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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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19
Fev24

670 - Pérolas e Diamantes: Este é o país...

João Madureira

Apresentação3-2 - cópia 3.jpg 

Este é o país do refrigério dos amores românticos, da convulsão das almas, dos maravilhosos arrebiques dos apaixonados, das pieguices. E também das missas, das paradas, da entrega de condecorações, dos arraiais com bandas filarmónicas, das solenidades pífias e do susto das almas. Este é o país amarrotado pelos piores bem-aventurados. Que desdita a nossa. Este é um país de intelectuais chatos e pretensamente snobes, pois nem isso conseguem ser. São insossos e ridículos. São apenas bons nos gargarejos literários. Possuem mentalidade de pantufa no inverno e de chinelinha de dedo, com que no verão vão à praia no Algarve. Confundem o sono com o sonho. E vice-versa. Os portugueses, lato senso, andam sempre a tropeçar nas ilusórias predestinações e a evidenciar um desconsolo nacional. Nem atam, nem desatam. Sempre entre a hóstia e o croquete, entre a cópula e a expiação. Continuam a viver no limbo da incerteza. São adeptos, filosoficamente falando, de uma epistemologia anárquica, qualquer método serve desde que resulte. Para mal dos nossos pecados, até a ignorância pode ser democrática. Ou melhor, pode ser democratizada. O mal-estar, por cá, é uma coisa íntima. Por cá, apesar da aparente liberdade sexual, larilam-se muitas piadas. E nem todas más. E melaninam-se outras tantas. E nem todas boas. Este país é o do anarco-porreirismo. Sim, é verdade que os portugueses são diferentes dos outros povos, nomeadamente dos espanhóis, o problema é que não sabem em quê. E a “saudade” foi explicação que já deu uvas. O lusismo foi talismã que já enferrujou. E o iberismo é um chupa-chupa com sabor a ranço. A diferença até pode existir, mas a indiferença é cobardia. Ao contrário do que por aí se diz, os portugueses não são avessos às mudanças, exigem é que lhas expliquem muito bem. No entanto, existe um problema, na maioria das vezes custa-lhes a compreender o argumentário. Vai daí, optam por que tudo fique na mesma. Bem tentou Natália Correia transformar a Pátria numa Mátria, mas o sonho ficou-se por meia dúzia de palavras bem escritas, mas mal empregues. O Padre António Vieira já tinha dito num dos seus sermões: “Se a pátria se derivara da terra, que é a mãe que nos cria, havia de se chamar mátria.” Natália, fazendo-se de sonsa, lá pegou na ideia, mas. Pois, mas. Mas não vá a pátria da Padeira de Aljubarrota além da pá do forno. A razão, por cá, ou é transcendental, ou poucochinha, ou subjetiva, ou antipática, ou até coisa nenhuma. Mas o que está feito, feito está. E o dito estará ou não. Os portugueses são indiferentes a tudo. Ou quase. Ao desenvolvimento, à organização, ao cumprimento de horários e, sobretudo, aos números. Daí a nossa economia estar da maneira que está. A dúvida e a fantasia são legítimas. Eu sou filho delas. E do caldo mágico do druida Panoramix. E daqui não saio. Daqui ninguém me tira. A perseverança diária faz a diferença. Daí resulta a nossa. Já o sexo está dentro de um preservativo muito mais mental que de borracha fina e transparente. Até a moral católica aí fica confinada, para mal dos nossos pecados. E para bem da hipocrisia. Olhem que a pedofilia, sobretudo a clerical, não é transcendental, nem poucochinha, nem subjetiva ou antipática. É muito mais aquilo que não parece. É a mais perfeita das ignomínias. Os portugueses estão sempre entre o riso e a paixão, enfiados no esconderijo. O amor é agora um enorme bocejo. Portugal é barroco e tem implícita a metáfora do sucesso. Ah! Ah! Ah! Por cá até os anjos são fraquinhos, esbotenados e obesos. Os mais gordinhos empanturram-se com bolas de berlim. Alguém ensinou os portugueses de que o sofrimento é purificador. Tal professor não sabia do que falava. O seu pé boto fazia-o ser rancoroso. Os portugueses são como bichos atordoados a debitar banalidades. E com elas construíram um país,  escreveram a sua história e vivem a sua vida. Não é muito, mas também não é  pouco. É alguma coisa. Se amar é precisar então que se foda o amor. Isto até é bonito dito da boca para fora. Mas o sentimento é que manda. A verdade é que os créditos históricos e morais já não chegam para servir de hipoteca. Já se venderam os anéis e os dedos estão em saldo. O nosso download já começou. Parabéns ao WeTransfer.

