ladraram a noite inteira. Na madrugada, o canto dos galos rodeou toda a aldeia. A noite chuvosa destruiu as últimas flores. Os homens parecem arrependidos do seu tempo. Dizem que para eles perdeu todo o sentido. Sentem-se como cigarras no deserto. Os reis magos esqueceram a posição da sua estrela polar. Perderam-na na busca da sua utilidade. Não encontraram o menino. Coitado do menino. Coitados dos reis da magia. À mãe nasceram-lhe lírios nos pés. Ao pai, matou-o o remorso. Tenho os olhos molhados de lembranças: os ruídos, os silêncios atordoados, o caminho das uvas, a voz coada dos pássaros, o canto dos grilos, os tambores de lata, gnomos a descerem pelos raios de luar. Mil lírios. Um milhão de estrelas. As ausências são cada vez mais. São elas que me dessangram os caminhos. As suas sombras. As horas sem relógio. Os poemas brancos. A infinitude dos sonhos.
Os líderes míticos portugueses são personagens de romance. Todos eles. É também esse o caso do Rei-Presidente Sidónio Pais.
Em abril de 1928 foi eleito Presidente da República por sufrágio universal, na altura unicamente masculino. Enormes massas de povo juntaram-se a Sidónio, aclamando-o como um salvador.
A verdade é que ascendeu à chefia do Estado de forma discreta a partir do exercício da sua função de professor universitário. De facto, Sidónio Pais, ao contrário daquilo que muita gente pensa, não era líder militar, nem chefe de partido. O que faz deste episódio um dos mais estranhos da história política portuguesa do século XX.
A verdade é que a sua vida tinha girado muito em volta do jogo a dinheiro, em que se viciou, e também dos namoros extraconjugais. Em 1906, escandalizou a sociedade ao abandonar a sua legítima esposa e os cinco filhos para ir viver com uma amante, que, por acaso, também era casada.
Foi só em 1910, com a implantação da República, que Sidónio Pais alcançou a sua oportuna iniciação maçónica. Começou a acumular cargos: vice-reitor da universidade, presidente da Comissão Administrativa Municipal de Coimbra, administrador da Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses, deputado à Assembleia Nacional Constituinte (1911), ministro do Fomento e das Finanças dos primeiros governos constitucionais (1911-1912) e finalmente embaixador na Alemanha (1912-1916).
O célebre escritor e político republicano João Chagas encontrou Sidónio em Paris, quando ele regressava a Portugal depois da declaração de guerra da Alemanha (março de 1916) e ficou mal impressionado pela sua magreza, pelo seu mau francês e pelos rumores sobre a sua movimentada vida sexual. Não teve dúvida em o considerar uma “personalidade insignificante”.
Dizem que foi o modo como era subestimado o que o ajudou na conjura em que acabou por se envolver em Lisboa, no verão do ano seguinte.
Os pormenores da conspiração de Sidónio Pais nunca foram claros.
Foi com o apoio de um amigo agricultor, António Miguel de Sousa Fernandes, que, seguindo a receita tradicional para sublevar a guarnição de Lisboa, contactou oficiais de baixa patente, sargentos e voluntários civis. A polícia, informada dos seus movimentos, não o prendeu porque nunca lhe deu importância.
No meio da bagunça que se instalou em Lisboa, nos primeiros dias de dezembro de 1917, mal se soube da rendição do governo de Afonso Costa, o povo assaltou e destruiu as casas e os escritórios dos ministros e de todas as sedes, centros escolares, cantinas e jornais do PRP, na capital. Multidões bailaram e cantaram à volta das fogueiras onde ardia o recheio dos edifícios saqueados: “Tudo dança, tudo dança, \ Tudo dança, tudo gosta, \ Já caiu o Ministério \ Já morreu Afonso Costa.”
Foi então quando Sidónio se pôs ao comando das tropas revoltadas no Parque Eduardo VII, ao princípio nervoso, depois com determinação implacável, competência técnica e bom humor, sempre a fumar e a comer chocolates. A 11 de dezembro, de presidente da Junta Revolucionária passou a chefe do Governo.
Avisou que “iria vinte vezes ao parque Eduardo VII para combater a demagogia”. O povo começou a admirá-lo como um “teso”, um “valente”. A oligarquia política acreditou finalmente que ele falava a sério quando afirmou: “não sirvo para ser o guarda temporário do país”. De homem discreto passou a herói providencial.
Sidónio aumentou os prés, melhorou o rancho e multiplicou as paradas militares, onde o exército pode exibir um novo aprumo e o recente material de guerra.
Resolveu então romper com os partidos republicanos. “À revolução feita com os tiros dos canhões, teria de se seguir outra, mais difícil, com base numa reviravolta de espíritos”.
A 9 de maio de 1918, numa cidade em festa, em cima do cavalo e de espada desembainhada, assistiu a uma enorme parada da guarnição militar da capital, enquanto dois aviões sobrevoavam a cidade. Nos dias seguintes, o Presidente teve sucessivos banhos de multidão. A imprensa notou a “excitação do público feminino”.
A 14 de dezembro foi alvejado no peito com um tiro, em plena gare do Rossio. Há duas versões das suas últimas palavras. Para uns terá dito: “Não me apertem, rapazes”. Para outros, despediu-se com uma deixa mais teatral: “Morro bem, salvem a Pátria”.
Segundo Fernando Pessoa, o sidonismo salvaguardara o que de fundamental os republicanos tinham feito: a expulsão da dinastia e a negação de um papel político ao clero católico. E, sobretudo, tentara dar um passo fundamental na eliminação do tipo de políticos profissionais, bacharéis e caciques que governavam a república como já antes tinham governado a monarquia constitucional.
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