25
Set06
Quase tudo, quase nada
João Madureira
Uma vez contaram-me uma história a preto e branco. Era uma história alegre, que parecia triste, mas onde os maus eram absolutamente maus e os bons eram tão bons que não podiam ser melhores.
Acho que foi a partir daí que deixei de gostar de histórias de bons e maus.
Agora só gosto de histórias reais. E não me interessa se são a preto e branco ou a cores. O que me interessa é saber se são ou não reais.
E gosto dessas histórias especialmente porque são tão surpreendentes e ricas que me fazem sonhar.
Sonho tanto com a realidade que já confundo tudo.
Mas não me importo.
Acho que é da confusão que nasce a realidade.
Por isso é a realidade tão confusa, tão perturbadora e tão criativa.
Uma vez contaram-me uma história passada numa terra a cores onde o bom era mau e o mau era bom, onde o primeiro era branco e o outro mestiço, quase preto, quase mau, sendo, ou parecendo, mau, ou quase mau, só que era bom, mesmo parecendo aquilo que não era.
Tinha o outro personagem da história a estranha qualidade de parecer aquilo que as pessoas esperavam dele. Por ser branco tinha que ser bom, só que era mau e, por mais que a vontade das pessoas fosse, ou parecesse, que parecesse bom, era mau, ou quase mau. Por isso também era quase bom.
Mas se era quase bom, também era quase mau, quase mestiço, quase branco. Porque um mestiço é quase branco, mas também é quase preto.
Portanto era o branco quase preto e o preto quase branco porque ambos eram quase mestiços. Sendo o mestiço quase preto a mesma coisa, porque estava, ao mesmo tempo, no meio e no fim do espectro. Por isso também o que era quase bom era quase mau e o que era quase mau era quase bom.
Abreviando: eram ambos quase brancos e quase pretos e quase mestiços, quase bons e quase maus e vice-versa.