685 - Pérolas e Diamantes: Eufemismos
George Orwell tinha razão, usam-se os eufemismos na política, na guerra e nos negócios como instrumentos para tornar as mentiras verdadeiras e o homicídio respeitável. A política ao mais alto nível é, mesmo assim, uma intenção de esconder a crueza dos factos com retórica, omissões, complexidade, exclusividade, conceitos e eufemismos. Os estados modernos conseguiram transformar as nossas necessidades em dinheiro. Ou melhor, criaram uma espécie de ideologia das necessidades essenciais para daí obterem lucros astronómicos. A verdade é que até o lixo ou a ecologia dão lucros chorudos. E a obesidade. E a hipertensão. E a diabetes. Primeiro empanturras-te e depois vais à farmácia comprar pastilhas para o desenjoo. Ou a bicicleta para emagreceres. E o capacete protetor e a indumentária e as sapatilhas desportivas e os óculos e as luvas, etc. Já não é a necessidade que cria o órgão. É o capitalismo que cria a necessidade. Os algoritmos direcionados são certeiros. As empresas tecnológicas compreenderam que utilizando a manipulação astuta da cultura da intimidade e da partilha do Facebook, por exemplo, são capazes de aplicar o excedente comportamental não só para satisfazer a procura, mas para criá-la. Os maquiavélicos, ou realistas, se preferirem, dizem uma coisa acertada e provada por séculos de história do poder: na prática, o objetivo essencial de todos os governos é servir os seus próprios interesses e defender e manter o poder e os seus próprios privilégios. Não há exceções. Nem as tais usadas para confirmar a regra. Uma forte oposição e uma opinião pública esclarecida são as únicas formas de refrear esses abusos. Alguém disse, e com razão, que apenas o poder restringe o poder. A “aristocracia democrática” é, na sua maioria, constituída por académicos ou cientistas, burocratas, técnicos superiores, ministros, presidentes de câmara, dirigentes sindicais, técnicos especializados de publicidade, sociólogos, jornalistas, deputados, comentaristas e políticos profissionais. O objetivo do poder é manter o poder. O poder não é um meio. É um fim. As relações de poder são sempre assimétricas, por mais que a “aristocracia democrática” nos tente convencer do contrário. O seu tipo de “linguagem democrática” é apenas um instrumento do seu poder. Está cheia de lugares-comuns. E, como todos sabemos, os lugares-comuns são inimigos da liberdade e da democracia. E aí está o CHEGA para o provar. A Google, por exemplo, que é uma empresa multinacional de softwares e serviços online, aprendeu rapidamente a ser uma espécie de adivinho que se sustenta em elementos que substituíram, em larga escala, os dados fornecidos pela ciência, para conseguirem adivinhar a nossa sorte e vendê-la com lucro aos clientes, mas não a nós. Nós somos o seu produto. A Google adivinha o comportamento dos indivíduos e dos grupos e vende esse conhecimento com lucro. O valor comercial do comportamento humano é enorme. Tudo o que vemos, ouvimos e vivemos é pesquisável. A nossa vida inteira é pesquisável. Vivemos numa sociedade de mercado livre. Esse mercado, em plena sociedade dita democrática, é protegido pelos fossos do secretismo, da ilegibilidade e da perícia. Há operações paralelas e secretas que convertem os excedentes em vendas, ultrapassando os nossos interesses. Ou seja, através da publicidade disfarçada, somos sugestionados a comprar aquilo de que não necessitamos com o velho truque dos preços baixos. Apesar de nos dizerem o contrário, o saber, a autoridade e o poder pertencem ao capital de vigilância, para quem nós não passamos de meros recursos humanos naturais a preço de saldo. As velhas reivindicações do direito à autodeterminação desapareceram dos radares da nossa existência. O circo é o mesmo, os palhaços é que mudaram. Como escreveram Eric Schmidt e Jared Cohen: “O mundo digital não se encontra realmente limitado pelas leis terrestres (…) é o maior espaço mundial sem governo.” Os espaços operacionais estão fora do alcance das instituições políticas. Foram expropriados. Por isso, a democracia dita liberal não passa de uma treta. De uma palhaçada. O circo montado são as redes sociais. Cada um tem direito às suas próprias palhaçadas. Neste circo de marionetas, os fios foram substituídos pelas teclas do computador, ou do iPhone ou do iPad. Por alguma razão, a Google é indiscutivelmente a maior empresa do mundo. E está sempre fora do alcance e do controle dos Estados e das suas instituições democráticas: “Eis a fórmula de Andy Grove (…) As empresas de alta tecnologia andam três vezes mais depressa do que as empresas normais. E o governo anda três vezes mais devagar do que as empresas normais. Portanto, temos um intervalo de nove vezes (…) Logo, deve garantir-se que o governo não se intromete nem atrasa as coisas.” Eles sabem o que andam a fazer. Andam a “circunscrever a democracia”.