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Comemos morangos enquanto vamos andarilhando pelo labirinto. Obsequiamo-nos com o prazer. Percorremos a exposição e murmuramos inconveniências. Planeamos viajar através dos sonhos. Os sonhos que as pessoas têm dos sítios são muitas vezes melhores do que os sítios verdadeiros. Isso está provado. A luz há de ficar boa para tirar fotografias. O resultado de uma boa fotografia pode não ser bonito. O que interessa é que não minta. Os demónios estão a dormir a sesta. Os ventos amainaram. Alguém ri com prazer, ou de prazer. As suas gargalhadas ecoam entre as árvores e fazem ricochete nas paredes. Palavras esquecidas voam ao deus-dará. Organizaram uma festa prandial, atravessando diversas teologias e até códigos morais. Tudo ao mesmo tempo, amplo e trágico. Anticonformista. Tudo cheio de detalhes idiossincráticos. Tudo oscilando entre o mistério e a comédia. Atravessando a maldade como se ela fosse ar comprimido. Recordo a argúcia mordaz e o surrealismo anterior das Almas Mortas de Nikolai Gógol e O Mestre e Margarita de Mikhaíl Bulgákov. Tudo implacavelmente divertido. Somos todos iguais quando observados contra a luz. Somos silhuetas. Deuses e demónios. Vivos e mortos. Ricos e mendigos. Anjos do bem e anjos do mal. Dirijo o meu olhar na direção dos ruídos e das sombras. No lado oposto reina o silêncio. E mais sombras. De um lado as causas perversas. Do outro, as meritórias. Nada dura para sempre, diz o Buda sentado no meio da sala. O dom supremo de Deus é a violência, habituou-se a ela desde o Antigo Testamento. Depois da quietude surge a ausência. Tudo devidamente organizado pelos anjos do silêncio, que se fartam de berrar mas ninguém os ouve. Tudo perde sentido na orla do universo. Nos dias mais tristes só resta o medo. Periquitos e pardais voam das árvores para pousarem nas gárgulas da catedral. O problema dos novos anjos é andarem em má companhia. A metafísica de Deus é truque de ilusionista. Um canto monótono como as ladainhas. As igrejas estão cheias de criaturas feitas de sombras. São filhas do nevoeiro. Para pouco mais servem do que para tombarem de joelhos sobre as lajes frias. As pessoas da Santíssima Trindade são três sussurros. A sua luz traz sempre mais perguntas sem resposta. Os fantasmas receiam outros fantasmas, assim como as pessoas receiam outras pessoas. Todos temos medo uns dos outros. E também do vazio. Infinito. Caras antigas começam a falar comigo, reconheço-as mas não as sei identificar. Pronunciam palavras a velocidades diferentes. Falam, mas não as entendo. Utilizam línguas que se atropelam. Umas gritam. Outras suspiram. As restantes choram. Sentem a invisível culpa da gravidade. Os sussurros atravessam as mentes e o tempo. Chocam de frente contra a imprecisão. Alguns respiram sombras e ouvem música de Bach. As forças mais poderosas são invisíveis. A eletricidade, o vento, o amor. Somos vestígios microscópicos dentro da gigantesca imensidão do espaço. Eus e tus infinitamente pequenos. Vejo buracos que escondem fontes de luz. Luz a incidir no ângulo certo. A luz é um conjunto de espelhos. Quando necessito de respostas abro mais um livro e fico ainda mais cheio de perguntas. Algumas palavras resumem a sabedoria de milénios. Não sei se sou eu que procuro as perguntas se são elas que me procuram a mim. Não sei as respostas, mas finjo saber. É a vida. Coitadas das sombras que vivem dentro dos espelhos.
