Porto - S. João
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Quem diria... O Novo Testamento culpa os judeus pela morte de Cristo e condena-os à infâmia eterna, acusando-os de aceitaram que o sangue de Cristo fosse derramado sobre eles e sobre os seus descendentes.
E a desdita continuou. Enquanto minoria não cristã numa sociedade regida por crenças e instituições cristãs, os judeus foram os alvos óbvios e fáceis do ódio popular em tempos de crise como a Peste Negra, em meados do século XIV, quando a populaça europeia culpou os judeus pela enorme mortalidade e se vingou com inúmeros atos de violência e destruição.
A hostilidade cristã aos judeus ofereceu uma rampa de lançamento crucial para o desenvolvimento do antissemitismo moderno, desde logo porque incluiu com frequência um forte elemento de preconceitos raciais, transformando-se em antissemitismo racial de distintas formas.
No século XIX, o antissemitismo de cariz religioso começou a ficar cada vez mais antiquado, pelo menos na sua forma mais autêntica e tradicional, especialmente porque os judeus deixaram de ser uma minoria religiosa facilmente identificável e começaram a converter-se ao cristianismo e a entrar para a sociedade cristã através do matrimónio.
Num texto publicado em 1873, Wilhelm Marr, inspirado nas teorias em voga de um racista francês chamado Joseph Arthur de Gobineau, afirmou que “não se devem invocar preconceitos religiosos quando se trata de uma questão de raça e quando a diferença reside no sangue.” E disse ainda mais: “A questão judaica é o eixo em torno do qual gira a roda da história mundial. Todos os nossos desenvolvimentos sociais, comerciais e industriais assentam numa visão judaica do mundo.”
A verdade é que até a maior das imbecilidades tem sempre uma razão de ser. Marr era também um homem desesperado. Tinha dificuldades financeiras constantes e foi duramente atingido pela turbulência dos anos 70. A sua segunda mulher, uma judia, apoiou-o financeiramente até à sua morte, em 1874. E a terceira, da qual se divorciou depois de uma relação breve, mas desastrosa, também era meia-judia, o que o levou a culpá-la parcialmente pela sua falta de dinheiro e por ter de lhe pagar somas consideráveis para criar o filho de ambos.
Marr, elevando com insolência a sua experiência pessoal a uma regra geral da história mundial, concluiu de tudo isso que a pureza racial era admirável e a mistura racial uma garantia de calamidades.
Outros autores aproveitaram o embalo e juntaram-se a Marr como propagandistas do novo antissemitismo racial. Eugen Duhring equiparou o capitalismo aos judeus e argumentou que o socialismo tinha de procurar, principalmente, de privar os judeus da sua influência financeira e política.
O historiador Heinrich von Treitschke disse que os judeus estavam a subverter a cultura alemã e popularizou a frase “os judeus são a nossa desgraça”, palavras que nos tempos subsequentes se viriam a tornar num slogan de muitos antissemitas, incluindo os nazis.
A obra de Heinrich von Treitschke foi uma das histórias da Alemanha mais lidas no século XIX, e as suas diatribes contra o que ele apelidou de materialismo e desonestidade dos judeus suscitaram o entusiasmo de muitos e também uma reação enérgica por parte dos seus colegas berlinenses, condenando o ódio e o fanatismo raciais do seu colega.
Mas foram os pequenos empresários, os lojistas, os artesãos e os pequenos agricultores, os mais dados ao antissemitismo declarado.
Os judeus, ou a sua imagem distorcida e polémica, simbolizavam o liberalismo, o socialismo e a modernidade, que eram rejeitados pela igreja.
No Vaticano, o antissemitismo religioso e racial fundiu-se com algumas diatribes antijudaicas publicadas por autores eclesiásticos em alguns dos jornais e revistas ultramontanos da linha dura.
Wagner, que considerava o espírito judeu inimigo da profundidade musical, chegou a propor a assimilação dos judeus pela cultura alemã e a substituição da religião judaica, e mesmo de todas as religiões. Depois de ler o texto antissemita de Wilhelm Marr em 1873, deixou de desejar a assimilação dos judeus pela sociedade alemã e passou a pretender a sua exclusão.
A sua esposa, Cosima, escreveu no diário que Wagner, ao falar do clássico teatral Nathan, o Sábio, e de um incêndio desastroso no Ringtheater de Viena, no qual morreram mais de quatrocentas pessoas, incluindo muitos judeus, com um remoque veemente, “que os judeus deveriam arder todos durante uma representação de Nathan”.
Hitler levou o desabafo à letra, com o resultado que todos sabemos.
https://www.youtube.com/watch?v=IgJRCQ8WfLE
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