15
Fev24

Poema Infinito (701): Esgotamento

João Madureira

IMG_4383 - cópia (1).jpeg 

E o quotidiano a adormecer a humanidade que existe em nós. Há pessoas que ficam velhas logo a partir dos catorze anos. São os virtuosos sem virtudes. Deixem florescer as vidas abraçadas umas às outras e as tílias noturnas e os destinos brancos e os filhos verticais e as memórias eternas e as mulheres reveladas. Deixem os peixes libertarem-se dos abismos do mar profundo e as vidas subirem às alturas do espanto. Deixem-me descansar na paragem das fronteiras para sentir a alma das células e a evidência dos mistérios e os excitadíssimos beijos das maçãs. É o tempo da fecundação. Do espanto. Das memórias hereditárias. As ligações ainda são as mesmas do início da criação, crescendo entre a luz violenta e a escuridão. E o mundo sempre invertido dentro da minha cabeça. Qual é a verdadeira dimensão da loucura? Ninguém consegue partir um espelho de água. Todos se olham nele com caras de espanto, perante a indiferença dos salmões. O dia extenuado começa agora a descansar. E as estrelas começam a espreitar por entre os salgueiros brancos. Logo pela manhã começará a arder o clima e as teses dos negacionistas. A arderem as cidades alimentadas a petróleo. Já não é preciso ir ao cinema para observar as catástrofes. O antimundo pode absorver o mundo perante a doce indiferença das borboletas. E as estátuas a baloiçar. E a ironia a tentar encobrir a falta de sinceridade. E eu com a tristeza atravessada na garganta. E os banhistas de férias. E os seus cães a ladrarem no canil por não aguentarem o calor e o abandono. Todos cheios de medo e de perna cruzada nas esplanadas a beberem bebidas coloridas. E os filósofos a fritarem bifes em frigideiras antiaderentes e as mulheres a gritarem poemas que falam em libertação corporal. Tanto botox para nada. As pombas de pedra, mesmo que simbolizem a paz, não podem voar. Também as árvores moldadas a bronze não dão frutos. Os brilhos da luz continuam a criar ilusões. O sol  derradeiro prossegue pendurado nas colinas e o dia cairá de súbito como os pássaros de inverno. As ruas ficarão silenciosas e as palavras acabarão por adormecer em cima de nós. E nós em cima delas. E depois as analogias parecerão acidentais, assemelhar-se-ão a mentiras metafísicas. A felicidade com a boca no inferno e as pernas no purgatório. Todo o corpo a penetrar o sofisma da loucura. Goya a pintar as suas mais grandiosas cenas. Bebés e baionetas, gente a gemer, céus de cimento, estátuas curvadas, paisagens abstratas a explodir. A perfeita imaginação da catástrofe. As paisagens a mudarem de lugar. Os obscenos olhares dos poetas. Paisagens surrealistas. O espírito dos montes. Romanos a matarem lusitanos. Cóbois a chacinarem índios. Fragmentos de realidade. Fantasmas desmontáveis. Gritos e choros de palhaços. Bombas a caírem em dia de festa. Flores de cobalto. Relvados de loucura. Nagasaki a flutuar no ar à nossa volta. Asas de anjos a caírem do céu em Hiroshima. A eternidade a aparecer e a desaparecer em cima das azinheiras de Fátima. E o carpinteiro da Galileia a dar à língua. A falar do céu e da terra. E do seu pai. A ferver em pouca água. A arrefecer as chagas que já lhe doem antes de as sofrer. E Deus a vê-lo e a desejá-lo já pendurado na sua cruz. E ele já esgotado, mas extremamente calmo enquanto escuta as últimas notícias.

