Poema Infinito (696): Meditações
O orgulho não é um sentimento lógico. As minhas ideias estão à beira da fragmentação. Foram atingidas por uma chuva de meteoritos subatómicos. Entretanto escuto um barulho subterrâneo. Giotto a pintar de forma avulsa. Giotto a berrar para as ovelhas. Giotto a agiotar-se. A acoitar-se. A masturbar-se. Bendito coito. Depois do coito, todos os animais ficam tristes. Mas é tristeza passageira, de origem erótica. Sente-se no ar o infalível instinto da infelicidade. É dos livros, os intelectuais, muitos deles escritores, dividem-se entre os de vanguarda e os de retaguarda. Por aqui vive-se entre meditações e silêncios, entre solidões e névoas. Névoas quase eternas. O terraço está lançado sobre o infinito. O olhar desce, a partir dele, como um pássaro em voo sobre um imenso cenário de montanhas intemporais. O vapor aquoso da vaidade vai subindo no ar até desaparecer. Daqui observo o rio que sei exatamente onde nasce e onde desagua. O morrer da luz é uma experiência incompreensível. Os medos ancestrais estão iluminados por sugestões mágicas. Nada do que é decisivo se improvisa. Apenas se improvisam os disparates. Há qualquer coisa de maléfico na infinidade. Andam por aí espalhadas as memórias do idiota da aldeia. E também do meu sofrimento quando me sorria para ele, como a minha mãe ordenava. Era isso e observar o estremecimento dos narizinhos nos focinhos dos coelhos. As velhas lembranças são como neve a escorregar pelos telhados. A favor de toda a esperança, voa, voa, farfarela, voa, voa, Ossip Mandelstam, voa, voa, GoGo Penguin, voa, voa, Anna Akhmátova. Os visionários da desgraça veem o fim logo no início. O. M. morreu de fome. De distrofia. Não existe túmulo dele. Deve estar numa vala comum ou num buraco. No lugar do ex-campo de trânsito do Gulag, erguem-se agora os novos bairros habitacionais de Vladivostok (Vivemos sem sentir o chão nos pés…). O primeiro problema é quando acreditamos nos mestres. O segundo é quando eles começam a acreditar em si mesmos. Depois é o espanto. Os jovens amantes de rimas são como os velhos camaradas indiferentes. O dia, como escreveu O. M., está de cinco cabeças. Um escuteiro foi assediado. E também um seminarista. Vamos ter de mudar de comboio. São longas as horas de espera. Os sons repetem-se. E nenhum consegue chegar ao fim. Felicidade e infelicidade, é tudo uma questão de perspetiva. Sento-me na cama instável a escutar atentamente o silêncio. Depois saltarei da janela para voltar a mim. Sou atingido em cheio pelo inesperado das imagens. Pelas metáforas indiscretas. Há um terror escuro nos olhos de quem começa a voar. O poeta é sempre rejeitado em nome da igualdade. A sua sombra arrasta sentimentos contrários e contraditórios. Sempre a tatear impressões e sentimentos, a esboçar a leveza. Pode não lhes agradar o paraíso, mas não evitam o inferno. E nós a marcarmos as pedras para ver se lhes encontramos significado. Temos medo do vazio. Fico atrapalhado no meio da alegria hiperbólica. Tento então fixar por momentos a essência das coisas e falar delas à minha maneira. Entre paradoxos e metáforas. Tentando levantar o ar para poder respirar mais um pouco. Mais do que entender a razão externa, a principal necessidade reside em afirmar a nossa razão interna. Continuo a amar as paisagens severas do inverno porque as sinto como metáforas provadoras de purificação. Para me aquecer basta a memória de uma lareira na velha cozinha da avó.