Mona Lisa - Louvre - Paris
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Lembro-me que pedia à mãe para parar a escuridão da noite. E a mãe ajudava-me a vencê-la. Depois a escuridão veio, mais tarde, e engoliu o avô, a avó, o pai e a mãe e os tios e alguns primos. E continua a descer sobre nós. Tudo agora são sentimentos esmagados pela mó compressora da saudade. A vida desassossega os deuses. A avó escrevia lindos textos mudos com o seu silêncio. O pai também. Os do pai, apesar de mais mudos, eram ainda mais profundos do que os da avó. Talvez por causa da cor dos olhos. Os da avó eram azuis, quase transparentes. E os do pai eram castanhos, como a terra. O pai caminhava sempre com os olhos cravados no chão. Depois o mundo começou a ficar um bocadinho meu. Depois também a realidade começou a ficar grosseira. Ainda bem que as pistolas e as bombas não saíram de dentro da minha imaginação. Sinto que o eixo da Terra se está a deslocar. Utilizo o teclado do computador como os avós manejavam as suas alfaias agrícolas. Lá fora, as folhas dos plátanos começam a cobrir os passeios. As pombas voam por instantes e depois pousam. As nuvens parecem de plástico reciclável. A sensação desagradável é agora mais tranquilizadora. O olhar começou a vacilar. Estamos sempre envolvidos em pequenas catástrofes. A arte de voar, como provou Leonardo da Vinci, inclui o estudo da dinâmica dos fluidos, a lei do movimento e a arte dos espetáculos de teatro. É também necessário estudar a ciência dos ventos e a leveza das almas. As pombas batem as asas mais depressa quando as baixam do que quando as levantam. Os corvos fazem isso ao contrário. Já as pegas levantam e baixam as asas à mesma velocidade. Isso, muito provavelmente, depende do centro de gravidade de cada ave. Tudo é originado recorrendo às perspetivas explodidas. A ingratidão do esquecimento torna tudo mais confuso. A impertinência é curiosa e torna-nos curiosos. Um dia desenhei numa folha branca a mãe a cozer no pote batatas, couves, toucinho, um chouriço de cabaça e o tempo. Estava alegre, a mãe. Cozer o tempo fazia parte da sua arte culinária. E amassar o pão abençoado. Tempos antes, Gabriel tinha descido à Terra e os peregrinos tinham começado a interrogar os profetas. Não era época propícia à poesia. Depois da expansão, o nosso universo começou a contrair-se. Basho continuava a escrever os seus haikus e a dilatar o caminho para o norte. Os mortos começaram a engolir a luz. Moisés liderava-os exibindo a sua face em chamas. Estava sempre a ir e a voltar da montanha. Entretanto chegou Jesus e os apóstolos transportando visões de glória e redenção e entraram em Jerusalém. Depois, os apóstolos afastaram-se em direções opostas. Transportavam o sonho de abraçar a terra e de transformar multidões de homens em santos. O inferno desceu antes do Espírito Santo. E os peregrinos começaram a lançar fisgadas a Satã. Ele apenas se ria com os seus olhos feitos de buracos negros. Eneias regressou das sombras, iluminando os oráculos. Metade do povo de Deus entrou no mar. A outra metade ficou a ver. O Senhor caminhou então enxuto sobre as águas. Ouviu-se o vento do mar sobre os canaviais e o canto intenso das aves migratórias. Veio de longe o frio. Os anjos transformaram-se em espelhos. Os abismos criaram asas e voaram para o céu. Apesar de brilharem no escuro, muitos livros continuam repletos de vazio.
Eu bem sei, os cronistas servem para agoirar. Por vezes também leem o futuro, porque conhecem o passado. Não é por acaso que o hino do vinte cinco de abril é uma marcha lenta.
Chega então o dia em que o líder inicia o seu processo filantrópico, derivado do desdém que começa a sentir e a desenvolver.
Começa a falar da sua costela quixotesca e da sua temeridade. E a consultar com mais parcimónia os seus oráculos, até porque também já começa a ser o oráculo de alguns.
