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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

11
Jan24

Poema Infinito (696): Meditações

João Madureira

ORIGINAL.jpeg 

O orgulho não é um sentimento lógico. As minhas ideias estão à beira da fragmentação. Foram atingidas por uma chuva de meteoritos subatómicos. Entretanto escuto um barulho subterrâneo. Giotto a pintar de forma avulsa. Giotto a berrar para as ovelhas. Giotto a agiotar-se. A acoitar-se. A masturbar-se. Bendito coito. Depois do coito, todos os animais ficam tristes. Mas é tristeza passageira, de origem erótica. Sente-se no ar o infalível instinto da infelicidade. É dos livros, os intelectuais, muitos deles escritores, dividem-se entre os de vanguarda e os de retaguarda. Por aqui vive-se entre meditações e silêncios, entre solidões e névoas. Névoas quase eternas. O terraço está lançado sobre o infinito. O olhar desce, a partir dele, como um pássaro em voo sobre um imenso cenário de montanhas intemporais. O vapor aquoso da vaidade vai subindo no ar até desaparecer. Daqui observo o rio que sei exatamente onde nasce e onde desagua. O morrer da luz é uma experiência incompreensível. Os medos ancestrais estão iluminados por sugestões mágicas. Nada do que é decisivo se improvisa. Apenas se improvisam os disparates. Há qualquer coisa de maléfico na infinidade. Andam por aí espalhadas as memórias do idiota da aldeia. E também do meu sofrimento quando me sorria para ele, como a minha mãe ordenava. Era isso e observar o estremecimento dos narizinhos nos focinhos dos coelhos. As velhas lembranças são como neve a escorregar pelos telhados.  A favor de toda a esperança, voa, voa, farfarela, voa, voa, Ossip Mandelstam, voa, voa, GoGo Penguin, voa, voa, Anna Akhmátova. Os visionários da desgraça veem o fim logo no início. O. M. morreu de fome. De distrofia. Não existe túmulo dele. Deve estar numa vala comum ou num buraco. No lugar do ex-campo de trânsito do Gulag, erguem-se agora os novos bairros habitacionais de Vladivostok (Vivemos sem sentir o chão nos pés…). O primeiro problema é quando acreditamos nos mestres. O segundo é quando eles começam a acreditar em si mesmos. Depois é o espanto. Os jovens amantes de rimas são como os velhos camaradas indiferentes. O dia, como escreveu O. M., está de cinco cabeças. Um escuteiro foi assediado. E também um seminarista. Vamos ter de mudar de comboio. São longas as horas de espera. Os sons repetem-se. E nenhum consegue chegar ao fim. Felicidade e infelicidade, é tudo uma questão de perspetiva. Sento-me na cama instável a escutar atentamente o silêncio. Depois saltarei da janela para voltar a mim. Sou atingido em cheio pelo inesperado das imagens. Pelas metáforas indiscretas. Há um terror escuro nos olhos de quem começa a voar. O poeta é sempre rejeitado em nome da igualdade. A sua sombra arrasta sentimentos contrários e contraditórios. Sempre a tatear impressões e sentimentos, a esboçar a leveza. Pode não lhes agradar o paraíso, mas não evitam o inferno. E nós a marcarmos as pedras para ver se lhes encontramos significado. Temos medo do vazio. Fico atrapalhado no meio da alegria hiperbólica. Tento então fixar por momentos a essência das coisas e falar delas à minha maneira. Entre paradoxos e metáforas. Tentando levantar o ar para poder respirar mais um pouco. Mais do que entender a razão externa, a principal necessidade reside em afirmar a nossa razão interna. Continuo a amar as paisagens severas do inverno porque as sinto como metáforas provadoras de purificação. Para me aquecer basta a memória de uma lareira na velha cozinha da avó.

