600 - Pérolas e Diamantes: Dilatações
Danton, que sabia muito bem daquilo que falava, afirmou que os meios revolucionários tinham sido funestos para muita gente, dado que a revolução não se propaga geometricamente, é como uma enxurrada que desmorona muita coisa útil e boa e arranca muitas raízes de bons pomares. Por cá, depois dela, após a denominada estabilização democrática, muita gente com alguma riqueza e terras, gastou algum dinheiro nas mais improdutivas, fazendo-lhes melhoramentos supérfluos, dando ordens por telefone, instalados nos seus solares como se fossem senhores feudais. Com os fundos comunitários, grande parte dos portugueses deixou-se enganar ou enganou os outros. Nunca ninguém soube muito bem quais eram os princípios da governação e da atribuição dos subsídios. E também não interessava. Desde que o dinheiro viesse, tudo estava bem. Como sempre, correu o ouro para o tesouro. Uns ficaram com as barras e os outros com a luz do seu brilho. Depois impôs-se a ideia de que o silêncio em torno do poder era a melhor forma de esconder a verdade. E foram criados os media destinados a fabricar a opinião. Com os subsídios começaram a nascer vivendas como cogumelos depois das chuvadas. E canis de rede de aço para os cães de guarda. E alarmes por toda a parte. E piscinas. Nas melhores fizeram-se até pequenos ribeiros em redor dos jardins onde se viam lindas carpas a nadar. E nas garagens estacionavam-se carros de todos os gostos e feitios. Os economistas e os empresários começaram a tomar conta de tudo. Até do poder democrático, pelo qual diziam ter desprezo. Os ricos abandonaram a sua hipocrisia e os bancos começaram a arruinar os governos, as pessoas e o país. Não se sabia de onde vinha tanto dinheiro. Nem para onde ia. Desapareceu, como por milagre. O dinheiro produz sempre a ideia de mais dinheiro. Os mais atrevidos até foram capazes de fazerem das suas mansões e das suas propriedades entrepostos para o tráfico de droga. O dinheiro misturou-se com a cultura e adquiriu poder político e financeiro. Apareceram então as grandes superfícies, esses verdadeiros palácios dos pobres onde proliferam as fibras, quer seja no vestuário, no calçado ou na carne. Onde as bijutarias têm o mesmo apelo dos enormes pastéis de nata. Por isso a multidão engorda e se apaixona por períodos renováveis, até o contrato nupcial ser denunciado por uma das partes, ou pelo facto de o colar de pérolas de viveiro ter perdido o brilho ou as pernas da princesa do bairro terem ficado como coxas de galinha. Não há nada de normal na normalidade. Foi o tempo em que se começou a propagar o conceito de nova cozinha cuja arte reside em misturar coisas que não se misturam. Os sonhos tornaram-se naquilo que são: breves imitações da felicidade. A Nação pareceu a muitos que estava grávida, grávida de progresso e com esperança no futuro. Ficou quase intratável, com todos os sintomas de gravidez: falta de menstruação, vómitos matinais, os desejos, os sentidos embotados e uma espécie de desmaios. Mas a Nação não estava “prenhe”. A gravidez não passava de uma barriga de vento. Uma gravidez psicológica. Entre nós, tudo é obra de momento. Até a dilatação da fé e do império e das trompas de falópio, que, na sua essência, não passam de redes de pescar. Os novos ricos envelheceram e agora matriculam os filhos, também já um pouco estragados pela ociosidade, em ginásios para irem nadar. Poucos são os que os frequentam regularmente, intervalando todo esse excesso de esforço e determinação com dietas de legumes crus e peixe grelhado. Mas os que sabem dessas coisas de etiquetas e protocolos, bem lhes lembram que, exceto a fome, as dietas são atributos de ricos com pedigree. Gastam mais em saladas do que em ordenados com os criados. Tudo isso pode até parecer feio, como as máscaras de beleza, mas sempre dão uma ajuda na hora de sair à rua. Uma combinação dos seus sorrisos dava um quadro do Rembrandt ou mesmo de Nadir Afonso. Ou de Júlio Pomar. Agora andam todos atrás da descoberta de novas formas de descontentamento. Deixaram de amar com paixão para passarem a amar com compaixão. A idade para aí os encaminha. Os que vão ao psiquiatra saem de lá com a noção de que estão deprimidos. A sua tristeza não tem fim. Depois de consultarem as amizades, resolvem viajar. Todos sabemos que as viagens se inventaram para combater a tristeza.