Poema Infinito (609): As partículas invisíveis
Os mais profundos mistérios da natureza estão cheios de poesia. As luzes, as estrelas violetas, as partículas invisíveis, o voo das libelinhas, os cometas, as caudas nebulosas do vapor condensado, os diabos microscópicos, a louca velocidade da alegria, os núcleos atómicos, a faceta lisa dos cristais, o olfato, a divina utilidade dos objetos manufaturados, as palavras mais pálidas, a ênfase das equações matemáticas, a potência do raciocínio, o tempo, a energia dos quanta, a fabulosa complexidade da rudeza e da delicadeza, o princípio da vulgaridade, a insatisfação da alma. Carrego as emoções como um fardo, pois não sei lá muito bem o que elas trazem dentro de si. Uma planta seca floriu de repente, abrindo as suas asas azuis. Os olhos da avó eram azuis. As suas palavras eram azuis. Acreditar nessa realidade é como um susto que nos pregam com a intenção de dizer que gostam de nós. As crianças dormiam o primeiro sono no escano protegidas pela avó e o avô fazia que mastigava uma côdea para beber o último copo de vinho, enquanto olhava alternadamente para os netos e para a sua amada mulher. Como era o rosto dos avós? É estranho, mas é mais difícil imaginar os rostos dos nossos mais próximos do que os dos estranhos. Os ramos da velha pavieira continuam a crescer. O ar está mais fresco, ainda cheira a uma espécie de tristeza outonal. A alma anda agora a comer os sentimentos. Parece um lobo faminto e contraditório. A água ferve. As batatas cozem. As horas derretem-se como os relógios de Dali. Tudo está preenchido por um encanto triste. As sombras dos pinheiros parecem inquietas. Nos bancos de jardim, junto das tílias em flor, um casal de namorados beija-se com o rosto molhado pela chuvinha tépida que acabou de cair. Já não é o silêncio que escuto, mas a tristeza. Ali está a fotografia amarelada da avó com o seu lenço preto na cabeça, atado à moda aldeã. Ela é os seus impressionantes olhos azuis, embaraçada a olhar a máquina fotográfica e a tentar atrever-se a esboçar um sorriso. Uma das mãos tenta apertar o peito. As estrelas cintilantes geram dentro dos cérebros despertos explosões de protões e desmultiplicam as fases e os ciclos da evolução. A avó gostava de as apontar dirigindo o seu dedo indicador às que mais brilhavam. Depois olhava para mim e apontava as que estavam dentro dos meus olhos. Quando me via assustado, sorria e afagava-me a cabeça. A energia é eterna. Os pirilampos dão saltos, como se fossem estrelas cadentes. Sempre tive dificuldade em adaptar-me à imensidão. As plantas costumavam espiar-nos. Por vezes parecia que sorriam. Agora nem mudam de posição. Parecem de plástico, sempre com a mesma cor, a mesma forma e o mesmo pó. Os lábios da mãe, que eram duplicados dos lábios da avó, pareciam-se com os gomos das videiras onde as folhas iam crescer. Tudo era solar, especialmente os olhos que se assemelhavam às janelas lá de casa. Depois veio o Birtelo e pôs-me pendurado na porta para finalizar a reza de levantar a espinhela. Ele a untar os pulsos com azeite do bom. Ele a esfregar os pulsos com o polegar delicado. Ele a rezar como se fosse um anjo barbudo e doce. Já não há anjos como o Birtelo para dizerem à mãe que já comeram e beberam e não cheiram a vinho. O seu caldo de couves rasgadas ainda pousa suavemente na minha língua quando o lembro. Dele. E da mãe. E do pai. E do Larouco cheio de neve.