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Set06
O que cai
João Madureira
Houve tempos em que permanecia à janela da minha casa a observar as gotas que desciam pela cara de granito da estátua que morava no meio da praça.
No bairro tudo era calma e solidão.
Lá mais ao longe as árvores abanavam com o vento.
Algumas pessoas corriam para ir dar de comer aos animais.
O cego da casa 43 olhava entretido a escuridão eterna.
No sótão da mansão da Dona Inês os ratos faziam ninho.
A minha avó à lareira aquecia uma alheira para me dar.
E eu continuava observando as gotas de chuva que escorriam pelos vidros da janela.
E as gotas lá deslizavam em linhas sinuosas.
Havia silêncio nas minhas mãos. E uma quietude de prata.
Lá fora a chuva insistia em tombar sobre a estátua.
E a estátua nem se mexia.
Só olhava para norte, sempre para norte.
Sempre.
Se por puro acaso tropeçares na água que cai do céu não te espantes.
É apenas o meu olhar que regressa do passado.