242 - Pérolas e diamantes: enigmas, desalentos e esperança
Pode até parecer que não, mas depois de provarmos a beleza da arte a nossa vida muda. Depois de ouvirmos os Concertos de Brandenburgo de Bach ou a música “maluca” de Frank Zappa, a vida muda. Após observarmos um quadro de Vermeer ou de Van Gogh ao vivo, a vida muda. A seguir a lermos Cervantes, Fernando Pessoa ou Herberto Helder, a vida muda. Sem nos darmos conta, nunca mais somos os mesmos.
O que ninguém sabe ao certo é onde reside o poder da arte e o efeito que tem sobre as pessoas. Daí o seu fascínio. O seu encanto. Razão tem Adrià, o protagonista do excelente romance de Jaume Cabré, eu confesso: “A obra de arte é o enigma que nenhuma razão consegue dominar.”
Também eu, nesta altura da minha vida, tal como disse Pedro Mexia, “ já não tenho livros, sou possuído por eles”.
Fernando Pessoa tinha razão: “Custa tanto ser sincero quando se é inteligente. É como ser honesto quando se é ambicioso.”
A política está carregada deste tipo de gente. Vou permitir-me adaptar três versos de Marcelo Navarro (Especulações em torno de um poeta): “O político é um fingidor/ de fachada/ Finge tão completamente a dor/ que não sente nada.”
Afinal, toda a lealdade é uma espécie de intolerância. Vale a pena lembrar a afirmação de Alberto Camus: “O direito de nos contradizermos foi esquecido na enumeração dos direitos do homem.” Pois como escreveu Vergílio Ferreira, “a coerência total é a das pedras e talvez dos imbecis”.
Afinal “Deus criou o gato para dar ao homem o prazer de acariciar o tigre”, como nos lembra a epígrafe de Fernand Méry.
O tipo de política a que estamos habituados parece-se muito com o tipo de romance sem enredo, onde o personagem vai sendo construído a partir de muitas influências.
No fundo a defesa dos ideais, que nos servem para sermos outros, paga-se caro. Os portugueses até sentem as coisas, o problema é que não se conseguem mexer, nem mesmo interiormente.
Por isso é que se deixam ludibriar pelos políticos (maus leitores de Maquiavel), que fazem o que fazem por necessidade mas deixam transparecer que agem por vontade própria.
São seguidores de um preceito prático pouco moral: Se quiseres enganar alguém por intermédio de um enviado, engana primeiro esse enviado, porque então ele mentirá com convicção.
Os políticos tradicionais são como os chefes religiosos, pois apelam para o que de menos elaborado há no homem – os seus sentimentos. Com isso conseguem manipular e fanatizar.
A nós não nos deve preocupar o sermos vencidos. Isso até nos deve dar prazer, quando quem nos vence é a Razão, seja lá quem for o seu representante.
Acerca do génio de Fernando Pessoa, José Paulo Cavalcanti Filho escreveu: “Pode-se admitir que o génio não é apreciado na sua época porque é a ela oposto. Um pequeno génio ganha fama, um génio ainda maior ganha despeito, um deus ganha crucificação.”
Uma meia mentira, ou uma meia verdade, ou algumas mentiras de dimensão variável unidas por uma lógica que as torna plausíveis, aguentam-se durante algum tempo. Por vezes até muito tempo. Mas nunca se aguentam durante uma vida inteira, porque existe uma espécie de lei primordial que nos explica que existe a hora da verdade em todas as coisas. É aí que reside a nossa esperança.
PS – Para que se faça luz sobre os milhões de euros gastos na construção do Mercado Abastecedor, na Plataforma Logística e também nas instalações do antigo Magistério Primário, que não estão a ter nenhum tipo de utilidade prática no desenvolvimento da nossa região, é necessário e urgente realizar uma auditoria externa às contas da CMC. Tchékhov dizia que “a arrogância é uma qualidade que fica bem aos perus” (ou talvez aos pavões que são aves de cauda mais vistosa). Quem não deve não teme.
PS 2 – Em nome da transparência, já agora senhor presidente, talvez fosse boa ideia aprovar conjuntamente uma auditoria externa às contas da JF de Santa Maria Maior.