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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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09
Jun21

Poema Infinito (565): O fogo e a calma

João Madureira

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Está tudo na minha cabeça: os rapazes a jogar futebol, as raparigas a jogar aos elásticos. É sábado. Os dias estão a ficar mais quentes. O céu parece pintado, sem nuvens. Escurece. Primeiro em azul. Depois chega o negro da noite. Ainda é sábado. O avô morreu a um sábado, com os olhos pretos refletindo o céu da noite. A avó fechou-lhos. Eram como duas pedras brilhantes. Os sonhos são cada vez mais antigos. Parecem bois domesticados. A mãe chora no meio das searas e o pai poda a vinha. O arado dorme dentro do seu abandono. Os choros estão repletos de metáforas. E de pequenos desdobramentos. Mastigamos o sono. E a gramática. E a angústia. E a transformação dos nomes. A tristeza é antiga. As árvores encolheram. O silêncio tomou conta dos montes. Os gestos ficam-me parados nos olhos. Adivinho o outono. Tento fugir à tosse. E ao remorso. As colheitas foram breves. As alegrias irrequietas. As mamas das mulheres arrefecem antes de alimentarem os filhos. O seco parece molhado. Quando as mãos ficavam frias, acendiam-se pequenas fogueiras. Choravam-nos os olhos. Vi passar nuvens. Vi passar rios e horas e tardes e chuvas e perdas e exigências e manifestações. Vi também passar prefácios e epigramas e epílogos. Escutei lamentos e cantigas e diálogos e perguntas.  Agora o que mais passam nas estradas são ambulâncias e não se vê vivalma nas ruas. Está tudo metido em casa de máscara cirúrgica enfiada na cara a ver televisão. O sol continua eterno. Os filósofos confirmam-se entre ruínas, comendo cerejas temporãs. Viajam desde a Grécia até às palmas das nossas mãos. Lembro-me então das chagas de Auschwitz, Sarajevo, Dubrovnik e do pranto de São Bartolomeu e de Zelote e do filho de Alfeu. O seu silêncio persegue-nos. E a sua solidão. O dia ascende, minucioso. A sua luz cai em lâminas. Os adultos entregam-se a jogos perversos. O verão está cada vez mais perto do inverno. E o deserto mais próximo das florestas. Todos envelhecemos a meditar. Jeremias atravessa as águas límpidas dos polos. Caminhamos de aldeia em aldeia e só avistamos ruínas e silvas. Aprendi a gostar de novo das coisas inúteis. As correntes de ar dentro de casa são mais frias do que as do Larouco. Para uns, o amor é uma impureza. Para outros é joia rara. Depende da quantidade que cada um tem para dar. Se for muito intenso, evapora-se como o álcool. Estou sempre a ouvir passos, mesmo quando estou sozinho. Continuo a preferir as estruturas, as casas. A noite. Há também a saudade: as saudades. Das cedências. Dos cheiros. Dos sons. E da sombra do castelo a estender-se pela tarde e pelo relvado. E a mãe a desfazer-se em lágrimas quando leu o telegrama a anunciar-lhe a morte do avô. Aí a infância começou a morrer. Tudo começou a ser mais magoado. Depois a avó iniciou o seu período de mudez. Tentou sobreviver com o que tinha. Com o rasto das árvores. Com a memória lenta. Com o esforço cego do sono. Os olhos ardiam-lhe em fogo quando avistava o cemitério. Aquela luminosa serenidade matava-a ainda mais um pouco. Foi quando os astros começaram a cair sobre o rio. Comecei a perceber que a poesia é inútil. A alegria é sempre transitória. O voo dos seus gestos ficou ferido de asa. Perdeu o equilíbrio dos olhos e a água íntima dos lábios. Apagaram-se definitivamente os breves vestígios da felicidade.

07
Jun21

543 - Pérolas e Diamantes: Infiltrações ecoguiadas e jacarandás

João Madureira

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Vivemos num país onde mandam os presidentes dos clubes de futebol. E, coitados dos senhores, para salvação do nosso desporto, um deles vive numa casa que é propriedade da empregada, e um outro apenas tem de seu um palheiro. E se não estão no governo, para lá caminham, pois são dos maiores pantomineiros do mundo, adeptos fervorosos do Groucho-marxismo.

