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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

20
Set21

558 - Pérolas e Diamantes: Dicotomias e outras derivações

João Madureira

Apresentação3-2.jpg

 

 

Muitos dos políticos que conheci, ou com quem me dei, pareciam ser duas pessoas diferentes num só corpo, pois possuíam dois tipos de comportamento completamente diferentes. Por vezes eram confiantes e argutos, embuçados por uma voz afirmativa; outras vezes, revelavam-se muito enigmáticos, falando com uma voz monótona, grossa, alta, quase aguda.

 

A verdade é que a grande maioria, depois de sair da ribalta, viu os seus sonhos dourados pelo poder esfumarem-se.

 

Agora lá estão nos seus gabinetes caseiros, administrando as suas contas bancárias, ou admirando algumas obras de artistas plásticos que lhes foram oferecidas no momento da despedida.

 

Que eu saiba, ainda nenhum escreveu as memórias por falta de enredo digno desse esforço.

 

Ninguém consegue enganar, sem primeiro lisonjear. É dessa forma que encontram o método para convencerem as pessoas de que o que cada um quer é o que ele quer.

 

A verdade é que a ambição dos homens é muita e o que há para distribuir é pouco. Mas esse pouco tem de chegar para quem arrisca e se sacrifica pelo bem comum.

 

Dizem que o homem sábio não tem ambições e por isso não tem fracassos.

 

Os chineses dizem que têm a certeza de que deve existir uma maneira certa de governar. Mas o inquestionável é que todos estamos bem familiarizados com todas as maneiras erradas. 

 

Mas apenas devemos observar o que é nosso dever observar. Não é por desaprovar o caos que devemos apoiar a ordem a qualquer preço.

 

Como diziam os velhos sábios: para que o Estado floresça a bondade deve ter a sua origem no próprio governante, não pode advir dos outros. Apenas os homens vaidosos e tolos é que não pensam noutra coisa que não seja ter um cargo notório. Desejam distinções públicas e poder.

 

Nós passamos a vida a admirar as pessoas por aquilo que não fazem. E depois chamamos-lhes estadistas.

 

Na vida em sociedade há aqueles que não mentem... muito. Existem também os que mentem com imaginação. Os que mentem por conveniência. E os que mentem por prazer. E ainda há aqueles que misturam a verdade com a fantasia, nunca sabendo, nem eles nem nós, qual é uma e qual é a outra. Vivem numa espécie de ângulo agudo, que pensam ser reto.

 

A verdade é que estou ainda para descobrir um mentiroso que não seja polidamente lírico sobre a virtude de se dizer a verdade.

 

Dizem que os homens habilidosos não podem ocupar cargos importantes por causa disso mesmo. Mas também afirmam que, na sua maioria, os sábios se parecem com os mestres do lugar comum que são sempre citados até à náusea pelos estúpidos.

 

No nosso país, os ricos fingem de pobres e os pobres dão-se ares de ricos. Por isso é que os cofres do Estado estão sempre vazios.

 

Os impostos excessivos reduzem a capacidade de criação de riqueza. Os sábios antigos diziam que até os bandidos das florestas nunca levavam mais do que dois terços da caravana de um mercador, pois é do interesse do ladrão que o mercador prospere para que haja sempre alguma coisa para roubar.

 

Há pessoas que preferem o poder à virtude. São a maioria. Gostam de pensar que se pode ser, ao mesmo tempo, bom e poderoso. Mas isso é raro.

 

Depois de comprarmos castanhas assadas, ao tirar-lhes as cascas queimamos os dedos e ao comê-las queimamos a boca.

 

Confúcio aconselhava os barões chineses do seu tempo a promover aqueles servidores do Estado que eram dignos e a educar os que eram incompetentes. E, depois de banalidades tão maravilhosas, advertia que o contrário nunca devia ser praticado. Ou seja, que não se deve tentar educar os que já são dignos e, muito menos, promover os incompetentes.

 

Mas poucos governantes conseguem reconhecer o que é bom e virtuoso quando o veem. 

 

Os mais diligentes preocupam-se, sobretudo, em transformar os que se autointitulam de incómodos em adornos do regime.

 

Volto a Confúcio: “Aprender e não refletir sobre o que se aprendeu é perfeitamente inútil. Pensar sem primeiro aprender é perigoso.”

