Porto
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Uma coisa sabemos de ciência certa: os grandes feitos culturais ao longo dos séculos não impedem as sociedades de caírem na barbárie política. A experiência do Terceiro Reich e do Comunismo soviético ensinou-nos que o amor à grande música, à grande arte e à grande literatura não confere às pessoas nenhuma espécie de imunidade moral ou política à violência ou à de subserviência às ditaduras.
A verdade é que apesar de as ideias possuírem um poder próprio, esse poder é sempre condicionado, direta e indiretamente, pelas circunstâncias sociais e políticas.
O século XX, por muito que nos custe a todos, foi a época do totalitarismo, culminando nas tentativas de Hitler e Estaline estabelecerem uma nova espécie de ordem política assente no controlo policial total, no terror, na repressão e na eliminação física implacável de milhões de opositores reais ou imaginários, apostando na mobilização e no estímulo do entusiasmo das massas através de sofisticados métodos de propaganda.
Mas também é verdade que existiram muitas diferenças cruciais entre bolcheviques e nazis. Os primeiros fracassaram rotundamente na sua tentativa de conquista do apoio massificado do público em eleições livres. Já os nazis tiveram nas eleições uma base essencial para chegarem ao poder.
Além disso, a Rússia era uma país atrasado e esmagadoramente rural, carecendo das funções básicas de uma sociedade civil e de uma tradição de representatividade política.
Já a Alemanha era extremamente culta, evidenciando longas e acarinhadas tradições de instituições representativas, tendo orgulho no primado da lei e nos seus cidadãos politicamente ativos.
Mas também é verdade que tanto o nazismo como o comunismo não foram acidentes históricos.
Apesar de tudo, o nazismo é muito mais difícil de explicar.
Sabemos que foi buscar a sua razão histórica a Bismarck, não conseguindo disfarçar o mesmo desprezo pelo liberalismo, pelo socialismo, pelo parlamentarismo, pelo igualitarismo e por muitos outros aspetos do mundo moderno.
Bismarck, honra lhe seja feita, logo após a sua nomeação, disse ao que vinha: “As grandes questões do dia não se decidem com discursos nem com resoluções por maioria – foi este o erro de 1848 e 1849 –, mas com sangue e ferro.”
O uso da força para fins políticos foi legitimado a um nível muito superior ao que era comum na maior parte dos outros países. O Reichstag ficou apenas com o direito de aprovar o orçamento do exército de sete em sete anos.
Alvo de forte perseguição política, os sociais-democratas (arreigadamente marxistas radicais) foram crescendo, transformando-se na maior organização política mundial, com cerca de um milhão de filiados. Mas, por causa de antigas perseguições e ilegalizações, eram tão legalistas que Lenine, num dos seus poucos momentos de humor, afirmou que os sociais-democratas alemães nunca lançariam uma revolução de sucesso porque quando assaltassem as estações de caminhos de ferro fariam ordeiramente bicha para comprar o bilhete. O partido adquiriu o hábito de esperar pelos acontecimentos em vez do os criar. E isso foi-lhe fatal.
Entre as tensões da sociedade alemã nasceu um espécie de nacionalismo doentio e extremamente sonoro misturado com doses assustadoramente estridentes de racismo e antissemitismo que criaram um dos legados mais nocivos da história da humanidade.
A verdade é que a maior parte dos judeus se identificava fortemente com o nacionalismo alemão. E estiveram ligados, sobretudo, aos desenvolvimentos mais modernos e progressistas que ocorriam na sociedade, na cultura e na economia.
Foram desenvolvimentos deste tipo que tornaram os judeus alvos de agitadores sem escrúpulos.
Para os alemães descontentes e falhados que se viram atropelados e esmagados pelo rolo compressor da industrialização, que ansiavam por uma sociedade mais simples, mais ordenada, mais segura e mais hierárquica, como a que imaginavam ter existido num passado não muito longínquo, os judeus passaram a simbolizar a modernidade cultural, financeira e social.
Depois a bola de neve foi sempre em crescendo até o mal atingir a sua banalidade suprema em Auschwitz.
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