12
Fev24

669 - Pérolas e Diamantes: Religiões e Ciência

João Madureira

Apresentação3-2 - cópia 2.jpg 

Vivemos numa sociedade em que as pessoas estão viciadas no óbvio. A autenticidade é desnecessária, quando não desprezível. Tanta fé em nada e em coisa nenhuma. Razão tem Yuval Noah Harari (Sapiens – De Animais a Deuses), os últimos trezentos anos, que dizem ter sido uma época de crescente secularismo, em que as religiões foram perdendo cada vez mais importância, tem duas maneiras de ser interpretada. Se nos referirmos às religiões teístas, isso acaba por ser correto. No entanto, se estivermos a referir-nos ao que ele considera como as religiões da lei natural, então a denominada modernidade revela-se uma época de intenso fervor religioso, onde imperam esforços missionários sem paralelo e as guerras religiosas mais sangrentas da história. A era moderna foi testemunha da ascensão de novas e distintas religiões das leis naturais. A saber: liberalismo, capitalismo, comunismo, nazismo, nacionalismo. Todos sabemos que estas doutrinas não gostam de ser apelidadas de religiões, autointitulando-se de ideologias. Mas, para sermos rigorosos, tudo não passa de um exercício de semântica. Dado que a religião é sempre um sistema de normas e valores humanos que se baseia na crença numa ordem sobre-humana, o comunismo soviético ou o nazismo alemão não eram menos religiosos do que o islão, o cristianismo ou o budismo. Todas estas religiões dizem acreditar numa espécie de ordem natural sobre-humana e nas leis perpétuas que determinam as ações humanas. Os budistas acreditam que a lei natural foi revelada por Siddhartha Gautama, os cristãos por Deus e os seus profetas, os islamitas por Alá e Maomé, os comunistas por Marx, Engels e Lenine. Tudo isto parece o Triângulo das Bermudas, onde acontecem fenómenos estranhos. Convém referir que, como defende Yuval Noah Harari, a  Revolução Científica não assenta principalmente na revolução do conhecimento, mas, acima de tudo, numa revolução da ignorância. Ou seja, o grande acontecimento que lançou a Revolução Científica foi a descoberta de que os seres humanos não conhecem as respostas para as questões mais importantes. A disponibilidade para admitir a ignorância foi o que tornou a ciência moderna mais dinâmica, flexível e interrogativa. A contrário do empirismo teológico e totalitário, a ciência moderna não tem dogmas. Até as guerras são produções científicas. Por incrível que pareça, são as forças militares mundiais que iniciam, financiam e conduzem a maior parte da investigação científica e do desenvolvimento tecnológico da humanidade, desde as vacinas até a nanotecnologia. A verdade é que os EUA, depois dos drones, já começaram a desenvolver moscas biónicas espiãs e máquinas de ressonância magnética que conseguem reconhecer de imediato pensamentos de raiva ou ódio nos cérebros dos seres humanos. A ideia de que as descobertas científicas podem conceder ao ser humano novos poderes, fizeram-nos desconfiar de que o verdadeiro progresso é possível. À medida que a ciência vai resolvendo problemas julgados insolúveis, a maioria de nós vai ficando convencida de que a humanidade pode superar qualquer questão adquirindo e aplicando novas tecnologias, ficando fora desta equação a estupidez, o ódio e a intolerância. A pobreza, as doenças, as guerras, a fome, a idade e a própria morte, tal como a entendemos, não são um destino inevitável. E até o paradoxo da fome pode vir a ter uma solução, pois, em muitas sociedades como a nossa, por exemplo, há mais pessoas em risco de morrerem de obesidade do que por falta de alimentos . A morte, afirmam os cientistas, não passa de uma questão técnica. E, verdade seja dita, a esperança média de vida saltou de muito abaixo dos 40 anos para cerca de 67 em todo o mundo e para cerca de 80 no mundo desenvolvido. A ciência pode conseguir explicar o que existe na Terra, como funcionam as coisas e o que o futuro nos poderá reservar. Mas, por definição, não tem pretensões a saber como deverá ser o futuro. Isso apenas está a cargo das religiões e das ideologias, com o sucesso que todos sabemos. Sim, eu sei, a ciência é incapaz de estabelecer as suas próprias prioridades. E também não é capaz de determinar o que fazer com as suas descobertas. Mas é dela que o nosso futuro depende. Dela e do poder político e económico que a consiga financiar.

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