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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

10
Set20

Poema Infinito (525): Revelações

João Madureira

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Chega até nós a luz bassa refletida pelo rio. A brisa corre pelas folhas vacilantes da macieira. As  velhas pedras das paredes da casa revelam estar a ser carcomidas pelos líquenes vermelhos. Os pássaros descaem vagarosamente, amortecendo o voo com as asas. Esqueço os formais e as suas palavras custosas. Os olhos dos ditadores também possuem o mesmo brilho daqueles que dizem amar. Ninguém gosta de montar cavalos inquietos. Todas as almas raras possuem alguma espécie de deseducação. A avó: as guerras são boas para criarem aldeias de mulheres. O avô: as mulheres choraram. Outra vez a avó: as mulheres cantam como choram. Esse é o ruído do Big Bang. Dentro das cabeças, as vozes gritam. Existe um pressentimento do caminho. A avó está sentada nas escadas a ouvir-se a si própria. O Homem é eterno. Oiço a trepidação da eternidade. A guerra desenvolve a paixão pelo ódio. A nossa memória está acorrentada ao tempo, como um cão. As palavras são texto. O silêncio é texto. A poesia e o texto são silêncio. Os teus olhos parecem gotas inundadas de luz. Os meus estão afogados na tristeza, como no dia da morte do pai. Passado muito tempo, a neve começou a tapar os parapeitos das janelas e as soleiras das portas, cobrindo os passeios com um tapete intacto. Também me incomodo com a despiedade da carne saciada, com o seu embaraço, com a sua vergonha. E depois outra vez o silêncio. São os querubins os anjos mais plenos e perfeitos na adoração de Deus. Mas são os serafins os anjos mais gentis que nunca se cansam de venerar e abrasear o mundo com as suas línguas de fogo, enquanto voam com a ajuda das suas seis asas. Quando o desejo é muito intenso, o tempo chega a parar. Chegam os murmúrios. A saudade e a sua inconstância. O céu está cheio de propaganda divina. As aves anunciam a glória. A bocas sugam as vitaminas do desejo. Vamos depois passear. A modernidade resolveu apagar os velhos muros. Soterraram sem dor os velhos caminhos, a cor das ervas e as flores silvestres. As gravidezes são elétricas. As crianças nascem alérgicas. Os campos são agora imprecisos. As montanhas parecem abrir os braços. Parece que alguém amarrotou o azul do céu. As paisagens parecem falar de pastos, das várias tonalidades da tarde, das aves e dos rebanhos. A memória dos fenos revela a realidade do tempo. O canto dos pássaros continua a ter o sabor do declínio. A distância entre a magnólia e a sua sombra é intransponível. Agora memorizo a metáfora da tua voz, a sua melancolia, o seu extenso contorno. As expressões obscenas são as novas ladainhas. O seu sorriso é fugidio. Os palácios estão em decadência. A sua sequência está infetada. O coração envelhece, mas não se rende. As promessas consolam os tolos. Mas não é preciso explicar-lhes a paciência. A incapacidade é uma coisa que se prolonga. Os gatos gostam de se repetir. E também as confidências. E as inconfidências. As humilhações ainda continuam a ser banais. E os afagos. Alguns homens e muitas mulheres são como rios. O mal já não se pega, mas aprende-se. Preenchemos os delírios com ficções. É quase manhã. A porta continua aberta. A viscosidade sedosa das teias de aranha continua a apanhar insetos. As promessas são novas formas de mentir. Os fantasmas enfraquecem o pensamento. As revelações são como gelo.

07
Set20

506 - Pérolas e Diamantes: Óculos de sol para cegos

João Madureira

Apresentação3-2.jpg

 

Sempre ouvi dizer que a ambição pessoal não assenta bem a um socialista.

 

Todos sabemos que apenas nas ratoeiras o queijo é oferta gratuita.

 

Não se pode governar a favor dos interesses de quem nos contesta, indo contra os direitos e deveres de quem nos apoia. Quem exerce o poder não pode levitar, mesmo que possua essa capacidade mediúnica.

