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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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11
Mai20

490 - Pérolas e Diamantes: A democracia e os soluços

João Madureira

 

 

Por vezes dizemos que não queremos aquilo que verdadeiramente queremos.

 

Faz parte da ambição dos mais ambiciosos dos ambiciosos querer saber tudo, dispor de tudo, poder tudo e tudo alterar.

 

A autoridade competente é muito veloz. Muitos inteligentes, quando se perdem nos caminhos das serras dizem que foi porque elas mudaram de lugar.

 

Alguns gritam pela lei, pela lei que lhes assiste. A verdade é que cada um tem a sua lei. Há os que são bons a fazer e a executar. Existem outros que são bons precisamente no contrário. A esses escolhemo-los para produzirem as leis que são muito ao jeito de ordens. 

 

Por alguma razão será que quando estamos com soluços costumamos engolir o ar.

 

O interessante nunca está na partida e muito menos na chegada. Mas na travessia que fazemos.

 

O problema maior são os judas.

 

A mim, as despedidas provocam-me uns princípios de febre.

 

Apesar de nada ter arranjo, é bom não nos deixarmos invadir pela tristeza. O que não tem arranjo, arranjado está.

 

A verdade é que não posso estar mais de acordo com o que escreveu Camilo José Cela. Penso amiúde “que as ideias religiosas, morais, sociais, políticas, não são senão manifestações de um desequilíbrio do sistema nervoso. As ideias e os escrúpulos... são um estorvo.”

 

Para se fazer história o melhor é não ter ideias, assim como para se fazer dinheiro é obrigatório não possuir escrúpulos.

 

E o comunismo foi chão que já deu uvas. Como diz Svetlana Aleksievitch: “Comunista é o que leu Marx; anticomunista é o que o percebeu.”

 

Por isso é que o capitalismo continua a explorar e a emprestar aquilo que lhe sobra.

 

Quando chove muito, o habitual é a água do rio sair do seu leito. Quando a chuva para, ela logo torna ao seu lugar.

 

Uma coisa já sabemos, depois de lermos muitas páginas de história: jamais os poderosos coincidiram com os melhores.

 

E a Democracia? A nossa putativa Democracia, como vai ela? Pois não está bem, nem está mal. Está. E como está, então deixá-la estar.

 

A verdade é que a tal Democracia vai falhando aos poucos, sem que ninguém saiba explicar lá muito bem porquê. Os mais inteligentes, muitos deles sentados nas cadeiras do parlamento, nas do governo ou das câmaras municipais, pensam vagamente nela (como se fosse sua esposa) e no que poderia ter sido e já não é mas ainda pode vir a ser se a conjuntura internacional o permitir.

 

Esta democracia parlamentar só mesmo de lingerie é que lá vai. Ou não. Quarenta e tal anos de vida expõe a maturidade. Se o nosso Fascismo era a puta pobre, a nossa Democracia é bem capaz de ser a meretriz nova rica.

 

Sim, o nosso PM é um homem de boas intenções, daqueles que continuam a teimar em redigir propostas políticas como se fossem poesia altruísta.

 

Claro que há em tudo isto patranhas, má organização e erros. É até possível que os bancos funcionem defeituosamente. Mas temos de reconhecer que a barafunda está controlada.

 

A verdade é que a nossa Democracia quase parece democrática, solidária, tolerante, participativa, representativa. Quase parece. Quase.

 

A verdade é que também a cenografia condiz com a realidade. E ainda a música, as roupas e os cenários. O espetáculo, temos de convir, até está bem montado. A geringonça, tal como a passarola de Bartolomeu de Gusmão, é uma boa alegoria.

 

Só que, por vezes, tanta criatividade pode incentivar o desperdício. É preciso ir com calma.

 

A nossa Democracia é uma junção entre fantasia e maquinaria, entre filosofia e religião, entre música de feira e música clássica, entre mitologia e realidade. Passamos de um país sorumbático a um país exótico. Até a nossa capital se transformou numa de feira popular destinada aos turistas. E as cidades de província em stands de feiras do fumeiro e produtos artesanais sem marca registada.

 

Tudo é interativo. Até a estupidez. Pois a estupidez, tal como as gorduras, só faz mal se exagerarmos.

 

A nossa Democracia é feita essencialmente de palavras. De bonitas palavras. Há lá palavra mais bonita que democracia! Palavras que nos transmitem agradáveis emoções. Há lá emoção mais agradável do que a que nos provoca a Democracia. Sobretudo a sua invocação. A invocação democrática. E a vocação. Há lá coisa mais apelativa do que a vocação democrática!

