Barroso
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Está tudo na minha cabeça: os rapazes a jogar futebol, as raparigas a jogar aos elásticos. É sábado. Os dias estão a ficar mais quentes. O céu parece pintado, sem nuvens. Escurece. Primeiro em azul. Depois chega o negro da noite. Ainda é sábado. O avô morreu a um sábado, com os olhos pretos refletindo o céu da noite. A avó fechou-lhos. Eram como duas pedras brilhantes. Os sonhos são cada vez mais antigos. Parecem bois domesticados. A mãe chora no meio das searas e o pai poda a vinha. O arado dorme dentro do seu abandono. Os choros estão repletos de metáforas. E de pequenos desdobramentos. Mastigamos o sono. E a gramática. E a angústia. E a transformação dos nomes. A tristeza é antiga. As árvores encolheram. O silêncio tomou conta dos montes. Os gestos ficam-me parados nos olhos. Adivinho o outono. Tento fugir à tosse. E ao remorso. As colheitas foram breves. As alegrias irrequietas. As mamas das mulheres arrefecem antes de alimentarem os filhos. O seco parece molhado. Quando as mãos ficavam frias, acendiam-se pequenas fogueiras. Choravam-nos os olhos. Vi passar nuvens. Vi passar rios e horas e tardes e chuvas e perdas e exigências e manifestações. Vi também passar prefácios e epigramas e epílogos. Escutei lamentos e cantigas e diálogos e perguntas. Agora o que mais passam nas estradas são ambulâncias e não se vê vivalma nas ruas. Está tudo metido em casa de máscara cirúrgica enfiada na cara a ver televisão. O sol continua eterno. Os filósofos confirmam-se entre ruínas, comendo cerejas temporãs. Viajam desde a Grécia até às palmas das nossas mãos. Lembro-me então das chagas de Auschwitz, Sarajevo, Dubrovnik e do pranto de São Bartolomeu e de Zelote e do filho de Alfeu. O seu silêncio persegue-nos. E a sua solidão. O dia ascende, minucioso. A sua luz cai em lâminas. Os adultos entregam-se a jogos perversos. O verão está cada vez mais perto do inverno. E o deserto mais próximo das florestas. Todos envelhecemos a meditar. Jeremias atravessa as águas límpidas dos polos. Caminhamos de aldeia em aldeia e só avistamos ruínas e silvas. Aprendi a gostar de novo das coisas inúteis. As correntes de ar dentro de casa são mais frias do que as do Larouco. Para uns, o amor é uma impureza. Para outros é joia rara. Depende da quantidade que cada um tem para dar. Se for muito intenso, evapora-se como o álcool. Estou sempre a ouvir passos, mesmo quando estou sozinho. Continuo a preferir as estruturas, as casas. A noite. Há também a saudade: as saudades. Das cedências. Dos cheiros. Dos sons. E da sombra do castelo a estender-se pela tarde e pelo relvado. E a mãe a desfazer-se em lágrimas quando leu o telegrama a anunciar-lhe a morte do avô. Aí a infância começou a morrer. Tudo começou a ser mais magoado. Depois a avó iniciou o seu período de mudez. Tentou sobreviver com o que tinha. Com o rasto das árvores. Com a memória lenta. Com o esforço cego do sono. Os olhos ardiam-lhe em fogo quando avistava o cemitério. Aquela luminosa serenidade matava-a ainda mais um pouco. Foi quando os astros começaram a cair sobre o rio. Comecei a perceber que a poesia é inútil. A alegria é sempre transitória. O voo dos seus gestos ficou ferido de asa. Perdeu o equilíbrio dos olhos e a água íntima dos lábios. Apagaram-se definitivamente os breves vestígios da felicidade.
Vivemos num país onde mandam os presidentes dos clubes de futebol. E, coitados dos senhores, para salvação do nosso desporto, um deles vive numa casa que é propriedade da empregada, e um outro apenas tem de seu um palheiro. E se não estão no governo, para lá caminham, pois são dos maiores pantomineiros do mundo, adeptos fervorosos do Groucho-marxismo.
