A metáfora
Deixa que te fale na esplêndida metáfora da chuva quando os teus olhos desfilam pelos montes em invasões fascinantes de cinzento. Sim, do lado de lá da lucidez, onde nascem os crisântemos, onde a luz se transforma em vício e as palavras se tomam do sabor acre das ervas, lá onde os sítios se enobrecem, lá onde nos amámos entre o ciciar dos fetos, lá onde ainda cresce o dia do tamanho do sol, lá a chuva nem sempre é apaixonada. Dizem que não existem sentimentos irredutíveis. Eu sei que sim. Entra a chuva pela porta do quarto e o teu corpo torna-se reflexivo. Alguém fala da retórica das espessas bátegas de água. Isso é como permanecer junto às falésias ouvindo pequeninos poemas chineses. A borboleta desenha a cor dos teus lábios. Um beijo é uma tentação pontuada pelas aves do amanhecer. O gozo feminino dos espasmos flui na tarde e penetra nos parques e jardins de cores crepusculares. Depois as tempestades a caminho do mar esboçam conclusões. Tu és uma conclusão e isso dói-me. A chuva tece fios invisíveis que atravessam os vales repletos de doçura. A madrugada inicia o seu perpétuo movimento longitudinal. Há nela uma claridade indizível, algo próximo de um deus nascido da alma humana. Deixo-me fechar numa carta e leio-me por dentro. Eu sou agora o que existe por dentro. O que existe dentro de mim e dentro de ti. Sinto aproximar-se o instinto da criação com as suas palavras azuis, com a sua vontade desordenada, como se fosse um olhar demorado pela mágoa. Também em ti corre a determinação desassossegada de te descobrires. É essa nostalgia infinita que nos come a felicidade. A nostalgia infinita da verdade humana. A verdade humana da natureza infinita. Deus é um espelho interior, a sabedoria do silêncio duplo, do movimento de regresso. Volto a ti como um vento litúrgico que percorre o mundo em busca da razão das palavras. Nada sei sobre mim. A tempestade desordena-me a razão. Eu sou de outro lugar, do espaço do exílio.