08
Jan24

665 - Pérolas e Diamantes: Os verdadeiros artistas

João Madureira

Apresentação3-2 - cópia 6.jpg 

Sim, caros amigos, colegas, companheiros ou camaradas, a arte deve ser uma coisa divertida e um pouquinho maçadora. E também comovente, terna e verdadeira. Faz parte da sua essência. Claro que há escritores que trabalham com os pés em cima das secretárias, mesmo quando falam ou quando escrevem nos seus caderninhos as suas obras fortes, que, como as fracas, são compreensíveis para uns e incompreensíveis para os restantes. Tentam, dessa forma, ser novos, de novo. O que nem sempre resulta. E a humanidade, caros camaradas, companheiros, colegas e amigos, e a humanidade sempre a marchar na vanguarda. E os artistas da palavra a correr atrás delas, da dita humanidade e da tal vanguarda. Um artista que não seja, ou não aspire a ser, da vanguarda, nem é artista nem é nada. Esta é a lógica da coisa. Mas, melhor do que falar em lógica, será falar de generosidade. Muito dos críticos dizem que os artistas devem aperfeiçoar a mente. Mas eles, os artistas, os verdadeiros, sabem que o cérebro está no coração, salvo seja, claro. Alguns perdem a razão. Outros perdem-se na razão. Existem até aqueles que se consolam com o seu exílio. Há homens loucos que dizem verdades, mas também os há que se mantêm em silêncio… et ipso facto e pluribus unum.  Claro que Dante está fora do alcance da maioria dos escritores, mas a luxúria de Philip Roth também pode ser um bom encosto. Uns sublimam e outros abominam, mas, apesar do sexo a retalho e do amor aos bochechos, o sofrimento humano é reconhecível. É de enaltecer aqueles que escrevem continuamente o seu retrato de artista enquanto amante frustrado. A nadar na sua piscina interior, sentindo-se o filho apócrifo mais enfezado de Zeus da Atlântida. E isso, caros companheiros, amigos, colegas e camaradas, nem é benéfico nem maléfico e muito menos pessimista ou otimista. Faz parte da crença de cada um. O verdadeiro escritor é como um girassol, a voltear atrás do astro-rei, sempre sôfrego de luz, sempre radiante e ofuscante de vitalidade, que até pode ser invertida, como a sexualidade moderna, fora dos espartilhos morais e religiosos. Claro que também há escritores que são bons rapazes, ou raparigas. Na espécie artística há de tudo, como na farmácia. Dos melhores, utiliza-se um dedalzinho do seu talento e deita-se o resto para o caixote do lixo. Ninguém faz ideia do talento que existe em Portugal. Alguns poupam-se para irem vivendo. Alguns não deixam sequer nome. Há os que desfazem a luz e os que se desfazem em luz, há os que nem riem nem choram, pois estão para além do sofrimento. Apenas gemem e escrevem ou pintam. E há os músicos que fazem de abre-latas da alma e nos acalmam por dentro. Uma espécie de serenidade toma agora conta de nós. Afinal, somos todos gente civilizada, com necessidade da companhia de pessoas, de conversar, de ler, de ir ao teatro, ouvir música, frequentar cafés, comer, beber, fornicar, eu sei lá. Afinal, é terrível ser civilizado, ninguém suporta a solidão. Ser civilizado é ter necessidades complicadas que custam dinheiro e tempo. Por vezes o mundo para e as pessoas não se apercebem. E continuam a trabalhar e os escritores a escrever e os pintores a pintar e os músicos a tocar. E depois vão todos comer um bife do lombo e lá começa tudo de novo. A realidade a recuar e a avançar, pois ambas as coisas são difíceis de realizar com qualidade. Entretanto fazem de conta que têm de ir a algum lugar. E mostram-se gratos por isso. Muitos escritores querem mesmo eletrificar o cosmos, mas a maioria acaba por cegar. Segundo a lógica, a arte é uma coisa muito bonita, mas as pessoas têm de ganhar a vida. E depois descobrem que, logo após o trabalho, estão demasiado cansadas para pensarem em arte ou em desfrutá-la. Umas boas travessas de marisco e umas férias numa estância balnear sul-americana, pagas em suaves prestações ao banco, valem bem mais do que as Variações Goldberg ou a grande prosa de “Um deus passeando pela brisa da tarde” ou mesmo as pinceladas de “As Meninas de Avignon”. Vive primeiro e paga depois. O capitalismo tem de servir para alguma coisa. A verdade é que eu não sei lá muito bem o que fazer deste meu narrador. Talvez ele seja eu. E eu seja ele. A verdade é que me sinto um bocadinho magoado. Qualquer dia hei de torná-lo simpático para contento de alguns leitores otimistas, para quem mesmo um copo vazio está sempre cheio… de ar.

