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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

09
Jan20

Poema Infinito (490): Os limites das brumas

João Madureira

 

 

Vivo nessa visão distanciada do real a que chamam lucidez. E, no entanto, consigo sobreviver-lhe. A lucidez, por vezes, pode ser eufórica. Afinal, por que razão Bernardim Ribeiro morreu doido no Hospital de Todos-os-Santos em 1532? Afinal, quem governava a cidade à base do medo, da culpa e do castigo? Os santos heréticos ficam sempre à porta das escrituras canónicas. Assim entende-se melhor a solidão. E a inquisição. Há sempre excesso de pedintes num país pobre. O mês mais traiçoeiro é o de abril, onde tanto pode nevar como fazer um sol de estio. É espantoso que os mesmos homens que fizeram o 25 de abril em nome do socialismo tenham acabado a servir o capital de forma tão amável. As revoluções com flores dão nisto. É difícil esclarecer o que não tem esclarecimento possível. Também as chaves, apesar da sua verticalidade, possuem uma poesia muito própria. Viver o desejo é diferente de viver o trabalho. Apesar do jardim das futilidades, continuo a venerar o sol que dá luz e cor aos dias. A invisibilidade é a principal característica divina. O mundo pós-moderno assemelha-se a uma exposição surrealista cheia de arcas góticas, castelos estranhos e excêntricos poemas negros. Incomoda-me o urbanismo formal dos paralelogramos. Por isso, o desespero cresce. E o desespero do desespero. A lógica acaba por assassinar a linguagem. Oiço atrás de mim um rumor de folhas pisadas. O pai andava assim. A parte mais agradável da vida é baseada na nossa própria imaginação, imaginando-nos, imaginando os outros. Depois tudo se desfaz em pó. A luz dança diante dos nossos olhos como se fosse pintada por Leonardo da Vinci. Os limites da bruma ficaram indistintos contra o azul do céu. As espirais da natureza dizem que estou dentro de um quadro do Mestre. O sol brilha do lado esquerdo da imagem. As sombras dos muros revelam um azul escuro especial. A perspetiva nebulosa é atmosférica, já as pedras irregulares são puramente imaginárias. A Madona Benois com o seu filhinho ao colo deleita-se com a sua curiosidade. A estupefação advém de tanto a mãe como o filho pressentirem a crucificação. A flor observada tem a forma de cruz. Também eu gosto do silêncio brumoso da luz do crepúsculo. É frágil e definitiva, a espuma dos dias. Compreendo melhor agora os anjos instrutores, o seu silêncio estrelar, o seu trabalho sobre-humano, as suas respostas invisíveis. Lembro-me de comermos em redor da mesa, junto à lareira. Comíamos e falávamos. As nossas sombras moviam-se pelo chão e pelas paredes. As nossas vozes e os nossos gestos eram de aconchego. As paredes seculares são agora mais densas e frias. No inverno costumava nevar. Os lobos aproximavam-se dos povoados. Sentíamo-nos vivos entre o vinho e as brasas. Envolvíamo-nos em ternura e em lã. As saudades não admitem pedidos nem dão respostas. Os seus olhos são feitos para chorar. Tristes dos anjos da guarda que foram criados para nada desejarem. Os telhados, agora limosos, cobriram palavras, camas, armários, cópulas, enfermidades, nascimentos e mortes. E também heroísmos e desilusões. Faz parte da nossa condição ter os pés no abismo. O arado que fecundou terras, agora abre os sulcos do esquecimento. Sobre a frágil ponte que une as duas partes da aldeia nasceu um arco-íris muito breve.

06
Jan20

475 - Pérolas e Diamantes: Pode não parecer...

João Madureira

 

 

Pode não parecer, mas a história não é uma ciência. É antes uma espécie de género literário. Como diz Vasco Pulido Valente, o que a academia acha que são ciências – a sociologia, as ciências políticas e, sobretudo, as relações internacionais – não passam de fraudes.

 

As ciências sociais, ainda na douta opinião de VPV, possuem o mesmo estatuto ontológico de Deus: não existem.