Alguns jogadores dopam-se para aguentarem as dores nos jogos, administrando triamcinolone, uma substância proibida pela Agência Mundial Anti-Doping, mas de forma legal, através de infiltração ecoguiada intra-articulada para combater alterações degenerativas nos tornozelos, pois a lei apenas penaliza a administração oral, retal, intravenosa e intramuscular.
O cansaço acumulado pelos portugueses acaba por torná-los menos eficientes. E se pensarmos que, como pensa Diogo Pacheco de Amorim, o vocabulário médio de 90% dos eleitores portugueses é de 80 palavras, está tudo explicado. Por isso é que o Chega, mandando Joacine para a sua terra, que eles não sabem bem qual é, não para de crescer nas sondagens. Os eleitores compreendem-no. E quando os seus dirigentes chamam bandidos a determinadas pessoas, que nasceram na terra da Joacine, e são condenados pelos tribunais, muitos deles, com o domínio vocabular dos cerca de 90% dos eleitores portugueses, queixam-se que estão a pôr em causa a sua liberdade de expressão. Por causa das coisas, aqui fica o convite para todos entoarmos uma canção bem ao gosto dos saudosos dos bons velhos tempos e que, com toda a certeza, 100% dos eleitores do Chega compreendem e até conseguem cantar sem grandes enganos: “Ai chega, chega, chega / Chega, chega, ó minha agulha/ Afasta, afasta, afasta / afasta o meu dedal / Brejeira, não sejas trafulha / Ó não, és a mais bela fresca agulha / em Portugal...”
Um agente do Corpo de Intervenção da PSP (ativista antirracista) escreveu um texto na sua página do Facebook, desconsiderando André Ventura e apelando para que se “decapitem esses racistas nauseabundos que não merecem a água que bebem”. A direção da PSP considerou que a “decapitação” é de facto uma “desconsideração pessoal” suspendendo-o por 10 dias. O agente recorreu da decisão e o Ministro da Administração Interna suspendeu a pena e ilibou o agente.
Mamadou Ba, num apelo intelectual e meramente simbólico, sob a forma de metáfora, pediu a morte do “homem branco”.
Ou muito me engano ou isto ainda vai acabar mal. É que os militantes e eleitores do Chega não simpatizam muito com metáforas, pois 90% não lhe entendem o sentido.
Parece que há quem associe a obesidade à preguiça, mas os entendidos referem que é precisamente o contrário.
Já Manuel Villaverde Cabral, defende que os grandes partidos atraem sobretudo quem quer ganhar bem sem trabalhar, mas, também nestes casos, parece que não é verdade.
Verdade, verdadinha, é que Pedro Passos Coelho regressou à atividade política e não disse nada. Talvez se sinta como a apresentadora Liliana Campos que sempre teve inseguranças, mas sempre soube, de uma forma ou de outra, como lidar com elas. Dizem os seus mais chegados, que o ex-líder do PSD é publicamente o oposto do que é pessoalmente. Outros afirmam que é precisamente o contrário.
O Secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal afirmou numa entrevista que já viu contentores com ginásio e ar condicionado em Odemira e, ao que se sabe, diz ele, os imigrantes não dormem assim no Nepal, nem no Bangladesh. E também enviou um recado aos defensores dos direitos dos imigrantes: “As pessoas são contra as estufas em Odemira mas depois querem comer tomate cherry.”
O senhor Secretário de Estado da Juventude e Desporto, a convite do senhor Presidente da Câmara de Lagoa, resolveu juntar-se à festa nacional e participar na inauguração da vedação de arame do Estádio Capitão Jusino da Costa.
Eu, por pura diletância intelectual, (ou será o contrário? Agora fiquei um pouco confuso...) fui até Lisboa para observar a magia dos seus jacarandás. Os jacarandás são uma marca da capital e o encanto das suas flores de cor lilás supera, de longe, o incómodo da substância pegajosa, bastante incomodativa, que segregam durante a floração, sujando os automóveis e os passeios.
Sensibilizado com tanta beleza, pus-me a escrever um poema que começa desta forma: “Lisboa tem mais encanto, e magia, na época dos jacarandás...”
Ou será o contrário? A pandemia está a deixar-me ainda mais confuso. Serei de esquerda ou de direita?
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