Trabalhando
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Encontro-me no interstício superior do fluxo mais violento do tempo. As rodas dentadas continuam a cair dos relógios. Por vezes os trilhos conduzem a um precipício. São como o fojo dos lobos. A verdade é que os comediantes também morrem. E até os heróis de banda desenhada. E os domadores de coelhos. Vivam os adeptos do culto da vulgaridade. Há também os mestres na exposição do ridículo. Eu sou apenas o conciliador do inconciliável. E com isso me basto. A insatisfação é uma urgência. Vacilo entre os elogios e os sarcasmos, entre a raiva e a ternura, entre o entusiasmo e a impertinência. Agora já consigo olhar de frente a luz bruxuleante e pálida que define as recordações. Dói-me a nitidez dolorosa das fotografias antigas. Para trás ficou a saudade permanente da velha casa onde nos esquecemos dos livros de histórias e das janelas abertas para o rio onde os gordos gatos mimados invariavelmente se deitavam sobre os parapeitos. É densa a memória do cheiro a resina. E o som do velho comboio. E a melancolia desesperada da nossa infância. O problema da beleza humana é a decadência. Também os grandes escritores enchem as suas obras-primas de lugares-comuns. Sou politicamente infeliz. Por aqui tudo é tão vulgar como o ar que respiramos. A falta de realização provoca sofrimento. Poucos percebem a nossa paisagem interior. O estremecimento é profundo. Sente-se por todo o lado. Não existe bem sem mal, nem mal sem bem. Não se concebe o Novo Testamento sem o Antigo Testamento, apesar de ambos serem mais antigos do que as igrejas. Ainda me atrapalho quando me lembro de estar doente e ver a luz através dos ciprestes. A verdade é que até as grandes naus podem acabar os seus dias à deriva. Aprendemos a estar abertos a todas as compreensões e a todas as incompreensões. O horizonte é tão imenso como o berço da inocência. O comboio da alma apita como se tivesse medo do dia. Os olhos dos emigrantes estão repletos de navios. Gosto da exatidão do teu nome, da rapidez das descidas do teu corpo, da humidade perpendicular do teu sexo. E do filtro de magia que envolve os teus lábios. O dia começou de forma finita, ondulado de melancolia, enlaçado pela insegurança do vento. Depois, os pássaros descobriram a cadência de uma nova passagem. Damos as mãos por cima das horas. Adão continua errando pelo labirinto que possibilita a saída do Paraíso. O pecado de Eva é mais nítido à distância. O seu corpo transparece de exigência, revelando uns olhos de vidente. A pureza costuma ser trágica. Amaldiçoados sejam os que procuram o sabor do sangue e a sua aragem noturna. O seu ângulo de tragédia. Aumentamos a vida com palavras que correm para evitar o vazio. Gestos densos abstraem os sorrisos. Ainda não sei de onde te vem a exatidão. Dizem que a pureza resulta da soma do bem com o mal. Costumo encontrar, por vezes, o infinito no contorno breve da neve, no colo das constelações, nas mãos das tempestades, no espanto da luz. O rio que passa na minha aldeia dizem que vai desaguar ao fim do mundo. O peso agressivo da divindade deve-se por inteiro aos vendilhões do templo. Maria Madalena costuma transformar-se em flor do mal e fornicar com Baudelaire enquanto ele bebe uma cerveja no inferno. A impiedade esmagou o príncipe da verdade. A terra de Israel ainda tem o cheiro a carne crucificada.
O economista francês Thomas Piketty, no seu novo livro “Capital et Ideologie”, afirma que a ideologia é o motor do capitalismo e que a esquerda social-democrata na Europa e nos EUA se transformou numa espécie de casta beneficiando da globalização e da revolução do conhecimento.
A sua tese é que a social-democracia necessita de ser refundida. Piketty batizou esta nova corrente política de “socialismo participativo e internacionalista”, mas faz questão de esclarecer que retira do termo “socialista” qualquer tipo de carga marxista ou totalitária.
Esta refundação, proposta por Piketty, tem a ver com o aburguesamento da social-democracia, porque hoje mais não é do que a emanação de uma nova elite, que denomina de “elite brâmane” para lhe atribuir o colorido da casta alta hindu.
Na sua opinião, o capitalismo atual do Ocidente está dominado por “duas elites”: a social-democrata à esquerda (que corresponde em Portugal ao PS) e a “mercantil e financeira” à direita (entre nós representada pelo PSD/CDS).
Ambas ganharam mais do que todas as outras camadas sociais com a denominada “mundialização hipercapitalista e digital a partir dos anos 90”.
Segundo o professor do ISEG, Alexandre Abreu, “a corrente dos partidos social-democratas foi cooptada pelo neoliberalismo, o que é essencial para a compreensão de duas coisas: o sucesso do próprio neoliberalismo e o colapso da social-democracia”.
E tudo isto aconteceu porque a história recente da Europa varreu a famigerada “terceira via” do denominado trabalhista Tony Blair ou o neue mite (novo centro) do SPD alemão, de Gerhard Schröeder. E fez colapsar o PASOK na Grécia e o Partido Socialista Francês.
Foi o distanciamento político por parte dessas elites partidárias em relação às massas populares e as dinâmicas inerentes à globalização e à revolução do conhecimento que provocaram um autêntico exército de vítimas nas economias mais desenvolvidas.
O economista francês dedica muitas páginas do seu livro à análise sociológica da “anatomia de um divórcio entre a esquerda eleitoral e as classes populares”.
