255 - Pérolas e diamantes: a verosimilhança e a verdade
Juan Marsé, colocou na boca do seu personagem David Bartra (Rabos de Lagartixa) estas sábias palavras: “Aprende a olhar aquilo que ainda não chegou, e perceberás muitas coisas.” Eu assim faço, para mal dos meus pecados. Mas cada um é para o que nasce. E para que me serve, perguntarão os estimados leitores. Pois para pouco, mas eu tenho o defeito de ser teimoso e muito agarrado às minhas convicções. O que tem de ser tem muita força.
Não há como ler os jornais e revistas para nos mantermos informados e, sobretudo, cultos, ou cultivados, ou mergulhados nesse renascimento salvador que ocorre de quatro em quatro anos e que é conhecido por campanha eleitoral.
Marcelo Rebelo de Sousa, o putativo candidato a candidato pelo PSD a Belém, e comentador político que tudo sabe e tudo explica, com a sapiência que se lhe reconhece, pois até sobre ténis, windsurf e física quântica emite a mais sábia das opiniões, confessou, também ao DN, que “rezo o terço nos sítios mais inspiradores. Rezo normalmente no trânsito. Já me aconteceu rezar em estádios de futebol. Um sítio onde é sensacional rezar o terço é a nadar no mar”.
Estamos em crer que, tal como Camões quando salvou Os Lusíadas no naufrágio quando regressava de Goa, junto à foz do rio Mekong, salvando-se apenas ele e o manuscrito, também este incrível católico nada com uma mão e com a outra vai contando as contas do seu rosário, com que pensa ganhar primeiro as eleições presidenciais e só depois o céu. Nós temos o purgatório garantido.
Na Sábado, lemos uma reportagem sobre o Meco e dela extraímos a pertinaz informação de que Ricardo Salgado, o tal “senhor dono disto tudo”, e do BES também, tinha por hábito ir almoçar ao Peralta – um espaço que ganhara fama pelo marisco fresco e pelas especialidades de peixe –, que chegava de helicóptero, com a mulher, e aterrava no parque de estacionamento, almoçava e ia embora.
Outro frequentador da “praia da liberdade” era José Sócrates, que certa vez pediu uma coisa aos proprietários do restaurante, depois de jantar tordos. “Por favor, se aparecer algum jornalista não diga o que almocei. Não é bonito um secretário de Estado do Ambiente comer passarinhos.”
Mas todos estes fait divers não nos podem fazer esquecer, a nós pobres eleitores permanentemente enganados e ofendidos, que foi Passos Coelho que defendeu, e defende com unhas e dentes, um modelo de rutura com o nosso Estado Social e que a pretexto da chegada da troika foi muito para além das suas imposições. Privatizou o dobro do exigido, aumentou o IVA de forma brutal e cortou o 13º e o 14º meses, exigência que não estava no memorando.
Não satisfeito com a obra, cortou no subsídio social aos idosos, no rendimento social de inserção, aumentou as taxas moderadoras na saúde, alterou a legislação laboral e privatizou quase tudo o que havia para privatizar. Atacou a Segurança Social, a Saúde e a Educação. E agora, porque estamos com as eleições aí à porta, tem a distinta lata de afirmar que é o paladino do Estado Social.
Tudo o que eles afirmam, na melhor das hipóteses, tem sempre duas partes de mentira e apenas uma de verdade.
Os números falam por si: 600 mil desempregados, sendo metade deles de longa duração, 350 mil emigrantes e 126 mil portugueses entretidos em programas ocupacionais. Este é o estado do Estado Social edificado pela coligação PSD/CDS.
Quando os oiço falar lá do alto do seu palanque partidário comento para mim mesmo: que admiravelmente bem eles argumentam baseados em factos errados.
Esta é a razão por que já não acreditamos no país, nem nos políticos, nem na Europa. Não acreditamos em comícios, nem em cartazes, nem em promessas. Já não acreditamos em nada porque os “grandes partidos” do “arco da governação” nos têm sucessivamente mentido e enganado. Foi a este estado de alma que nos levou, em alternância falaciosa, a “coligação democrática” de PSD/CDS/PS.
Estamos todos muito cansados das pessoas, das intrigas, dos esquemas, das lógicas partidárias e da promiscuidade de interesses entre a política e os negócios.
Não nos podemos resignar à desilusão. Isso é o que eles pretendem, que não votemos ou que votemos nos mesmos de sempre.
Temos que procurar outra coisa. Temos de dar espaço à cidadania.
“Quando se está em campanha eleitoral a tendência da maioria dos políticos, se não de quase a totalidade, é terem uma opinião às segundas, quartas e sextas e às terças, quintas e sábados terem uma opinião mais ou menos contrária àquela que tiveram nos dias anteriores. Têm muita tendência para dizerem aquilo que as pessoas querem ouvir e não aquilo que pensam genuinamente”, afirmou Manuela Ferreira Leite, no programa «Política Mesmo» da TVI24.
Sobre as palavras dos políticos tradicionais convém lembrar o que escreveu Adrien Baillet: “La vraisemblance n’est pas toujour du côté de la verité”. O que traduzido para português quer dizer: “A verosimilhança nem sempre está do lado da verdade.”