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Set06
Saudades do estilo
João Madureira
Tenho saudades dos tempos em que fumava, não por vício, mas por estilo.
Para dizer a verdade, fumar é um acto quase imbecil. Desde logo porque o fumo é algo de entediante e eufemístico.
Mas a saudade não. A saudade é uma sensação especificamente humana.
Lembro-me que a primeira vez em que dei uma passa num cigarro foi na parte traseira da escola primária de Montalegre. Engasguei-me com muito estilo e passei logo o cigarro ao meu colega. Ele fez o mesmo, engasgou-se com muito afinco e passou o cigarro ao outro parceiro. Por seu lado, o terceiro colega chupou no filtro do cigarro, engasgou-se bem engasgado e passou o cigarro ao outro companheiro e assim o cigarro foi passando de mão em mão até chegar ao filtro. Foi a mim que coube a tarefa bizarra de atirar o paivante ao chão e de o apagar com a ponta do sapato.
Muito congestionados, com a boca a saber terrivelmente mal e com as mãos a cheirar a tabaco, fomos para casa observar os nossos pais que fumavam quando lhes dava a vontade.
Depois o gesto imitativo foi-se tornando hábito e o hábito transformou-se em vício e durou muitos anos até ao dia que abandonei o maço de cigarros num cinzeiro e por ali se quedou a minha dependência, que foi estilo e que agora é saudade.
Actualmente, quando me dá a saudade, pego no meu olhar e vou contemplar a banda a tocar.
E é ali que recordo com dor a imagem do meu pai fumando em contraluz contra as imagens deslizantes dos seus dedos calmos e abstractos.