Piketty refere que a razão de isto tudo ter acontecido se deve ao facto das classes médias terem sido vítimas da “tromba de elefante”. Ou seja, os 40 % do meio viram os seus rendimentos serem reduzidos desde os anos 80, enquanto os 50% de baixo captaram 12% do crescimento do rendimento real por adulto e o 1% do topo captou a fatia de leão de 27%. Segundo este estudo, os do meio deverão continuar a perder até 2050 cerca de dois pontos percentuais, enquanto o 1% do topo irá arrecadar seis pontos percentuais.
Um dos casos mais gritantes fora das economias desenvolvidas é o Brasil, que, por muito que isso custe a certa esquerda autista e folclórica, revela o erro de palmatória do PT de Lula e Dilma Roussef. A questão não radica no facto dos tais 50% de baixo terem beneficiado com as presidências do Partido dos Trabalhadores. O problema é que isso fez-se inteiramente à custa das classes médias. O PT, ao contrário do que apregoa, não fez uma verdadeira reforma fiscal que mexesse com o poder económico dos 10% de cima, que detêm mais de 55% do rendimento, muito acima dos EUA, da Rússia ou mesmo da Índia.
É a anomalia produzida pela tal tromba do paquiderme que está a alimentar o populismo. Piketty considera que o termo mistura tudo “numa sopa indigesta” que se deve evitar a todo o custo. Ele prefere falar de social-nativismo, relativamente ao nacionalismo com demagogia social, e de nativismo bilionário, ao estilo de Trump.
Relativamente às políticas públicas, o economista francês defende um verdadeiro choque fiscal sobre as fortunas, nomeadamente para financiar novas medidas e ampliação do estado social, com destaque para o ensino e também a criação de uma espécie de herança de 120 mil euros dada pelo fisco a todos os cidadãos quando fizerem 25 anos.
A maior preocupação do Thomas Piketty, e que o levou a escrever o livro, é a de tentar perceber o porquê da longevidade da desigualdade nas sociedades capitalistas modernas.
Descobriu que “o capital, desde que constituído, reproduz-se mais depressa do que o crescimento da produção”.
A solução, para Piketty, não é a promoção da lutas de classes para atingir o domínio dos meios de produção, mas uma revolução fiscal.
A sua conclusão é que a desigualdade “não é económica ou tecnológica, é ideológica e política”.
Começaram a chover em bruto pesadas gotas sopradas pelo vento contra as janelas da casa. O tempo entrou numa segunda fase. A velocidade deu lugar à lentidão. Os meus heróis nasceram nas histórias de cordel. As almas embrionárias continuam cheias de assombros. Quem dorme sobre dicionários antigos costuma ter sonhos e pesadelos em latim e grego. Sobre o lado esquerdo aparecem poemas de ousado erotismo. As poças de luz estão em constante mudança. Andamos cegos pela velocidade dos atos e dos factos. A luz esvai-se lentamente. A luz é uma ilusão. A pressão no interior da casa é muito menor do que no exterior. As divisões estão limpas pelo vazio. Alguém tenta passar por aqui vindo de outro tempo. A verdade é que o ponto imóvel do mundo também gira, mas numa outra rotação. Ainda não chegaram aqui os vestígios da alvorada. Há respostas que formulam as perguntas. Os teus olhos estão em chamas. Olhar de dentro um sistema é sempre abrir uma porta a uma margem improvável de rebeldia. Já me esqueci da voz da avó, mas lembro-me impulsivamente da sua morte. Sem memória estamos perdidos. O culto da vulgaridade não é bom. Os guerreiros suprimem sempre o ato de o serem. Chega então o momento da saudade. Por vezes acordamos e não sabemos bem para quê. As horas parecem ratos. A luz passa pelas janelas. Os olhos parecem cegos. Reparo então na cor especial da pele e no crescimento das asas do anjo da guarda que alguém imobilizou num quadro da parede. Dizem que as colmeias do monte explodiram e que as abelhas, desesperadas, começaram a voar em sentido contrário. Os deuses das pequenas coisas ficaram presos no mel das colmeias. Os olhos dos santos dos postais que a mãe me deu quando fiz a comunhão solene implodiram. Ela deixou de tomar os comprimidos. Sinto-me a cavalgar em cima de cavalos marinhos. Agora há excesso de desastres domésticos. A forma do tempo congela os afetos e os factos e a lógica de tudo aquilo que é óbvio. Dizem que os violoncelos são instrumentos masculinos. Duvido. O seu som é demasiado sedutor. Os homens são bons a debruçar-se sobre a sua própria dedicação. A aguentar os dias sem transcendência. E a forçar possessões. Ou então tentam fugir para o dia seguinte. A sua tristeza é invisível. Já as mulheres possuem a fragilidade das plantas sensitivas. Nelas nasce a voz dos enigmas. Nunca deixam que as suas sombras oprimam os pássaros. Gostam de sorrir como quem descansa. E costumam imitar as curvas da terra. As mais ágeis dedicam-se a abrir as asas em silêncio. A solidão foi criada por Deus num momento de arrependimento. Foi também ele que abriu os braços para dar as boas-vindas aos algoritmos que permitem a inteligência artificial. Relatos de dor perfuram as cidades. Muitas palavras ficaram insones. Ainda reconheço o carinho pelo alívio que provoca. As cores mais fortes do amor são quase invisíveis. São difíceis de detetar. Também existem as partículas espelhadas que se acomodam no que resta do espaço útil que ocupamos. Então esperamos que nada aconteça. Mas que a luz brilhe na escuridão. Já não nos assustam os versos complicados. Nem os beijos fora de horas. Faço de mar. Os salmões parecem salmos. Sobre o abismo paira a euforia das ondas. Os meus olhos continuam à deriva dentro dos teus. Acabaram as concessões para a felicidade.
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