Haiku nº 3: Há uma festa / de cometas / no céu
Entendamo-nos, os serviços de informação da Igreja Católica assentavam em quatro pilares essenciais: o poder confessional; o monopólio do ensino e da literacia; boas comunicações; a Inquisição. Primeiro, os sacerdotes, com os terrores do Inferno, forçavam os pecadores à obediência, depois, através do sacramento da penitência, vulgo confissão dos pecados, estimulavam o fornecimento de informação oportuna sobre as intenções temporais dos homens que podiam, e deviam, ser usadas em benefício da Santa Madre Igreja.
A artimanha consistia na simples teoria de que os pecados – com a indispensável exclusão dos pecados mortais – podiam ser perdoados se fossem confessados a um sacerdote ordenado, através do sacramento da confissão e da penitência. Esta era uma ferramenta extremamente útil, quer na recolha de informações, quer no controlo social. Um confessor ouvia tudo e perdoava muito. Este fabuloso sistema de recolha de informação, estava infiltrado na Igreja desde o topo até às suas bases.
O princípio ideológico, ou deontológico, se os estimados leitores preferirem, era o de que os padres deveriam manter em segredo as revelações feitas no confessionário, mas o sistema tinha uma falha inerente: os padres tinham, eles mesmos, de se confessar. Ou seja, o conhecimento dos pecados cruzava toda a hierarquia da Igreja até chegar a Roma. E Roma sabia que a informação é poder. Mesmo partindo do princípio cristão de que tal não podia acontecer, ninguém é ingénuo ao ponto de acreditar que tal não acontecia. De permeio está a natureza humana e a forma como as estruturas hierárquicas operam: os confessores, pobres espiões, bajulavam os superiores, pondo-os de sobreaviso sobre os problemas iminentes, baseados nas ideias heréticas.
Entendamo-nos, e digo isto como quem se confessa, foi no início do século XIII que Roma sentiu verdadeiramente a necessidade de eliminar a oposição à sua autoridade, denunciando as heresias que acabariam por criar a Inquisição, em 1231, pelo papa Gregório IX. Para o efeito foram citados os ensinamentos de Cristo como sendo a base do procedimento mais temido do Santo Ofício, os autos de fé. A voz poderosa e arrogante do representante de Deus na Terra fez-se ouvir como uma ameaça caridosa e divina: “se alguém não estiver em Mim, será lançado fora, como a vara, e secará; esses serão colhidos e lançados no fogo, e arderão. Apesar do credo ser diferente, o KGB e a Gestapo mais não foram do que as suas extensões no século XX, o de todas as desgraças.
A primeira tarefa da Inquisição foi a de recolher informação sobre os infiéis. Equipou-se para o efeito com novos exércitos de frades. Os principais líderes eram os Dominicanos, sarcasticamente conhecidos como Domini Canes (“os cães do Senhor”). Por volta de 1250, os serviços secretos da Igreja deixaram de desempenhar o passivo papel de recolha de dados. Os “cães” envolvidos passaram a “farejar” as informações valiosas. E foi o que se viu. As fogueiras arderam por essa Europa fora. Ou até um pouco mais além.
No século XIV, Ragusa ensinou-nos que para lidarmos bem com a segurança política é necessário subscrever, e até pagar, os jornais aos adversários. No fundo, é o que fazem os modernos departamentos policiais que lidam com as questões da informação.
No século XVI, o conhecido Marlowe, acabou habilmente executado numa luta. Foi um dos primeiros agentes duplos conhecidos a ser silenciado por saber demasiado. Espiar foi sempre um trabalho arriscado.
Daniel Defoe, autor de Robinson Crusoé, foi também ele um agente infiltrado, a soldo do governo de Londres, muito antes de se tornar um escritor famoso. Em 1704 vagueava pelas Highlands escocesas, sob o nome de Alexander Goldsmith, instruído para informar a capital sobre as atitudes políticas dos escoceses.
O duque de Marlborough, que dirigiu um formidável sistema de informações durante a guerra contra a França, no início do século XVIII, ensinou-nos que “nenhuma batalha alguma vez foi ganha sem bons serviços de informação”.
Existe mesmo um caso realmente estranho que se passou em França, relacionado com tudo isto. A mãe do cavaleiro d’Eon, vá-se lá saber porquê, decidiu criar e vestir o seu filho como se fosse uma rapariga desde os quatro anos. O rapaz desenvolveu a capacidade de se fazer passar por alguém do sexo oposto. Por causa dessa virtude, os serviços secretos franceses ao serviço de Luís XV recrutaram-no. Em 1756, o monarca enviou-o a São Petersburgo sob a identidade de Lia, sobrinha do cavaleiro Douglas, que dizia viajar por razões de saúde. A sedutora “sobrinha” do dito cavalheiro estava, na verdade, incumbida de assegurar uma audiência secreta com a imperatriz Isabel I com o objetivo de lhe entregar uma missiva cujo objetivo seria o de impedir um possível tratado envolvendo a Inglaterra e a Rússia.
A Prússia do século XVIII teve a governá-la o seu rei mais belicoso, pois acreditava fervorosamente nos serviços de informação. Frederico II elaborou uma lista de Instruções Militares para os Generais. O artigo doze fala de “espiões, desertores e agentes duplos”, exigindo mesmo que se façam generosos pagamentos aos espiões, “até ao grau da extravagância”. O artigo catorze versa sobre as vantagens de se combater em território amigo, “onde todo o homem age como sendo teu espião”, e vice-versa.
Mas também podemos falar dos Estados Unidos da América. O altamente sofisticado serviço de informações começou por ser dirigido por um dos maiores intriguistas e mestres da espionagem do seu tempo: George Washington. Venerado como alguém moralmente superior e figura quase santificada, Washington foi um astuto e pouco escrupuloso oficial, sendo também um espião de primeira ordem. Walsingham, o chefe da rede de espionagem de Isabel I de Inglaterra, Richelieu e mesmo Thurloe, o tortuoso chefe dos espiões de Oliver Cromwell, terão sido as suas principais influências, pois era, tal como eles, capaz de qualquer tipo de embuste imoral na persecução dos seus desígnios. Além de tudo, o comandante das forças militares americanas era um mestre da desinformação. Pugnava insistentemente pela dispersão de falsos dados no seio do campo britânico. Fazia aos números de efetivos dos seus exércitos o mesmo que Jesus fez aos pães e aos peixes e até ao vinho. Enquanto presidente, George Washington apoiou as ideias em que acreditava: dedicou 12% do seu primeiro orçamento à recolha de informações militares.
Por outro lado, o seu reverenciado contemporâneo, Benjamim Franklin, patriota americano e campeão da liberdade, foi, na verdade, um agente britânico, espiando em todos os lugares por onde passava. Era o agente nº 72, pago a cargo de William Eden, o líder dos serviços secretos de Londres. O astuto ancião, enquanto durou a contenda, jogou nos dois lados, como forma de se certificar de que ficaria sempre do lado vencedor, independentemente de quem ganhasse.
(continua...)