 

Os homens sem memória não possuem visão do futuro.

 

Provérbios chineses ensinam que numa grande árvore há sempre ramos mortos, que os melhores soldados nunca são os belicosos e que a boa lenha pode estragar um fogão. Mas é conveniente não esquecer que uma balança precisa sempre de pesos.

 

Foi com os gregos que aprendemos que as pessoas podem usar máscaras mesmo fora do teatro, pois se a máscara do ator serve para ajudar a ver quem é suposto ele ser, as máscaras das pessoas servem para as disfarçar.

 

O problema das máscaras é que criam adição e depois não se pode viver sem elas. Por isso louvamos o fingimento.

 

Por isso é que a história nos faz lembrar a pessoa importante e o dia em que ela morreu, fazendo-nos esquecer todas as outras.

 

A arrogância é sempre sinal de fraqueza. São sempre os homens fracos que causam o maior mal.

 

“Há sempre razões para ter esperança”, dizem eles, os tais que possuem uma grande reserva de frases-feitas e apreciam fazer pausas dramáticas depois de as proferirem.

 

Depois de escutarmos as suas ideias modernas, a maioria de nós, os mais crédulos, sofremos um choque extremamente admirativo.

 

Essencialmente exportamos duas coisas: fado e futebol. Fátima é agora apenas um produto de contrafação. A Festa do Avante é mais respeitada que a Festa do Treze de Maio.

 

Por causa das coisas, devemos questionar uma crença que trai os seus crentes com muita prontidão.

 

Pergunto-me muitas vezes se crer é uma espécie de patologia, devido à sua capacidade de contágio e aos efeitos perversos que provoca.

 

O erro da mentira não é a verdade. 

 

Anda por aí muito sociopata de sorriso angelical, de cruz ao peito ou com camisola do Che Guevara. Dizem ser cidadãos leais à república democrática da treta.

 

Dizem também andar em busca de consensos. Mas o consenso, afirmam os audaciosos, é o principal objetivo das mentes fracas. É difícil arranjar um consenso entre o ballet e as danças folclóricas. O Lago dos Cisnes e o Malhão não são mescláveis, por mais piruetas que se ensaiem. O resultado apenas pode deixar as bailarinas a dar às asas, esbaforidas, e os homens e as mulheres dos regadores a mandar a água fora sem jeito, nem trejeito.

 

Os revolucionários são gente curiosa. O seu Papa, conhecido como Lenine, um dia, após ter ouvido a Sonata 23 de Beethoven, reagiu com estas palavras: “É uma música maravilhosa, etérea, mas sou incapaz de a ouvir. Faz-me ter vontade de acariciar as cabeças dos meus contemporâneos por serem capazes de criar coisas tão bonitas apesar do inferno abominável em que vivem. É preciso esmagar essas cabeças, esmagá-las sem dó nem piedade.” Dizem que só se escutavam sussurros.

 

Garantem que é necessária mais coragem para defender as nossas próprias decisões do que para criticar as dos outros.

 

O amor com amor se paga. É tudo uma questão de aritmética moral e de paralelismo sociológico. Oi, onde é que isto nos pode levar.

 

O gangue dos cabeças rapadas, apoiantes de Hitler, agora deixaram crescer o cabelo até ficarem parecidos com bons pais de família. E vão a Fátima rezar à Virgem Maria. Eu só rezo para que haja inferno.

 

Estou em crer que muita dessa gente pratica o passatempo de asfixia autoerótica como antecâmara de preparação sincronizada dos chuveirinhos de Auschwitz.

 

Essa gente alimenta-se do sentimento de culpa das outras pessoas. O gato infernal observa-nos sempre pelo meio das pernas desses bem-aventurados.

 

Há ainda quem não tenha percebido a ciência da autodestruição.

 

Num solo com muito estrume, uma semente quase não necessita de sol para vingar.

 

O capitalismo é aquilo que todos sabemos. O comunismo falhou estrepitosamente. E, para se completar a trindade divina, o fascismo está em ascensão.

 

Claro que lhes vamos ganhar com os tais pequenos gestos de boa vontade que definem a humanidade.