 

Mas a verdade é que nem ele, nem eu, um seu leitor diligente, temos muita paciência para os manipuladores de argumentos.

 

Uma coisa aprendi com o tempo: os sacerdotes profissionais detestam que lhes falem de uma religião, ou de um sistema de pensamento, rival.

 

Só consegue prever o futuro quem compreende perfeitamente o presente.

16
Set21

Poema Infinito (578): A dispersão

João Madureira

 

 

IMG_4383 - cópia 6.jpeg

 

Pressinto a árvore da velhice a aproximar-se. O sol tornou-se sonâmbulo. Nasci numa geografia de fronteira que cruzava todos os dias. Lembro-me de ter as mãos cheias da sua luz. Agora, até as aves procuram novos céus. Os nomes começam a ser nada. Por aqui, as estradas são sempre de desvios. Por cima passam tordos, tentilhões, cucos, estorninhos, chascos, andorinhas, pardais, corujas, falcões, águias, milhafres, abelharucos, rolas e toutinegras. O lugar da morte é definitivo. O convento parece uma máquina de almas acomodatícias, contrariando as crianças. A solidão é uma coisa kafkiana que inverte os gritos e confunde os sonhos com os pesadelos. A paz não resulta da guerra mas do pavor, da impassível frialdade das palavras, dos significados mais dúbios. O nevoeiro levantou revelando toda a escuridão. A história está toda amontoada sobre as ruínas do castelo. O céu é uma dispersão de estrelas longínquas. Por vezes deito-me por entre as pedras da torre destruída para ver as aves lá em cima, a percorrerem as suas rotas caóticas. À medida que o sol caminha pela tarde, pequenos fragmentos de sombras deslizam pelas paredes do mosteiro. A roupa dos monges agita-se nos estendais. Oiço o murmúrio das suas orações e dos seus cânticos. Deus podia ser assim. Fitas de nuvens rasgam o azul do céu. Lá em baixo continua a correr o rio onde, quando era pequeno, brincava a tentar apanhar as sombras projetadas pelas videiras pendentes. Durante a madrugada, as aves desciam sobre a finíssima rede de neblina. Depois, a luz começava a passar por entre os ramos das árvores mais altas. Por aqui, antigamente, ouviam-se os gritos das crianças. Agora o silêncio pesa tanto como a morte. Só o céu continua a mostrar o seu azul radiante. Ainda me lembro do rosto oval do avô, dos seus olhos castanhos e dos vincos de dúvida na testa quando olhava para as suas terras. A chuva tamborila nos telhados como milhares de bicadas de pássaros nervosos. Este é um tempo diferente. As casas transformaram-se em retratos. A dor é ainda maior do que a solidão. O tempo neste lugar está cheio de decomposição. Lá em baixo, junto ao moinho, o moleiro costumava falar-me das estrelas. E de o tempo não ter princípio nem fim. Aprendi com ele a fase das vertigens, como se estivéssemos na beira de um precipício. Sente-se a hora meridiana do esquecimento, a luz inatingível é equidistante. Aprendi com os beduínos o cheiro e o toque do vento. Lembro-me da última vez que vi o avô. Curvou-se sobre mim e deu-me um beijo na testa. Com a última luz do dia, observei as pequenas rugas profundas que sulcavam o seu rosto. Vi cintilar os seus olhos inquietos, que apenas se fixavam nas coisas por breves instantes. No silêncio que se seguiu, apenas se escutou o vento, os balidos, os mugidos, os grunhidos, os latidos e os roncos dos animais. O futuro do avô estava escrito na água e no voo das aves. A montanha transformou-se num vulto adormecido. Uma espécie de saudade silenciosa vagueia pelos caminhos. A aldeia parece uma ilha no meio da noite. Tudo parece inútil: as cerejeiras, setembro, a inclinação das vinhas, as urzes, a solidão e mesmo o vento que vem do norte. Os vales costumam ficar serenos antes da destruição. Quando a madrugada chegar, já estarei sóbrio. Agora estou apenas cansado.

