Poema Infinito (718): A conta de Deus
Buraco negro. Buraco dourado. Buraco branco. Esperanza Spalding a cantar. E a gemer. De espanto, de espanto, de espanto. De amor. De desespero. E a falar de esperança em três tons diferentes. E todos nós juntos a viver tempos de controvérsia. Fizeram-nos três mil maldades e mais outras três mil nos farão ainda. Ardem as fêmeas, ardem os machos. A Idade Média é o tempo da realidade. O Século das Luzes é uma mistificação. Todo um povo, de olhar baço, a caminho do matadouro. Anda tudo a beber vinho às escuras da modernidade. Três ameaças, três virgos, três pessoalíssimas pessoas da santíssima trindade. Três espíritos esvaziados. Três crepúsculos da tarde. Três orgasmos envelhecidos. Três tristes tigres. Três tristes pénis. Três tuberculosos pastorinhos. Três virgens aparecidas. Três vaginas simétricas. Três terços despedaçados. Três orifícios. Assimétricos. Três cenas. Obscenas. Três andorinhas. Sem primavera. Três primaveras. Sem andorinhas. Três fadistas sem fados. Três fados fodidos. Três noivas à solta. Três capuchinhos vermelhos. De carnaval. Com o fogo não se brinca. O fogo queima. O fogo arde sem se ver. O fogo sem fumo. Três capacidades distintas para a deceção. Três exceções à regra. Três anjos a subirem pela árvore do pecado. Três anjos a descerem pelo falo da virtude. Três instrumentos de sete cordas. Três ressurreições e outras tantas crucificações. Não há pão, não há vinho, nem flores na laranjeira. Jeová sofre. O Demónio sofre. Os santos padecem da fé incurável em acreditarem. Vénus não é uma deusa, não é um planeta. É uma camisa. Três vezes me hás de negar antes do galo cantar. Três são as pessoas da santíssima trindade. Três são as pessoas da santíssima trindade. Três são as pessoas da santíssima trindade. Três é a conta que Deus fez. Três batismos. Três, três, três, cavalos livres, livres, livres. Conheci três metáforas na praia. Três ondas as levaram. Usei três eufemismos. E os três se transformaram em metáforas obscenas. Três tristes freiras. Três franciscanos sodomitas. Três tristes caralhos. Dos três aprendizes de feiticeiro apenas um sobreviveu. O que comprimia quadros de Rubens. Três cigarros acesos. Três queimaduras circulares. Três pirâmides do Egito. Três símbolos sexuais em três quadros de Picasso que foram inspirados em três homotetias adjacentes com cuequinhas astrolábias. Três amores-perfeitos. Três trevos de quatro folhas. Três virgos, três rendas, três bilros peregrinos. Três princesas de encantar. Alguém lhes tirou os três que foi a conta que Deus fez. Quem poupa o lobo sacrifica as ovelhas. Três ovelhas e um lobo. Três lobos e uma floresta. Três vasos, três penicos, três estrelas Michelin. Um, dois, três. Um, dois, três. E vira. Três almoços, três jantares, três bebedeiras de encantar. Três sóis, três luas, três romances à beira-mar. Come a papa, papá, come a papa. Limpa a baba, papá, limpa a baba. Três vezes te hei de mudar a fralda antes de te ires deitar. Três rosas com bolor enfeitam a mesa. Três remorsos me virão apoquentar antes do dia terminar. Três vacas vão a caminho do matadouro. Três bifes a caminho do prato. Três ovos para a incubadora. Três perdizes criadas em cativeiro voarão para que três caçadores as abatam ainda antes de tomarem altura. Abriu a época de caça no paraíso. Apocalipse now.