724 - Pérolas e Diamantes: Figurantes e figurações
Estive numa terra entre montanhas onde o ar era tão puro que se podia servir numa chávena. Muitas vezes me virei contra a brisa e consegui sorvê-la devagarinho como se fosse um peixe, sentindo nas guelras o oxigénio a misturar-se com o ozono. Vim de lá com os pulmões como novos. Passeei por aquelas terras sorrindo ao longo das áleas de estátuas e árvores, todas elas colocadas com mestria de arquiteto paisagista. Estátuas de reis espadaúdos e de princesas ramificadas. De Adões testiculares e de Evas vaginulares, com as parras nos sítios errados, mas com os genitais nos lugares adequados. Todas em mármore fresco ou em calcário, tão branco como o açúcar. Também havia por lá museus ornamentados com baixos-relevos do passado glorioso daqueles povos, de quando ainda andavam com machados, se vestiam de peles e copulavam as mulheres como se fossem cavalos. Eles. E elas, éguas rabonas. Confesso que por ali andei admiradíssimo com a inacreditável fidelidade dos artistas perante os modelos. Se aquilo se tornasse realidade ia ser o bom e o bonito. Alguém, a meu lado, fazia questão de falar explicitamente, e com orgulho, daquela realidade primitiva. Fomos também visitar lindas aldeias com casas pequeninas, com as flores debruçadas nos parapeitos das janelas e nos aros das varandas, onde os guias colocavam, com subida mestria e com as suas frases perfeitas, mães e futuras mães, todas sólidas camponesas, mulheres e raparigas loiras, que nem pareciam deste mundo, mas do Olimpo das deusas. Todas possuíam peitos ostensivamente bonitos e, quando por algum motivo, tinham de se deslocar de um lado para o outro, faziam-no sempre devagarinho, como se fossem estatuetas animadas. Pelo menos era isso o que os guias diziam. Um senhor, a meu lado, pequeno, por sinal, entusiasmado com as figurações, disse, para quem o quis ouvir, que não é necessário ser-se de estatura avantajada, o realmente importante é sentirmo-nos grandes. A verdade é que ao pé daquele jardim de estátuas, baixos e altos relevos e árvores seculares, todos nos sentimos como os anões da Branca de Neve no dia do seu casamento. Naquela cidadezinha da floresta revigorei-me também com boa comida e bons vinhos, feitos de castas especiais. As raparigas, como nos benévolos livros de outrora, bebiam apenas copos de leite de vaca. Aqueles povos, segundo estudei, estão habituados a vencer porque sabem que a sensação de vitória é determinante. Muitas das tardes, quando o sol brilhava, os criados, vindo de lá de longe, muitos até das nossas terras, levavam chávenas de leite ou chá às meninas, ou mesmo taças de gelado ou leite quente para as piscinas azuis onde nadavam belas mulheres de cabelos louros, completamente nuas. E eu, como se fosse um médico, podia olhar para todas elas e observar os seus corpos claros, a ondular, a afastarem os braços e as pernas, em movimentos rápidos, a esticarem o físico em belos movimentos de natação. A observar os raios de sol a iluminar os azulejos azuis ou verdes do fundo das piscinas, onde as belas nadadoras, ao terminarem os seus exercícios de natação, encolhiam as pernas, punham-se em pé e ficavam ali paradas para que a água escorresse pelos seus corpos, pelos seus peitos (maminhas, talvez) e barrigas, a passarem as mãos pelo cabelo, ou pelo púbis, como se estivessem a rezar uma oração ao deus da criação. Depois comiam e bebiam devagar o que lhes apetecia. Muitas delas, depois da oração e da eucaristia, voltavam à piscina, como se tivessem esquecido alguma coisa na água, mergulhavam e continuavam a rezar, juntando as mãos, afastando a água e nadando de novo. Disseram-me que eram rituais de fertilidade. Elas, quando olhavam para nós, era como se não existíssemos. Eu sorria e não deixava transparecer nada, como muito bem me ensinaram os meus pais. Depois o tempo começou a arrefecer e os hóspedes do hotel onde eu estava começaram a ficar como os poetas antes de começarem a escrever poesia. Então vim-me embora. Na hora da despedida a banda tocou uma musicata solene. Tão solene e bonita que até chorei. Ali de pé, emocionado. Depois entrei no autocarro, com o olhar sombreado pelos ramos dos carvalhos.