13
Set21

557 - Pérolas e Diamantes: O cadinho totalitário

João Madureira

Apresentação3-2 - cópia 7.jpg

 

Na Alemanha do início do século XX, Hans Bluher e outros autores muito influenciados por Heinrich Schartz e pelo movimento juvenil, chegaram ao extremo de defenderem que o Estado devia de ser reorganizado de forma antidemocrática e liderado por um grupo coerente de homens heroicos unidos por laços homoeróticos de amor e afeto.

 

Os defensores destas ideias começaram a fundar organizações pretensamente monásticas e de cariz conspirador ainda antes da Primeira Guerra Mundial, nomeadamente a Ordem Germânica, criada em 1912.

 

No mundo destas restritas seitas seculares, tinham um papel preponderante o simbolismo e os rituais “arianos”.

 

Os seus membros reclamavam as runas e o culto solar como sinais estruturantes do germanismo e adotaram o símbolo indiano da suástica como emblema “ariano” sob influência do poeta de Munique Alfred Schuler e do teórico racial Lanz von Liebenfels, que no ano de 1907 hasteou uma bandeira com a suástica no seu castelo austríaco.

 

Apesar de serem ideias estranhas, a sua influência foi importante em muitos jovens da classe média que passaram pelas organizações do movimento juvenil antes da Primeira Guerra Mundial, pois contribuíram para uma revolta generalizada contra as convenções burguesas da geração nascida na última década do século XIX e na década seguinte.

 

Ou seja, o turbilhão político das ideologias raciais que deu origem ao nazismo já estava a desenvolver-se poderosamente muito antes da Primeira Guerra Mundial.

 

Heinrich Class, publicou, sob pseudónimo, um manifesto com o cativante título “Se eu Fosse o Kaiser”, onde dizia que, antes de tudo, se tinha de lidar com os inimigos internos do Reich: os sociais-democratas e os judeus. Sobretudo os judeus porque estavam a subverter a arte alemã, a destruir a criatividade alemã e a corromper as massas alemãs. Além disso, o sufrágio para o Reichstag teria de ser estruturado de forma a dar mais poder eleitoral aos cultos e aos patrimoniados, e só os melhores seriam autorizados a sentar-se na câmara.

 

A Liga Pangermânica, por exemplo, dizia que o povo alemão estava rodeado de inimigos, desde os “eslavos” e “latinos” que cercavam a Alemanha por fora, até aos judeus, jesuítas, socialistas e outros agitadores e conspiradores subversivos que a minavam por dentro.

 

O problema residia no facto de os grupos de pressão alemães não resultarem de nenhuma estratégia manipulativa das elites guilherminas, mas de um movimento genuinamente populista de mobilização política a partir de baixo.

 

Os memorandos dos pangermanistas defendiam que os judeus deveriam ser tratados como estrangeiros, proibidos de adquirir terras e privados do seu património caso emigrassem. Para Gebsatell, o batismo não fazia obviamente diferença nenhuma para o facto de alguém ser judeu. Ou seja, quem tivesse mais de 25% de “sangue judeu” nas veias deveria ser tratado como judeu e não como alemão.

 

Teve então início a Primeira Guerra Mundial, onde os alemães começaram por triunfar.

 

Por volta de 1917, o Partido Bolchevique, liderado por Lenine, que dissera sempre que a derrota da Rússia na guerra era a maneira mais fácil de gerar uma revolução, montou um Golpe de Estado que encontrou pouca resistência.

 

A denominada Revolução de Outubro degenerou logo num caos sangrento. Quando os adversários dos bolcheviques tentaram montar um contragolpe, o novo regime reagiu com o “terror vermelho”. Todos os outros partidos foram ilegalizados. Foi estabelecida uma ditadura sob a liderança de Lenine.

 

O recém-criado Exército Vermelho, chefiado por Trotsky, travou uma terrível guerra civil contra os “Brancos”, que procuravam restaurar o regime czarista.

 

A polícia política bolchevique, Cheka, reprimiu implacavelmente os opositores  do regime: socialistas moderados, mencheviques, anarquistas,  sociais-revolucionários ligados aos camponeses. Milhares de pessoas foram torturadas, assassinadas ou encarceradas em condições brutais nos primeiros campos que depois se transformaram no Gulag.

 

Foi no cadinho do triunfo da Revolução Comunista na Rússia e da derrota da Alemanha na Primeira Guerra Mundial que se forjou o nazismo.

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