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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

31
Ago23

Poema Infinito (677): Via Crucis

João Madureira

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Os corpos fundem-se. Fundem-se em gás e fogo. E em entusiasmo. E em braços e pernas. E tocam-se, nas partes mais íntimas. No meio de tamanha confusão, dizes que me amas. Atrapalho-me com tanta ginástica. Via Crucis. Lamento lento. Amar-te numa cama de lírios. Ai Salomão, Salomão, tanta concubina para nada. Somos como lâmpadas, uns fundem-se e outros querem ser fundidos. Antigamente havia velas e depois fusíveis. Hoje já não existe nada disso. Só lanternas de telemóveis a brilhar no meio de concertos ensurdecedores. Domesticaram a eletricidade dos corpos. Antigamente faziam-se filhos em pé, de cócoras ou deitados em cima das tábuas do escano. Agora é tudo feito em cima edredões de penas, colchões ortopédicos ou em sofás inverosímeis. Esta nova sensualidade tem o sabor característico do esferovite. O amor, este novo amor, é tão leve que nem se sente. Os olhares são condicionais. Bebe-se tudo, nem é preciso sede. Fornica-se tudo, nem é necessário desejo. Mãos paradas, sexo baseado em estimulantes químicos. Mas tudo sem química orgânica. Então que dizer das unhas de gelinho a estimular o escroto. A sintaxe do amor, por vezes, ainda chega ao peito. E depois nem sobe, nem desce. Tudo a demorar ou a ser rápido de mais. Há amantes que ladram e outras que falam como se estivessem num filme. Na verdade, já ninguém sabe muito bem onde está. Ou por onde anda. Uns lambem pétalas, outros lábios. Uns riem, outros apontam o céu. É preciso respirar. Experimentar outro tipo de navegação. Sonhar com metáforas. Então, sim, os corpos vão estremecer. Estremecer. Estremecer. A boca procura conforto. Esse é o princípio crítico do amor. Também as avencas florescem. E os pássaros voam para dentro dos sonhos. Quero ir ao lugar do amor e demorar-me lá. É preciso ir, insistir. E vir. Os rostos aflitos, logo ficarão calmos. Faz parte da mise en scène. Muito do amor, começa com um beijo e acaba em desconsolo. E também há aquele que se inicia com um abraço apertado, se incendeia no calor dos corpos e acaba tão consolado que tem pressa de começar de novo. Não feches a porta do teu corpo que quero entrar outra vez. Algumas mulheres descansam na sombra verde do desejo. E sorriem. Umas por fora. E outras por dentro. Os seus sorrisos são como carícias disfarçadas de sexo. Análises e protestos são deixados aos proustianos. Filhos feitos debaixo das árvores são cada vez mais raros. Frutos demasiado maduros apenas sabem a doce. Duas mãos e um sexo podem ser bons acordes para se compor uma canção de amor. Alguém tem de suportar o mundo. Fazer grandes mundos de pequenas coisas. Gemidos e orgasmos. Despir prepúcios, acariciar vulvas. Houve jejum, houve pandemia, houve febre. Apesar dos gritos mudos, continuamos a tocar-nos, a possuirmo-nos. E a copular como quem reza. E a rimar palavras com a carne correspondente. E a dissolver os beijos. E a fazer deslizar orgasmos sobre as camélias. Lágrimas frágeis instalam-se nos nossos olhos. Pequenas viagens de amor podem ter o sabor infinito do momento. Não quero explodir. É ainda possível controlar o crepúsculo. Há tanta inconveniência na posse. No amor despenham-se todos os trapezistas por causa das linhas curvas. O desejo não tem paciência, nem lucidez. Apenas o amor carnal permite a ressurreição.

28
Ago23

Pérolas e diamantes: O ser e o nada

João Madureira

Apresentação3-2 - cópia 8 (7).jpg 

Como se já não bastasse venderem-nos como genuínos o patriotismo dos políticos, a integridade dos primeiros-ministros, ministros e deputados; o celibato e outros desvios sexuais de padres e bispos; o amor à camisola dos jogadores de futebol; o altruísmo e a honradez dos presidentes dos grandes clubes de futebol; a honestidade dos banqueiros e economistas; a honestidade intelectual dos escritores de sucesso; a independência da opinião dos comentadores políticos televisivos; a beleza estruturante e genuína das top-models; a maioridade das nossas instituições nacionais e da nossa democracia; a irradicação do sarampo e da cunha nacional; o cumprimento das promessas eleitorais dos presidentes das câmaras; o amor à democracia por parte dos comunistas e fascistas; o amor à social-democracia por parte do PSD; o amor ao socialismo por parte do PS; o amor à ecologia por parte do PEV; o amor aos proletários por parte do BE; e o amor ao cristianismo por parte do CDS; a ASAE veio confirmar que em Portugal há pota a passar por polvo, paloco a fazer a vez de bacalhau, peixe com aditivos que retêm a água para ficar mais pesado, azeite virgem aditivado com produtos vegetais refinados, mel com açúcar, produtos que em vez de carne de vaca contêm carne de porco ou de cavalo, queijo de cabra feito com leite de ovelha, vinho com adição de açúcar e água, e aguardentes vínicas adulteradas com destilados de frutos baratos – um negócio que gera lucros ao nível do tráfico de droga.

