223 - Pérolas e diamantes: a barra de pirite
Gosto muito da parábola do rabino Ósia, contada por Isaac Babel, escritor russo que foi fuzilado secretamente pelo KGB em 1940. E relembro-a sempre com um misto de alegria e angústia existencial.
Ei-la.O rabino deu todos os seus pertences aos filhos, o coração à mulher, o medo a Deus, o tributo a César e, para si próprio, deixou apenas um lugar debaixo de uma oliveira onde o sol demorava a esconder-se.
Mas por cá a “parábola” é outra. Um ex-presidente da Câmara deixa a cadeira do poder, por imposição legal que o impossibilita de concorrer a um novo mandato, e logo de seguida vai ocupar o lugar de primeiro secretário da CIM do Alto Tâmega, tacho criado pelo ex-ministro Miguel Relvas para os boys do PSD, ou similares, que não enxergam poleiro vazio à sua altura.
Tal ideia, estamos em crer, aprendeu-a o ex-ministro Relvas, qual fervoroso adepto, na Universidade quando leu a opinião de T. S. Eliot acerca do budismo e da sua benevolência, pois passam a vida a tentar imaginar sistemas tão perfeitos, que ninguém terá de ser bom.
Estes 23 substitutos dos 17 antigos governadores civis possuem chofer à disposição, secretárias às suas ordens, muito boa remuneração e todo o tempo do mundo para inaugurar o pouco que por aí se vai construindo, assistir a reuniões que para nada servem e nada decidem, bocejar, passear de carro, sorrir, cumprimentar velhinhos e velhinhas, beijar meninos e meninas, receber e entregar medalhas, cortar fitas e descerrar lápides.
Para os estimados leitores perceberem o custo de tamanho embuste, basta referir que dos 180 mil euros do orçamento da CIM do Alto Tâmega, cerca de 150 mil são gastos em remunerações com o pessoal, que é pouco, mas fidelíssimo ao Partido, sem o qual estariam a dar largas à sua resplandecente mediania.
Todos sabemos que estas pessoas estão imbuídas de efetivas convicções, pois desenvolveram durante todo o seu percurso político a habilidade do ziguezague.
Elas sabem que em Portugal ou se é político ou não se é nada. Então João Batista sabe-o melhor do que ninguém.
Já o seu substituto à frente do município é comoventemente incapaz de nos retirar do atoleiro da dívida que ajudou a criar com todo o empenho e denodo. Essa qualidade ninguém lha pode negar. Honra lhe seja feita.
Todos reconhecemos que a estrutura do nosso poder autárquico continua sem estrutura, mas agora de uma forma menos fútil.
António Cabeleira tem de fazer que acredita que a forma impulsiona o conteúdo. Por isso insiste em regressar atrás, pegar na velha fórmula, que caiu entretanto em desuso, e tentar fazer algo de novo com ela.
Não se apercebe que esse foi chão que já deu uvas. Faz lembrar a história daquele homem que conseguiu guardar uma barra de ouro, mas que afinal se revelou pirite.
O senhor presidente sabe que uma arma serve sempre o seu propósito independentemente de quem a dispara. Por isso é que, nas suas mais variadas intervenções públicas, repete várias vezes os slogans de campanha como se fossem música e depois repete a música sem eles, para que dessa forma a música nos traga à mente esse mesmo slogan.
Esse tipo de estratégia do uso da linguagem visa esconder o seu pensamento e sonegar todas as respostas importantes e diretas.
O uso da propaganda, todos o sabemos, pretende sempre esconder e iludir a realidade.
António Cabeleira tudo faz para que a história que nos conta, e nos pretende continuar a contar, sobre a sua gestão autárquica, se assemelhe a um conto de fadas, mas nós pressentimos que as suas linhas condutoras a aproximarão da tragédia. Oxalá nos enganemos. Para bem de todos.
PS - Para que o exercício do poder democrático e a respetiva transparência das contas públicas não se transformem em duas forças antagónicas, mais uma vez renovamos o nosso apelo para que o senhor presidente da Câmara, mais os seus distintos vereadores, aprovem uma auditoria às contas do nosso município, pois à mulher de César não lhe basta ser séria, tem de parecê-lo. E quem não deve não teme.
PS 2 – E, também em nome da transparência, já agora senhor presidente, talvez fosse boa ideia aprovar conjuntamente uma auditoria externa às contas da JF de Santa Maria Maior, da qual foi insigne presidente, até 2013, o risonho vereador João Neves (ex-MAI e atualmente do PSD), pois quem não deve não teme; certos de que aquele que tão insistentemente reivindicou, durante toda a campanha eleitoral, uma auditoria às contas da CMC, com toda a certeza verá com bons olhos e até enaltecerá fervorosamente, uma auditoria realizada às contas do seu íntegro mandato.