04
Jan24

Poema Infinito (695): Implosão

João Madureira

IMG_4383 - cópia.jpeg  

O livro implodiu e engoliu toda a narrativa. A partir da absorção pode-se recriar outro em segunda mão. O seu esplendor é indefinido. A brancura tornou-se palpável. Nas terras em redor, o gado que resta continua a pastar numa paz imperturbada pelo espanto. Por aqui ainda se trabalha ao ritmo lento das estações. Os galos da madrugada estremecem antes de cantar. Há ecos por todo o lado. A progressão dos olhares deixa as coisas mais nítidas. Tudo o que está por acabar fica longe. O tempo e o espaço dependem um do outro. E nós de ambos. O espaço e o sonho. A eternidade e o infinito. Espalho o olhar pelas frias regiões do desalento. Este sono de inverno é estrangeiro. Crepitam os velhos troncos fendidos nas fogueiras da infância. Construo o sono a olhar para a plena escuridão do planalto. No confim das trevas, reanima-se a luz. Sinto o peso das viagens, das enseadas, das costas inacessíveis, dos portos. E do repouso. Sinto o amor do teu ombro, da tua nuca. Do teu hálito de limão. Do teu sexo em flor-de-lis. Sigo o voo destas aves e o mito do tempo do eterno retorno. Nietzsche num quadro de Chirico. Turim e o cavalo abraçado pelo filósofo célebre numa estátua imaginada. Caminhos e descaminhos. Cais de pedra, cais de juncos. Livros até à saciedade. Olho os teus olhos e reparo que estão como que invertidos, olhando para o mundo das formas. Cada um traz sempre dentro de si os movimentos do seu próprio declínio. Move-se Deus e a sua mesmíssima eternidade. As fontes da incompreensão deslocam-se puras pelo espaço. As memórias subjugam-nos. A literatura profunda não é um produto da vontade mas tão só o resultado da dor. Esta é a iluminação do crepúsculo. Em vez das vozes fazerem um coro, o coro é que se vai fragmentando em vozes. Mãos indolentes pegam na parte das águas de outono. Alguém desenha mapas de exercícios. Outros colecionam pétalas de saudade. Quase todos parecem ilhas magoadas pela angústia, pessoas surpreendidas pela saudade, feridas pela tristeza pessoal e pela alegria alheia. São como ondas evitando o destino. Parecem ilhas indefesas, luzes ao largo, faróis cegos. Navios de silêncio passam pelos sonhos caras a inúmeros destinos. Depois de uma ilha há sempre outra ilha. O céu está cheio de estrelas. E para que servem elas? O cosmos não faz sentido. Tanto vazio para nada. Vazio dentro de vazio. O vazio a transbordar vazio. Caem-nos anjos aos pés por embaterem nos postes de luz. Foram feitos em moldes do vazio, limitados e tristes. Crianças cantam em seu redor. As mães observam-nas. Caladas. Desiludidas. Encostadas às altas árvores das lágrimas. São como campos de melancolia em flor. Paisagens de lamentações. O silêncio tomou conta do rosto dos homens. A vertigem apoderou-se dos seus olhares. Os seus passos deixaram de emitir som. Sacodem dos casacos a ânsia que cai como se fosse orvalho. Lá mais no alto continuam a brilhar as estrelas. As estrelas do país da dor. E ali estão todos entre o sigilo e a insónia. Entre a aragem, o alento e o adeus. No fim do caminho de todos os caminhos lá está a ilha de todos os assombros. No norte fica o abandono das aldeias, as casas em ruínas, a infância, o cais, as pedras cheias de musgo. E as igrejas. E as capelas. E as vinhas vagarosamente podadas. E as mães, quase imóveis, a bordarem. E o macio perfume das maçãs. E o acaso.

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