A fraude alimentar tem um custo global de 45 mil milhões de euros e afeta um em cada dez produtos.

No entanto, a fraude intelectual, política, social e económica ainda não foi quantificada. Mas é capaz de, feitas as contas, dar para pagar a dívida soberana do Estado Português e com os trocos fazer um país com superavit, possibilitando a todos os portugueses comprarem uma rulote e irem de férias por essa Europa fora para os indígenas estrangeiros verem como é dolorosa a pegada ecológica dos turistas.

Estas coisas dão-me sempre vontade de rir, de nervoso, claro está. Não vão os estimados leitores pensar que sou um intelectual masoquista subsidiado pelo Ministério da Cultura de Lisboa e arredores.

Quando assim acontece, e o tempo ajuda, vou para o campo à noite esticar o pescoço tentando identificar a Via Láctea e as constelações que aprendi na juventude: Órion, Cassiopeia, Ursa Maior, Ursa Menor, Andrómeda, Pegasus, etc. Cada uma delas eternamente perfeita. Depois pergunto-me com que finalidade terá o Divino Deus criado as estrelas no céu para um dia nos supormos cheios de inspiração e, no dia seguinte, verificarmos como somos insignificantes.

Sinto-me então como o príncipe Rostov, personagem de um livro de Amor Towles, que quando é subestimado por um amigo, fica ofendido, pois os nossos amigos devem sobrestimar as nossas capacidades. Devem possuir uma opinião exacerbada acerca da nossa força moral, da nossa sensibilidade estética e do nosso estofo intelectual. “Aliás, deviam praticamente imaginar-nos a saltar por uma janela, num abrir e fechar de olhos, com a obra de Shakespeare numa mão” (no meu caso o D. Quixote de Cervantes) “e uma pistola na outra.”

Temos de aprender a ser pacientes. Razão tem a Condessa Rostov quando comenta, muito a seu gosto, que se a paciência não fosse tão facilmente posta à prova, não seria precisamente uma virtude.

Por isso nos dá, a mim e ao meu amigo Conde, para as inclinações filosóficas que, tanto num caso como no outro, são também inclinações meteorológicas. Acreditamos na influência indeclinável dos climas clementes e inclementes, na influência das geadas temporãs e nos verões prolongados, nas nuvens agourentas e nas chuvas delicadas, na densidade mitológica do nevoeiro, na inclemência do sol e na beleza fria e densa dos nevões. Mas numa coisa diferimos. Ele acredita na transformação dos destinos causada pela mais pequena mudança de temperatura. Eu, pelo contrário, talvez mais agnóstico, acredito piamente que essa transformação se dá especialmente quando se muda de poleiro.

Ele costuma dar como exemplo da sua crença o facto de uma simples subida de temperatura média fazer as árvores florir, os pardais desatarem a cantar e os bancos encherem-se de casais, jovens e velhos.

Eu contraponho que a gente que muda de poiso e se senta na poltrona do poder vê elevar-se, como por milagre, a árvore das patacas no seu jardim, a sua frota automóvel melhorar consideravelmente, em qualidade e quantidade, consegue, também, por pura magia, adquirir uma ou várias vivendas, uns quantos apartamentos, frequentar os melhores destinos turísticos e colocar uma soma considerável de dinheiro num offshore à prova de investigação judicial.

Ele ri-se.

Eu também. 

Depois deita o primeiro milho aos pardais enquanto eu me entretenho a ler mais um livro a confirmar a minha tese.

Ele ocupa o seu tempo com jantares, conversa, leitura e reflexão.

Eu, no tempo que me sobra da escola, continuo a esgrimir a minha pena com os resultados que todos os estimados leitores conhecem.

 

Propostas genuinamente pessoais e pagas do próprio bolso: Música: Mesh Baghanny – Maryam Saleh; Leitura: Breve história de sete assassinatos – Marlon James; Viagens: http://www.destinosvividos.com/visitar-lisboa-dicas/; Restaurante: O Aprígio – Chaves.

