204 - Pérolas e diamantes: semear ventos
Numa tarde deste tempo pesado que nos toca viver, neste tempo de vacas magras e empréstimos camarários gordos, li no Público uma entrevista a Mario Vargas Llosa. Dela retive duas ou três coisas que passo, com vossa licença, a partilhar.
O maior inimigo da democracia encontra-se no seu próprio seio. É ele o desaparecimento da cultura enquanto questionamento constante da realidade.
Ou seja, em Estados pretensamente democráticos como o nosso, a própria cultura tornou-se uma derrota em si mesma.
As estruturas políticas estão muito distanciadas da realidade. “A corrupção, por outro lado, contribuiu muitíssimo para o desprestígio da política.”
Adriano Moreira, fundador e líder histórico do CDS, em entrevista ao Jornal I pôs o dedo na ferida: “A resposta que se é contra o Estado social porque não há dinheiro implica a pergunta se também não há princípios.”
Quanto mais não seja, numa coisa o acompanho: Este neoliberalismo repressivo, que teima em multiplicar as sanções, aumentando os impostos e restringindo a maioria dos nossos direitos, é antidemocrático.
Como ele sou “contra este neoliberalismo repressivo”.
De facto, o êxito passou a ser o prémio destes novos caçadores de recompensas. A fé inabalável nos mercados veio substituir a “velha” crença nos valores.
Os aprendizes de feiticeiro incorporaram a filosofia de que a iniciativa privada em total liberdade é a responsável pelo progresso e pela abundância. Ora isso é rotundamente falso. E a prova aí está à vista de todos. Portugal definha. O sacrifício neoliberal pode levar-nos à desagregação social e à violência política.
O distinto professor lembra aos mais distraídos que as pequenas pátrias estão a querer mostrar-se. E isso afeta a unidade dos Estados.
Também o nosso, infelizmente, dá indícios de desintegração. O abandono do Interior é um sinal disso mesmo. Não sei durante quanto tempo mais, as populações que teimam em habitar este vasto território português vão aguentar ordeiramente que lhes roubem os principais serviços, condenando-as a uma vida de subserviência e de subdesenvolvimento.
O governo do PSD/CDS desculpa-se com o Tribunal Constitucional. Mas a resposta de Adriano Moreira é concludente: “Se alguma coisa contraria o governo, é a Constituição, não o Tribunal que a defende.”
A finalizar a entrevista coloca o dedo na nossa ferida mais evidente, o «Sistema»: “Um dos piores vícios é a promiscuidade entre o poder político e o poder económico.”
É caso para dizer que o nosso primeiro-ministro e o nosso, salvo seja, presidente da Câmara, ao mesmo tempo que são frusta-talentos, agudizam a memória do nosso passado pobre, fazem-nos estar fartos do nosso paupérrimo presente e encaminham-nos para a eterna desconfiança de um futuro isento de promessas dignas.
Toda esta crise me leva a estar cada vez mais de de acordo com António Costa: “O fim da austeridade não é uma promessa: é uma necessidade.”
PS – Para que os vereadores do PS da CMC também se ponham de acordo quanto à sua verdadeira posição relativamente ao pedido de auditoria externa às contas da Câmara de Chaves – até porque não é bonito atirar a pedra ao (ex-) vereador do MAI e esconder a mão relativamente à posição de um seu vereador que, num primeiro escrutínio votou favoravelmente a realização de uma auditoria externa às contas da autarquia flaviense, para depois, numa segunda fase, dar o dito por não dito, e votar em sentido inverso –, vimos por este meio solicitar mais uma vez ao senhor presidente António Cabeleira, e aos seus distintos vereadores, João Neves incluído por inteiro, que tenham a coragem de assumir a necessidade de uma auditoria externa às contas da autarquia. Pois quem não deve não teme e à mulher de César não lhe basta ser séria, tem de parecê-lo. Até porque estamos todos com necessidade de dormir um pouco mais descansados.