 

É possível que, por vezes, as mãos nos tremam um bocadinho. Mas a maioria de nós vai pensar com sensatez.

 

Podem tirar as selfies que quiserem e fazerem a saudação romana para ver se ganham dimensão e autoridade, mas nunca deixarão de ser gente ordinária.

 

Que nós saibamos, abrir sepulturas e brincar com cadáveres continua a ser ilegal.

 

A verdade é que os cegos costumam usar óculos de sol.

03
Set20

Poema Infinito (524): Poesia do Big Bang (Quinta)

João Madureira

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Isaías foi o que deu início à confusão, pois envolveu-se no seu duplo papel de profeta e conselheiro real. Ou funcionário público. Os tempos bíblicos foram feitos de uma espécie de indignação transmissora que, por si só, desencadeava a expiação. Tudo era feito de adversidade, tempestades sociais e dúvidas eternas. E de certezas feitas de palavras que pareciam açoites. Deus sempre gostou de transformar as multidões em desertos, o que provocou demência no seu filho. E nos seus discípulos. O livro de Isaías começou a crescer e a dar mais espaço aos textos proféticos. E poéticos. Surgiram então as epifanias ligadas a miragens extraterrenas unidas à crença cega no amor e na imortalidade. Os anjos da morte abriam então demasiado as asas e arremetiam sobre os ímpios e sopravam no rosto dos inimigos enquanto eles se entretinham a passar por onde não eram bem-vindos. A voz de Deus era como o pó, por isso se espalhava e cada um fazia com ela aquilo que queria. Ninguém consegue matar o ar. Isso até Deus sabe. As tribos do povo eleito andavam então entusiasmadas em alargar o espaço das suas tendas, a estender o seu medo aos outros que nem se deram conta de que os outros andavam a fazer o mesmo. As profecias, quando começaram a fazer parte dos livros, deixaram de ser previsões de um destino sem esperança. Começaram a ser uma esperança sem destino. Sem princípio e sem fim. Uma coisa uniu os leitores judeus e cristãos: a crítica às fontes do Pentateuco. O profeta Isaías deixou de ser um professor da Tora e um vaticinador da chegada do Messias, para passar a ser um político interventor muito preocupado com os acontecimentos catastróficos em Judá e em Jerusalém. O Messias deixou de ser o foco principal. No entanto, Isaías continuou a insistir: ai dos que se deixam subornar para absolverem os culpados e negarem justiça aos inocentes. Foi ele um dos culpados por transformar Jerusalém na celestial cidade de Deus, com os resultados divinos pela carnificina permanente. Nem Deus consegue remover a impressão da sua eterna impotência.  Em verdade, em verdade vos digo, os livros proféticos são entidades subversivas, capazes de minar os alicerces da religião estabelecida. O exílio foi sempre uma ideia de resistência. As previsões de desastre nunca foram canceladas. Deus, e os seus profetas, são entidades da mitigação. Não acabam com a esperança, mas cancelam-na, através da adição dos oráculos. Deus gosta de confrontar o seu povo. Deus deixou tombar os seus heróis no monte Gilboa para regozijo dos filisteus, das filhas dos filisteus e dos outros incircuncisos. Depois deixou de cair sobre esses montes o orvalho e a chuva. Apenas restou, nesses campos traiçoeiros, o escudo dos heróis desonrados. As filhas de Israel choraram então sobre os corpos de Saul e de Jonatas lágrimas de angústia e destruição. O prepotente desde cedo se começou a gloriar e a maltratar os fiéis à verdade. As carpideiras entoaram então cânticos fazendo entrar a morte pelas janelas e, dessa forma, ser introduzida nos palácios. Perante tanta lamentação, Deus passou a ser mais exigente. Fez saber que o deviam louvar com a cítara e entoando salmos com a harpa de dez cordas e cânticos novos tocados com arte por entre as aclamações. No entanto, os ímpios continuam a cercar os crentes com os seus laços de apostasia. Não devemos invejar aqueles que praticam a injustiça.

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