21
Ago23

648 - Pérolas e Diamantes: De beber eu não posso deixar...

João Madureira

 

 

Apresentação3-2 - cópia 7 (4).jpg 

Por aqui reinam as virtudes, sobretudo as virtudes cristãs, e em eco: a bondade, a bondade, a bondade… a humanidade, a humanidade, a humanidade… a piedade, a piedade, a piedade… em duplo eco… a piedade, a piedade, a piedade… o respeito humano, o respeito humano, o respeito humano… a moderação, a moderação, a moderação… a modéstia, a modéstia, a modéstia… a decência, a decência, a decência… a prudência, a prudência, a prudência… a sensatez, a sensatez, a sensatez… Sim, temos a virtude dos que fracassaram, a virtude da pobreza e a moral dos embuçados. A moral, para nós, é como o fogo de artifício em festa de aldeia. Soa estrondosa. E atinge-nos como uma bofetada na face esquerda, depois de termos oferecido a direita. A verdade é que o cavalo da nação, apelidado de lusitano, afinal é o resultado do cruzamento entre um burro mirandês e uma égua árabe, ou vice-versa, o que vem a dar no mesmo. Por isso, temos de celebrar a mútua consolação dos ânimos, a celebração das danças e das cantigas regionais e as palestras académicas para compor currículos. Antigamente, os burros davam coices, zurravam e espojavam-se no chão. Agora, disfarçados de garranos, passeiam-se pelos montes, ao deus-dará. Ou são desviados para fazerem parte de alguns capítulos de teses de mestrado ou de doutoramento sem préstimo nenhum. Mas, peço perdão, por estar a desviar-me do meu discurso, a cristandade, ou o que  dela resta, é progressista, mesmo sendo conservadora. Nós, os portugueses, somos gente de rituais ancestrais. Não vá o sapateiro além da chinela. Ninguém espera que das cerimónias religiosas surjam surpresas. As obrigações patrióticas e piedosas dão-nos satisfação. Calma. Vamos respirar de novo. Eco. Eco. Eco. Ioga. Posição de lótus. Respirar fundo. A genialidade lusitana existe. Será que existe mesmo? Diabos levem estes génios. Somos os parentes pobres deste mundo. Mas, talvez por isso, não abdicamos de tentar impressionar os nossos e até os outros. Nós declamamos a humildade e a ânsia, a integridade e a sinceridade. A seguir, pegamos na concertina e vamos cantar ao desafio. Por isso, a pátria é amaneirada. Inibe-nos. Mas nem por isso nos falta o desejo de a ajudar e de a elevar aos píncaros. A arte é uma frase feita? Pois será. Mas vamos ter de nos habituar a ela. Não é em vão que se constroem centros culturais e museus e anfiteatros para recebermos os artistas estrangeiros. Também não pode ser em vão que se manda a Amália para o panteão. Quatro paredes caiadas… a alegria da pobreza… um São José de azulejo… uma existência singela… e o vinho e o pão e o caldo verde verdinho e a alegria da pobreza da riqueza de dar e ficar contente… Nós somos a tal nação genial… mas desprovida de génios. Nós podemos não ser/ter nada de valor mas não paramos de falar… do Camões e do… e do… e do Cristiano Ronaldo. Claro que o nosso passado até pode ter sido grandioso, mas nunca será mais importante do que o futuro. Não devemos levar muito a sério a metáfora dos nossos egrégios avós. Nós não somos, não podemos ser, herdeiros diretos do passado heroico ou poltrão, nem da sensatez, nem da estupidez, nem da virtude, nem do pecado. Cada um tem de aprender a representar-se a si próprio. Enquanto não for assim, o cerne da nossa identidade nacional continuará a ser aquilo que sempre foi: a bajulação. Nós não podemos continuar a ser escravos dos cálculos medrosos. A grandeza do nosso passado é treta… De beber, de beber, de beber eu não posso deixar, se o vinho é que alegra a gente, eu fico contente por me emborrachar, de beber, de beber… Eco, eco, eco… bondade, humanidade, piedade, senhor da piedade valei-me, de beber, de beber, respeito humano, moderação, olha a brigada lá ao fundo, de beber eu não posso deixar, modéstia, decência, pru… pru… de beber eu não posso deixar… pru… pru… pru… se o vinho é que alegra a gente… pru… pru… prudência e sensatez e… se o vinho é que alegra a gente, eu fico contente por me emborrachar, de beber, de beber… para o carro que vou vomitar. Heróis do mar… de beber eu não posso deixar… nobre povo, nação valente e imortal… levantai hoje de… de beber, de beber… de novo… o esplendor… entre as brumas… de beber…

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