07
Mai20

Poema Infinito (507): A aflição

João Madureira

 

 

Às vezes as coisas são tão belas que quanto mais as olhamos mais sossegados ficamos. E depois do sossego vem a aflição. A aflição. Os bandos de patos cruzam-se no ar. Por vezes, o sol parece nascer no meio dos rios. Os rios não têm antiguidade. Nos olhos das nossas mães aprendemos as cores do mundo. Algumas palavras parecem impossíveis, mesmo depois de pronunciadas. Os versos caem das nuvens como se fossem chuva. A madrugada choveu puríssima. Sinto as nervuras fibriladas do teu sexo. A sua pureza. Os seus lábios. Os seus sucos. E a velocidade instantânea que produz os orgasmos. As avalanches humanas começam assim, como música dodecafónica, amando os alaúdes, indo desde Névoa até São Petersburgo. As grandes viagens começam sempre com a saída de casa dos pais. E acabam com o regresso do filho pródigo. Em todas as praças se encontram pombas. E estátuas. As grandes cidades são organizadas através de dilúvios gramaticais. Todos parecem nadar para se salvarem uns dos outros. Vivem ao ritmo dos semáforos. Preenchem as tardes como se fossem acrobatas. E tomam decisões irreversíveis antes da aurora, enquanto fumam o último cigarro da desilusão. As cidades parecem núcleos atómicos que produzem metamorfoses cerebrais. O amor, por lá, possui a mesma pressa dos comboios subterrâneos.  Aqui domesticam-se os pássaros e os gritos e o sol e a chuva. Por aqui, agarramo-nos às aves em pleno voo e às sementes e ao espaço e à imobilidade tranquila da tarde e à seiva das árvores e à incerteza do tempo. Por aqui afinam-se as memórias. As mais importantes do avô têm a guerra dentro e algumas cadências que diz nunca ter entendido. Nem todas as memórias são para entender. Muitas delas nem sequer fazem sentido. São como pêndulos invertidos. O seu tempo é curvo. As praças da memória costumam ser grandes e ter crianças dentro a jogar futebol com bolas de trapos. E pessoas estranhas nos jardins. E risos. E piqueniques. E primaveras disponíveis para amar. O vento agita os ramos dos salgueiros. O tempo tem outro tempo nas terras pequenas. O frio aqui parece gente. E o sol parece Deus. E Deus parece uma coisa sem nome. Os homens cantam em coro e as mulheres levam os campos trigueiros para dentro da igreja. Ouvem-se ao longe os guizos do gado, enquanto a luz alastra. Os dias parecem imersos, alongados pelo esforço da gente. As soluções são como quedas. Aqui nasce-se amarrado à família e à genealogia. O paraíso também pode ser uma prisão, se não tiver um caminho de saída. Aqui os dias sobram, quando a noite minga. Parece que as árvores choram. A sua sombra é nítida. Depois do regresso é tempo de descansar. A cerejeira já não beberá mais gotas de chuva. Alguém lhe torceu as raízes. A memória também pode ser um laço. O jardim está colorido de glicínias. As folhas dos carvalhos parecem luvas. Dizem que os poderosos vestem fatos para orar. Alguns tiram bilhetes de identidade eclesiásticos para se identificarem perante Deus. Por isso gostam de ir ao Vaticano falar com o Papa.  A palavra é um pequeno arado que lavra até a terra mais árida. É primavera, a morte das flores ainda está longe. A memória da avó está em pranto. A avó morreu bordando o seu último dia com o olhar. Disse, no fim, que não queria ser escrava da eternidade. Ao longe ouvia-se uma música triste.

04
Mai20

489 - Pérolas e Diamantes: O pior é o resto

João Madureira

 

 

Uma questão bem colocada por vezes acaba por esclarecer um assunto. Cada um aprova aquilo que quer. Tudo é uma questão de opinião. A dúvida está em toda a parte.

 

Até o maior bandido pode ser um bom filho, marido amante, pai extremoso e amigo do seu amigo. O pior é o resto.

 

Eu gostava muito de Moral. Era até bom nisso. Gostava de leituras proveitosas. O padre Zé bem que teimava nos raciocínios simples, na exortação do bem e do bom caminho. E nos aconselhamentos justos. E eu bem que queria acreditar. Mas esse dom foi-se. Ou talvez nunca tenha chegado. O bom do senhor Cipreste até insistia com os meus pais para que eu fosse cursar Latim de Seminário. Mas os meus sofismas eram outros.