Uns escutam-no. Outros denunciam-no. Ainda outros, menos e menores, o acusam.
Na política, mesmo quando se mente, tem de se ter um plano. Há sempre necessidade de decidir os indecisos e de reforçar a convicção dos convictos. Todos os líderes acreditam na “profecia do facto iminente”.
Nos circuitos mais eletivos, difundem-se alguns sarcasmos irónicos sobre o mundo organizado pela inteligência política. Eis o aforismo: “O paraíso é um lugar onde os polícias são ingleses, os cozinheiros franceses, os fabricantes de cerveja alemães, os amantes portugueses e os organizadores suíços. Já o inferno é um lugar onde os polícias são alemães, os cozinheiros ingleses, os fabricantes de cerveja franceses, os amantes suíços e os organizadores portugueses.”
Até aos manipuladores de fantoches lhes chega o momento em que já não têm dedos suficientes para manipular os fios de todos os seus bonecos. E os filmes a cores passam a preto e branco e até a mudos.
Muitas vezes a cadeia de acontecimentos sobrepõe-se às ações realizadas por cada um de nós.
O líder, agora mais maduro, aprendeu que há um limite para os argumentos admissíveis, daí a necessidade de não se deixar arrastar para discussões demasiado impetuosas. Onde há galo, os frangos não piam.
Um líder não se zanga, tem de ser, ou parecer, sempre um homem compreensivo.
A verdade é que os projetos têm sempre muitos defensores e também muitos adversários. É esta a lógica da democracia.
As boas discussões têm-se à mesa. E as boas decisões tomam-se na altura do café e do digestivo. No fim festeja-se com champanhe. Acabam sempre por ganhar as propostas com a linguagem mais inventiva. Até porque todos os partidos, incluindo o nosso, necessitam do apoio desinteressado das empresas que fazem este país andar para a frente. Cada partido é financiado segundo a sua percentagem eleitoral.
E daqui não vem mal ao mundo. Era o que mais faltava. O lucro moderado e equitativo também é uma conquista democrática. A democracia inclui trabalhadores e patrões. Os patrões também necessitam de fazer o seu 25 de Abril. Se não o fizeram já, sem a maioria de nós disso se ter apercebido.
Apesar de cheirar a lugar-comum, o facto é que o Homem não passa de coisa pouca.
Mas o verdadeiro líder democrático sabe que não pode ser prisioneiro da indiferença e, muito menos, da utopia. A liberdade, quando entra na normalidade vai perdendo o viço e a capacidade de atração. Ele leu, ou alguém leu por ele, Charles Péguy: “Tudo começa em mística e acaba em política”.
As questões costumam crescer mais do que antigamente cresciam os pães pelos outeiros transmontanos. É um problema ceifá-los.
E os implicantes, meu Deus, que chatos eles são! É impossível explicar tudo a toda a gente.
Os dirigentes com perspetiva também têm as suas quebras.
E leram as crónicas de Vítor Cunha Rego, na sua fase progressista liberal. De facto, os homens possuem uma memória curta e negam-se a aceitar a sua condição circunstancial, “preferindo a poeira das ilusões e do egocentrismo à humildade imprescindível da síntese dialética”.
O líder não é um homem isento de paixões, mas modera-as. Sabe substituir os sentimentos pelo raciocínio e a boa educação. Raramente levanta a voz, não pragueja, não bebe e é cortês com as mulheres. E também correto com os idosos. E meigo com os animais.
Também é arguto na argumentação. Maneja as palavras como d’Artagnan manejava o seu mosquete.
Sabe que as tempestades nunca chegam na hora certa, mas sempre atrasadas ou adiantadas.
As pequenas paixonetas servem quase sempre para recuperar algumas ilusões. Ele sabe, o líder sabe sempre, que se souber ler o livro certo será o vento a virar-lhe as folhas.
Os líderes pequenos montam um pónei pensando que cavalgam um corcel. Os grandes líderes, os príncipes, sabem esperar o verdadeiro cavalo do poder. Montam esse e mais nenhum.
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