Poema Infinito (525): Revelações
Chega até nós a luz bassa refletida pelo rio. A brisa corre pelas folhas vacilantes da macieira. As velhas pedras das paredes da casa revelam estar a ser carcomidas pelos líquenes vermelhos. Os pássaros descaem vagarosamente, amortecendo o voo com as asas. Esqueço os formais e as suas palavras custosas. Os olhos dos ditadores também possuem o mesmo brilho daqueles que dizem amar. Ninguém gosta de montar cavalos inquietos. Todas as almas raras possuem alguma espécie de deseducação. A avó: as guerras são boas para criarem aldeias de mulheres. O avô: as mulheres choraram. Outra vez a avó: as mulheres cantam como choram. Esse é o ruído do Big Bang. Dentro das cabeças, as vozes gritam. Existe um pressentimento do caminho. A avó está sentada nas escadas a ouvir-se a si própria. O Homem é eterno. Oiço a trepidação da eternidade. A guerra desenvolve a paixão pelo ódio. A nossa memória está acorrentada ao tempo, como um cão. As palavras são texto. O silêncio é texto. A poesia e o texto são silêncio. Os teus olhos parecem gotas inundadas de luz. Os meus estão afogados na tristeza, como no dia da morte do pai. Passado muito tempo, a neve começou a tapar os parapeitos das janelas e as soleiras das portas, cobrindo os passeios com um tapete intacto. Também me incomodo com a despiedade da carne saciada, com o seu embaraço, com a sua vergonha. E depois outra vez o silêncio. São os querubins os anjos mais plenos e perfeitos na adoração de Deus. Mas são os serafins os anjos mais gentis que nunca se cansam de venerar e abrasear o mundo com as suas línguas de fogo, enquanto voam com a ajuda das suas seis asas. Quando o desejo é muito intenso, o tempo chega a parar. Chegam os murmúrios. A saudade e a sua inconstância. O céu está cheio de propaganda divina. As aves anunciam a glória. A bocas sugam as vitaminas do desejo. Vamos depois passear. A modernidade resolveu apagar os velhos muros. Soterraram sem dor os velhos caminhos, a cor das ervas e as flores silvestres. As gravidezes são elétricas. As crianças nascem alérgicas. Os campos são agora imprecisos. As montanhas parecem abrir os braços. Parece que alguém amarrotou o azul do céu. As paisagens parecem falar de pastos, das várias tonalidades da tarde, das aves e dos rebanhos. A memória dos fenos revela a realidade do tempo. O canto dos pássaros continua a ter o sabor do declínio. A distância entre a magnólia e a sua sombra é intransponível. Agora memorizo a metáfora da tua voz, a sua melancolia, o seu extenso contorno. As expressões obscenas são as novas ladainhas. O seu sorriso é fugidio. Os palácios estão em decadência. A sua sequência está infetada. O coração envelhece, mas não se rende. As promessas consolam os tolos. Mas não é preciso explicar-lhes a paciência. A incapacidade é uma coisa que se prolonga. Os gatos gostam de se repetir. E também as confidências. E as inconfidências. As humilhações ainda continuam a ser banais. E os afagos. Alguns homens e muitas mulheres são como rios. O mal já não se pega, mas aprende-se. Preenchemos os delírios com ficções. É quase manhã. A porta continua aberta. A viscosidade sedosa das teias de aranha continua a apanhar insetos. As promessas são novas formas de mentir. Os fantasmas enfraquecem o pensamento. As revelações são como gelo.