História da Espionagem - Notas e relatório confidencial (Agente José Manuel) PARTE XVI
Haiku nº 14: A névoa / deixou a cidade / desmoronar-se
Os islâmicos foram em tempos uma civilização com uma avançada cultura literária e científica. Convém lembrar que a astronomia, a geografia, a botânica, a medicina, a matemática, a poesia e até a metalurgia floresceram em épocas onde a maioria dos europeus vivia no meio de doenças terríveis, do desespero e das trevas.
Por volta de 1095, enquanto uma dinâmica expansão cultural e militar do islão se encaminhava na direção de Constantinopla e da Palestina, milhares de cristãos europeus, crentes e ignaros, derem início a uma longa caminhada com o objetivo primordial de expulsar os pagãos da Terra Santa. Começou dessa forma a Primeira Cruzada. Seguiram-se mais sete que acabaram por implementar um padrão de inimizade atávica entre cristãos e muçulmanos.
De tudo isto resultou o fracasso militar dos europeus mas, por incrível que pareça, o legado que deixaram foi o despertar de um conhecimento e do esclarecimento no Ocidente. Sucedeu o Renascimento.
No início do século XX, deu-se a expansão colonial do Ocidente, tirando partido do desmoronamento do Império Otomano e da retirada do islão em praticamente todas as frentes: territorial, económica, científica, cultural, e ainda na que se veio a transformar na mais perigosa de todas: a religiosa.
No meio de toda esta confusão emergiu uma onda de nacionalismo que colocou de parte a criação de um verdadeiro estado islâmico, à medida que os novos líderes árabes consolidavam a sua posição. Mas até estes se revelaram tão autoritários e corruptos como os anteriores regimes coloniais.
Para homens como Nasser, Assad e o então reempossado xá do Irão, os clérigos radicais muçulmanos representavam somente problemas. Na Síria, por exemplo, os opositores muçulmanos do regime, que tiveram a ousadia de falar foram desaparecendo silenciosamente na versão de Damasco da Lubyanka. No Egipto, a Irmandade Muçulmana foi suprimida e, em 1966, o seu principal teórico, Sayyid Qutb, foi enforcado. Os “corvos negros” do Irão resolveram fugir, para evitar, no mínimo, a prisão.
Entendamo-nos, se ainda é possível. Os clérigos muçulmanos radicais, nas décadas de 1960 e 1970, proclamavam um evangelho de esperança. Com isso conseguiram pôr em polvorosa toda uma geração pós-colonial de seguidores do islão. A sua única verdade, a sua “causa”, era a divisa: “O Corão é a nossa constituição.” A sua alimentação espiritual passou a vir-lhes exclusivamente das mesquitas.
Para a desgraça ser completa, os acontecimentos ocorridos a nível mundial acabaram por proporcionar aos extremistas e fanáticos a oportunidade pela qual esperavam ansiosamente e que acaba sempre por os unir: Israel. Foi a sua vitória que, ironicamente, acabou por desencadear o grande apelo de mobilização do islão, assim como a apelo às armas.
Pela primeira vez, o “apelo de Alá” transformou-se em sinónimo de oposição a Israel, mas com consequências explosivas. Um das consequências desse chamamento resultou na conclusão de que os apoiantes do Estado judaico eram alvos legítimos para os fiéis islâmicos.
(continua)