 

Alguns jogadores dopam-se para aguentarem as dores nos jogos, administrando  triamcinolone, uma substância proibida pela Agência Mundial Anti-Doping, mas de forma legal, através de infiltração ecoguiada intra-articulada para combater alterações degenerativas nos tornozelos, pois a lei apenas penaliza a administração oral, retal, intravenosa e intramuscular.

 

O cansaço acumulado pelos portugueses acaba por torná-los menos eficientes. E se pensarmos que, como pensa Diogo Pacheco de Amorim, o vocabulário médio de 90% dos eleitores portugueses é de 80 palavras, está tudo explicado. Por isso é que o Chega, mandando Joacine para a sua terra, que eles não sabem bem qual é, não para de crescer nas sondagens. Os eleitores compreendem-no. E quando os seus dirigentes chamam bandidos a determinadas pessoas, que nasceram na terra da Joacine, e são condenados pelos tribunais, muitos deles, com o domínio vocabular dos cerca de 90% dos eleitores portugueses, queixam-se que estão a pôr em causa a sua liberdade de expressão. Por causa das coisas, aqui fica o convite para todos entoarmos uma canção bem ao gosto dos saudosos dos bons velhos tempos e que, com toda a certeza, 100% dos eleitores do Chega compreendem e até conseguem cantar sem grandes enganos: “Ai chega, chega, chega / Chega, chega, ó minha agulha/ Afasta, afasta, afasta / afasta o meu dedal / Brejeira, não sejas trafulha / Ó não, és a mais bela fresca agulha / em Portugal...”

 

Um agente do Corpo de Intervenção da PSP (ativista antirracista) escreveu um texto na sua página do Facebook, desconsiderando André Ventura e apelando para que se “decapitem esses racistas nauseabundos que não merecem a água que bebem”. A direção da PSP considerou que a “decapitação” é de facto uma “desconsideração pessoal” suspendendo-o por 10 dias. O agente recorreu da decisão e o Ministro da Administração Interna suspendeu a pena e ilibou o agente.

 

Mamadou Ba, num apelo intelectual e meramente simbólico, sob a forma de metáfora, pediu a morte do “homem branco”.

 

Ou muito me engano ou isto ainda vai acabar mal. É que os militantes e eleitores do Chega não simpatizam muito com metáforas, pois 90% não lhe entendem o sentido.

 

Parece que há quem associe a obesidade à preguiça, mas os entendidos referem que é precisamente o contrário.

 

Já Manuel Villaverde Cabral, defende que os grandes partidos atraem sobretudo quem quer ganhar bem sem trabalhar, mas, também nestes casos, parece que não é verdade.

 

Verdade, verdadinha, é que Pedro Passos Coelho regressou à atividade política e não disse nada. Talvez se sinta como a apresentadora Liliana Campos que sempre teve inseguranças, mas sempre soube, de uma forma ou de outra, como lidar com elas. Dizem os seus mais chegados, que o ex-líder do PSD é publicamente o oposto do que é pessoalmente. Outros afirmam que é precisamente o contrário.

 

O Secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal afirmou numa entrevista que já viu contentores com ginásio e ar condicionado em Odemira e, ao que se sabe, diz ele, os imigrantes não dormem assim no Nepal, nem no Bangladesh. E também enviou um recado aos defensores dos direitos dos imigrantes: “As pessoas são contra as estufas em Odemira mas depois querem comer tomate cherry.”

 

O senhor Secretário de Estado da Juventude e Desporto, a convite do senhor Presidente da Câmara de Lagoa, resolveu juntar-se à festa nacional e participar na inauguração da vedação de arame do Estádio Capitão Jusino da Costa.

 

Eu, por pura diletância intelectual, (ou será o contrário? Agora fiquei um pouco confuso...) fui até Lisboa para observar a magia dos seus jacarandás. Os jacarandás são uma marca da capital e o encanto das suas flores de cor lilás supera, de longe, o incómodo da substância pegajosa, bastante incomodativa, que segregam durante a floração, sujando os automóveis e os passeios.

 

Sensibilizado com tanta beleza, pus-me a escrever um poema que começa desta forma: “Lisboa tem mais encanto, e magia, na época dos jacarandás...”

 

Ou será o contrário? A pandemia está a deixar-me ainda mais confuso. Serei de esquerda ou de direita?

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