 

Uma coisa são as ideias e as pessoas. Outra bem distinta é lidar com elas.

 

Quando se quer o bem à força, acaba-se por impor o mal. Também tentei a política, mas tardei  em encontrar o espírito de raposo. Na política quem manda é a astúcia.

 

Os das minorias pequenas, que são sempre os menos bons, podem até começar como sargentos mas acabam como soldados rasos. Já os das maiorias maiores podem até assentar praça sem divisa nenhuma ao ombro que acabam em sargentos. Ou, quando não, em tenentes ou capitães. Se tiverem feito a recruta nos escuteiros, claro está.

 

Como bem diz Riobaldo: O ruim com o ruim. E o bobo com o bobo.

 

Deus, seja ele católico, muçulmano ou ateu, é paciência. O contrário é... o diabo.

 

Parece que o êxito deriva de não se ter remorso daquilo que se desfaz, mesmo dizendo o contrário. Não se ganha o Céu pedindo para o partido e amealhando metade na conta pessoal.

 

Mas a regra é mesmo trabalhar no duro e querer depois paz e sossego.

 

Nós queremos viver como irmãos. Mas irmãos dos bons. Dizem que devemos ser alegres. Pois seja. Mas a mim, a alegria de agora parece-me triste. Enquanto a antiga, a sinto de maneira alegre. Envelhecer tem destas coisas.

 

A saudade faz sofrer. Até a carne mais saborosa acaba por enjoar. Se se comer muita, claro está.

 

A saudade é outra maneira de envelhecer.

 

E os grilinhos lá na sua toca: gri-gri-gri. Por vezes o vento grita tanto que nem os pássaros se atrevem a voar.

 

Aprendi que quando se está a pensar vender a alma ela já está vendida, mesmo sem se saber.

 

Bem me avisou o meu pai: Somos donos do nosso silêncio mas escravos das nossas palavras.

 

O bom e justo conselho é bom de ouvir. Mas devemos desconfiar dos que tudo louvam em cantorias.

 

O problema é quando a vida começa a pesar. Por mais que digam o contrário, a coragem é sempre variável. Os burros são bons para carregar e os cavalos para passear. Os ricos conseguem desdobrar os dias. Os outros lutam para que eles não encolham. 

 

Aos que são iguais tudo lhes sai igualmente. O excesso de ideias também provoca problemas. E invejas. E outras coisas ruins.

 

Há caminhos que emitem sons. Outros são cegos, surdos e mudos.

 

Ai amigos, companheiros e camaradas, como tudo isto é difícil. Um lugarzinho ao sol custa muito acenar de cabeça, muito engolir em seco e muito segredo enfiado em apartado estrangeiro.

 

Um amigo meu disse-me que a corrupção é como a bondade, não tem limites.

 

Isto até parece uma nação: uns tocam, outros carregam e os altruístas minoritários cantam, comem, dançam e mandam.

 

Nas suas rezas políticas cantadas à capela é num de repente que se passa da privação à abundância.

 

Há sonhos dos quais acordamos devagar.

 

E os grilinhos lá na toca deles: gri-gri-gri.

 

E os ilustres estadistas gambozinos a gostar do verdadeiro no falso. Da amizade prospetiva. E de procurar a felicidade na infelicidade.

 

Como cantam os Galandum Galundaina: “Nós deiqui i bós daí / Sodes tantos cumo nós / Mataremos un carneiro/ Ls cuornos são para bós. // Lá lá lá ra lá / Lá lá lá ra laia / Lá lá lá ra lá / Lá lá lá ra laia...”

 

Os nossos sonhos só nos afadigaram. O que é preciso é ter sorte. 

 

E os grilinhos lá na sua toca embelezada: gri-gri-gri.

 

Parece que a virtude está em comer calado.

 

E os tais da gaita e da sanfona mirandesas: “Nós deiqui i bós daí / Sodes tantos cumo nós / Mataremos un carneiro/ Ls cuornos são para bós. // Lá lá lá ra lá / Lá lá lá ra laia / Lá lá lá ra lá / Lá lá lá ra laia...”

 

E os grilinhos repenicados na sua cadeirinha de encosto lá na sua toca partidária: gri-gri-gri.

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