Um falso amigo é um Judas. E um falso Judas será um amigo? Tanto no seminário como no quartel, a regra é idêntica: “Don’t ask. Don’t tell.” Por vezes sentimos a ausência do tempo e nem é preciso estarmos drogados ou bêbados. São coisas da vida. Por vezes os dias duram alguns minutos. Noutras ocasiões os minutos parecem horas, ou dias. Tudo é relativo. A verdade também nos pode pôr doentes. Há pessoas de quem precisamos, por causa da sua amizade, mas a quem dispensamos os conselhos e outras de quem não conseguimos ser amigos, mas que nos dão conselhos acertados. Claro que também há amigos que nos dão bons conselhos e ex-amigos que, bem, passemos à frente. São coisas da vida. Diz quem estuda estas coisas que o puro intelecto, por si só, pode ser muito perigoso, pois costuma significar poder e, como todos sabemos, o poder tem tendência para a corrupção. Mas, quando as coisas são bem orientadas, o puro intelecto pode exercer sobre a sociedade uma influência civilizadora. Ou seja, tanto pode dar para o mal como fazer brotar o bem. O puro intelecto, bem utilizado, pode poupar muito tempo e dinheiro. O que não é despiciendo neste tempo de vacas magras e lucros chorudos para a banca e negócios correlativos. O problema é que os génios têm tendência a perderem toda a noção de realidade. Mas os entendidos também dizem que o grande problema está na forma de lhes ganhar a confiança. Quem tem amigos nos serviços secretos sabe muito bem como são estas coisas. A realidade é mesmo assim. Só que há gente que não suporta demasiada realidade. Ou seja, ainda há muito romântico por aí. Claro que se magoam, mas não é por mal. O melhor, mesmo, é esperarem sentados pelas melhoras. Ou então que alguém utilize pozinhos de perlimpimpim. Neste mundo em aceleração permanente, todos somos confrontados com abundantes doses de brutalidade onde as virtudes tradicionais, que nos eram tão caras, são afastadas. O dever, a deferência, a honra e a justiça estão a desaparecer a olhos vistos ou estão em conflito entre si. A crença no desenvolvimento ininterrupto e na própria justiça já teve melhores dias. E as teorias sobre o igualitarismo continuam ordinárias, sendo mais um motivo de desilusão. Claro que o país já esteve para falir várias vezes. E isso apenas não aconteceu porque as velhas instituições não podem falir. The show must go on. O que seria do mundo se assim não fosse? E lá nos vamos vendendo a nós próprios. O que não tem sido fácil. Até a água canalizada começa a ser mercantilizada por empresas privadas. Qualquer dia é o ar e, um pouco mais lá para diante, a mesmíssima luz do sol. A própria perceção do tempo, e de nós próprios, tem mudado muito. Portugal já se assemelha mais a um serviço financeiro do que a um Estado. A sensação que tenho é de ter frio e de estar sentado de pernas afastadas em frente a uma lareira vazia. O conhecimento é uma coisa benéfica, mas tem alguns efeitos secundários que podem ser perigosos, pois, à medida que o conhecimento se torna mais amplo e consistente, as pessoas têm tendência para ficarem mais sensíveis. Mas o que está feito, feito está e não vale arrependimento. O momento mais delicado, e saboroso para alguns, é quando se descobrem as técnicas da provocação. Depois do fingimento chega o momento supremo da aceitação das certezas. Para ser madrugada, o céu tem de ir ficando mais claro. Estamos todos numa situação de interregno e o sol está a demorar a romper a linha do horizonte. Quando podemos entregar a autoridade e o poder a um homem ou a uma mulher em quem se pode confiar, começamos então a sentir uma confortável sensação de liberdade. Mas, convém também lembrar que, muita dessa boa gente passou muito do seu tempo em cerimónias maçónicas, nas quais as pessoas insignificantes se escondem atrás dos títulos. Já os fulanos do Opus preferem usar a fonte da sua dor masoquista debaixo das calças, ou das saias, ou mesmo das batinas. Afinal, são insondáveis os caminhos do Senhor. Alguns dos mais afoitos revelam um leve e brincalhão tom de autocrítica. Já os outros rezam com tal ardor que ficam com os lábios a arder. Entre ambos, venha o velho e gozão Belzebu e escolha. Se for capaz. E por aqui andamos todos, uns a fazerem isto e outros aquilo. Aquilo e isto. Sobretudo isto, mas também um pouco de aquilo. Faz parte da vida.
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