 

Talvez por isso mesmo, VPV se tenha dedicado às crónicas em vez de perder tempo com a história, a sociologia e fraudes afins.

 

Em muitas delas zurziu em Cavaco Silva como em centeio verde. Ele que foi um dos primeiros entusiastas do homem de Boliqueime.

 

Escreveu que o dr. Cavaco, quando foi primeiro-ministro, fez muito mal a este país. Não percebeu que o necessário era fazer a reforma de Portugal. Apesar de ter muito dinheiro para modernizar Portugal, limitou-se a mandar fazer umas estradas. E também transferiu uns subsídios para a lavoura numa tentativa de acabar com a agricultura de subsistência. E, claro está, não acabou. Deu cabo foi da outra. Deu dinheiro a pessoas que tinham duas vacas para deixarem de ter duas vacas. Os donos das vacas receberam o dinheiro, compraram um carro e abriram um café. De repente havia cafés por todo o país e a agricultura de subsistência continuou.

 

Na sua opinião, que não é única, “Cavaco é muito inculto e começa por ser muito inculto politicamente”.

 

São três os impasses que bloqueiam a sociedade portuguesa: o da modernidade, o da competitividade e o da reforma do Estado.

 

Portugal é um país em constante modernidade. O slogan é perpétuo. E a razão é simples: uma país que não produz inovação está sempre a modernizar-se, insistindo na tentativa de chegar à modernidade que os outros geraram. Só que nós chegamos sempre lá tarde e a más horas.

 

Quando qualquer governante diz que vamos inovar, o que quer dizer é que devemos ir copiar a inovação dos outros. A lengalenga já vem desde o século XVIII. A nossa modernização nunca passou de imitação.

 

Imitando melhor ou pior, o problema é que tal prática deforma sempre o modelo pretendido.

 

No topo da hierarquia do Estado temos um senhor risonho, ligeiramente sassamelo, que tira milhares de selfies e dá beijinhos a tudo que mexe. Sobretudo velhinhas, a quem se abraça e enxuga as lágrimas.

 

Ora isto não é política, nem representação. Pois ele não representa nada. Nenhuma solução ou direção política.

 

É um presidente divertido.

 

O gráfico de pirâmide da sociedade portuguesa tem atualmente a forma de uma pera. Possui uma tira gorda no meio, formada pelos que caíram de cima e pelos de baixo que subiram. Na base está uma faixa mais pequena, mas relativamente larga.

 

Assistimos a uma proletarização preocupante da classe média. Essa é a nova força social que vota preferencialmente à esquerda: professores, médicos, advogados, investigadores, enfermeiros, informáticos, analistas, arquitetos, técnicos de diagnóstico, fisioterapeutas, etc. Uma coisa os caracteriza: alta qualificação técnica, mas sem o prestígio social que antigamente lhes correspondia. Sentem-se frustrados porque ou desceram ou não subiram socialmente. Uma coisa os atormenta: a brutal precariedade das suas vidas.

 

Normalmente falamos de precariedade no emprego. Mas há ainda uma precariedade mais importante: a da situação social.

 

Não. Não se trata de socialismo, mas de procurar uma vida nova. A decência. O direito a ter futuro.

 

Portugal, e a Europa também, sabe que necessita de reformas, mas não quer reformas. O facto é que os portugueses não suportam demasiada realidade. Normalmente, costumam fugir dela, ou fazer que não a veem. Este Estado, denominado de providência, transformou o cidadão normal numa espécie de ser irresponsável. Daí os dirigentes da democracia fazerem carreira em lhes mentir.

 

Mas o problema continua a estar no sítio do costume. Os nossos políticos são quase todos maus. E as militâncias partidárias também não primam pela qualidade. A obediência assenta facilmente nos medíocres. Daí os partidos se terem transformado num bando de papagaios, sempre prontos a obedecer ao chefe. E sempre por interesse pessoal. Daí se exprimirem essencialmente através da intriga. 

 

Nenhum regime político resiste à impotência. Já chega de medo e desleixo. De corrupção. Necessitamos urgentemente de atos positivos.

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